Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

sábado, 16 de outubro de 2010

Fight Club

Um filme que vi vários anos depois de 1999, e que muito me impressionou. Por muitos motivos, sendo dos mais inesperados o facto de conseguir emparelhar elementos que normalmente não se encontram num blockbuster. Violência gratuita. Subversão social. Busca de espiritualidade. Crescimento, maturação e busca de uma identidade adulta. Dissociação de personalidade.
Luta entre classes sociais. Niilismo absoluto. Freud.

O livro é bastante bom. Depois de lido, fiquei com a impressão de que as implicações do enredo ultrapassaram em muito as expectativas dos próprio autor, e o que pode antever enquanto o escrevia. O que o levou a considerar o filme um melhoramento ao livro. E que também redundou em milhares de explicações, interpretações e recusas definitivas de muitos departamentos de cinema de universidades americanas em aceitarem trabalhos\teses sobre o filme. É impossível escrever sobre fight club sem cair numa floresta de àrvores epilépticas. Mas não deixa de ser divertido. O livro, só por ser livro, permite uma análise mais detalhada da filosofia subjacente ao enredo.

''People are always asking me if I know Tyler Durden''.
Estas são as minhas árvores epilépticas.

O enredo é fantástico. Um empregado de esritório, numa empresa de manufactura de automóveis, encarregue de aplicar uma fórmula que friamente calcula se é vantajoso, em termos económicos, a empresa recolher gamas inteiras de veículos que têm defeitos de fabrico que matam os clientes, tem insónias desde que se consegue lembrar. Começa a frequentar grupos de apoio a doentes terminais, sem ter nenhuma doença crónica, numa relação com a ideia de morte que só começou a ficar doentia. E é aí que conhece Marla Singer.
Um dia volta a casa, depois de uma viagem, para encontrar o seu apartamento, e tudo o que possuia, em escombros. Desesperado, telefona a um 'single serving friend', Tyler Durden, que conheceu no avião, e pede-lhe para se mudar para a casa dele. Tyler diz que sim, mas tem um pedido:
''I want you to hit me as hard as you can''
5 minutos depois estão a espancar-se no parque de estacionamento, e formam um clube, o fight club, com outros estranhos que entretanto se lhes juntaram.
1 hora de filme depois, estão a espalhar o caos, e a tentar destruir a civilização, com sabão.

Não parece haver dúvidas que há um certo grau (ou uma montanha) de angústia existencial a fundamentar tudo o que se vem a desenrolar. Pelo menos na sua vertente mais racional. Depois, há muita coisa completamente visceral.
Acaba a escola. Aluga um apartamento bonito, bem localizado e um audi A4 a crédito, arranja um bom emprego de secretária a preencher impressos, e começa a coleccionar mobilia do IKEA.
Será que já és crescido? A dada altura não vais conseguir dormir...
Fight Club e Tyler Durden representam tudo o que foi posto de lado para responder às necessidades de uma sociedade que evoluiu (?). O que ficou de fora das alineas do pacto social. O que aconteceu quando uma necessidade mais primitiva, começou a ser preenchida por catalogos IKEA.
''Man, I see in fight club, the strongest, smartest men who have ever lived. I see all this potential, and I see squandering. God damn it, a entire generation, pumping gas, waiting tables. Slaves with white collars.''
''Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate, so we can buy shit we don't need. We are the middle children of history, man. No purpose or place.''

Simboliza também um recolocar de coisas em perspectiva. Gostei particularmente desta ideia.
''A lot of guys came to fight club, because there was something else in their lives, they were too afraid to face. After a few fights, they were afraid a lot less''.
A revolta de uma geração de homens criados por mulheres, sem figura paterna, sem as ferramentas necessárias_talvez não à sobrevivência_ mas ao desenvolvimento, e gratificação enquanto indivíduo. Uma geração que gera o caos sem motivo aparente. Sob a bandeira da destruição da civilização, esta a necessidade da destruição do velho, para a afirmação do novo.

''You're not your job. You're not how much money you have in the bank. You're not the car you drive. You're not the contents of your wallet. You're not your fucking khakis.
You're the all-singing, all-dancing crap of the world.''

Esta mensagem, este contexto, a revolta que leva a mijar na sopa dos hoteis mais finos da cidade, pôr frames de pornografia em filmes infantis, pintar caras sorridentes na fachada de edifícios, ou a começar lutas na rua sem sequer tentar encontrar pretexto. Mas também são conscientes do poder que detêm, de confrontar o estrato social acima, colocar-lhe um elástico à volta dos tomates, e explicar-lhes que os ricos podem ser ricos, mas dependem da arraia miúda.


Mayhem. Mischief. Soap.

3 comentários:

  1. Já vi o filme umas duas ou três vezes, mas nunca li o livro. Lembro-me de ficar muito impressionado com as ideias de liberdade e anarquia que estavam patentes no filme. Ou então com a subversão dessas ideias de liberdade e anarquia, não sei, porque nada no filme é idealista. Muito pelo contrário, é esse anti-idealismo que move a anarquia.

    Talvez tenha sido por isso que os meus pais, filhos da revolução de Abril, tenham ficado chocados e ofendidos pelo filme quando lhos mostrei. Eu pensava que eles iam adorar, mas, para minha grande surpresa, detestaram-no.

    Also: há a teoria estranhamente bem fundamentada de que o Narrador é o Calvin crescido e que o Tyler Durden é uma re-imaginação do Hobbes.

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  2. Deixaste-me mesmo com vontade de ler o livro!

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  3. Um dos melhores filmes de todos os tempos !

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