Pataniscas Satânicas

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

America - Simon and Garfunkel, 1968


Sempre considerei o Paul Simon como sendo um dos grandes compositores da música americana contemporânea. Poucos outros compositores conseguiram simultâneamente compor uma tão grande quantidade de músicas de tal qualidade, com melodias verdadeiramente bonitas, bem como tocar temáticas invulgares, introspectivas e filosóficas.

Recentemente tenho ouvido com alguma frequência a canção America, que era a 3ª faixa do album Bookends de 1968, da dupla Simon and Garfunkel

O Bookends pretendia ser um album conceptual, na peugada de albuns como o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, que seguisse o percurso da vida, da infância até à velhice.

America é uma canção sobre a adolescência. Em 1968 a américa estava a passar a fase do Flower Power, o movimento hippie começava a dar mostras de ter falhado, 1969 seria o ano mais sangrento da guerra do Vietnam, as drogas começavam a perder a imagem de emancipadoras da mente para começarem a matar celebridades, e toda a sensação de optimismo que se tinha gerado no início dos anos '60 começava a dissipar-se.
Os jovens já não se reviam no surf-rock, já não dançavam ao som do Chuck Berry, do Buddy Holly ou do Ritchie Valens, já não queriam o Let me Hold Your Hand dos Beatles.
Os adolescentes sentiam-se perdidos numa América que começava a perder outra vez a identidade, com uma verdadeira quebra de gerações por causa da guerra do Vietnam, o Movimento dos Direitos Civis, o início de uma tentativa de massificação comercial.

America é uma canção acerca de adolescentes desiludidos e perdidos numa América que perdeu o rumo, e que um dia simplesmente saem de casa, metem-se num autocarro e vão em busca de si mesmos e da nação que lhes ensinaram que era a melhor do mundo.

Abre com um murmurar da melodia essencial da música, quase como overture, e depois entram os acordes de guitarra,

A canção junta imagens e diálogos dos dois adolescentes, o narrador e a sua companheira Kathy, com uma melodia suave e simples, que apenas acompanha a descrição/narrativa.

Começa com uma proposta "Let us be lovers we'll marry our fortunes together", que não implica que sejam realmente amantes ou que se casem, mas simplesmente que se vão amar e que vão unir os seus destinos durante algum tempo. O narrador admite que tem algum dinheiro, compram cigarros e símbolos americanos ("Mrs. Wagners pies"), só aquilo que precisam, e "walked off to look for America".

Viajam ao longo da América, de autocarro ou à boleia, parando fugazmente em vários lugares. Começam em Saginaw, no Estado do Michigan, à beira dos grandes lagos, a norte de Chicago, e aparentemente estão a apanhar um mítico autocarro Greyhound em Pittsburgh, no estado da Pensilvânia, a leste de Michigan. Quem quer que já tenha feito viagens longas, com muitas paragens, reconhece a memória mais sensitiva do que concreta dos lugares por onde passou "Michigan seems like a dream to me now".

Os jovens divertem-se com as figuras que encontram no autocarro, as pessoas de quem vieram realmente à procura, os outros Americanos perdidos. "She said the man in the gabardine suit was a spy; I said "Be careful his bowtie is really a camera"

As conversas de pessoas que já não sabem o que dizer uma à outra, que começam a afastar-se, a isolar-se, a sentirem-se sozinhas, que é na realidade a única forma de se encontrarem mesmo, "Toss me a cigarette, I think there's one in my raincoat"; "We smoked the last one an hour ago" e uma imagem lindíssima de uma lua a nascer sobre aquilo que eu imagino sejam infindáveis campos de cultivo da típica abundância americana "And the moon rose over an open field".

No fim o narrador verbaliza o seu sofrimento. Mas não o faz à sua companheira, que provavelmente está perdida ela mesma. O narrador verbaliza e sintetiza o seu sofrimento para si mesmo, sabe que a sua companheira não o ouve, e fá-lo com o que parece ser quase surpresa.
"Kathy, I'm lost," I said, though I knew she was sleeping
I'm empty and aching and I don't know why
Olha para fora, conta a imensidade de carros no New Jersey Turnpike. Tendo começado em Michigan, passado por Pennsylvania e estando agora em New Jersey, é seguro assumir que vão em direcção a New York.
Vendo todas as pessoas nos carros da New Jersey Turnpike, o narrador não pode senão concluir que estão todos tão perdidos e desesperados como ele, e que, como ele, todos eles continuam à procura da América.
Nesta altura, a canção deixa o tom suave e calmo que tinha antes, e toma um tom magnânimo, quase um hino à juventude e à busca de identidade, com coros de vozes a entoar o melhor grito de guerra que podiam ter na altura: "All gone to look for America!".



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