Pataniscas Satânicas

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domingo, 21 de junho de 2015

Tubos com Dentes

Começou tudo com as células obviamente.

E podia perfeitamente ter ficado por aí. Os procariotas são definitivamente bem sucedidos e servem mais do que adequadamente como amostra de vida.

Quando pensamos em vida extra-terrestre geralmente pensamos em homenzinhos verdes, mas na realidade encontrarmos alguma coisa semelhante a células já seria estrondoso.
As células são pouco mais do que robots proteicos com comportamentos que podem reduzir-se essencialmente em "digestão" e "divisão", e isso é mais do que suficiente, na vasta maioria dos casos.

Choanoflagelado - nós há 900 milhões de anos
Mas havia vantagens de sobrevivência nos grupos, e algumas células eucarióticas, chamadas choanoflagelados juntaram-se umas às outras para protecção e para partilharem recursos. Há várias teorias que explicam como isto terá acontecido.
Uma teoria é a de que depois de as células se dividirem, em vez de se separarem e irem cada uma à sua vida, continuaram juntas em aglomerados, em colónias. 


Ora, o problema de um aglomerado de células coloniais a crescerem em conjunto é que, quanto maior  forem mais difícil é para as células no centro terem acesso aos recursos à superfície. Uma colónia deste tipo de células tem dificuldade em crescer em tamanho, quanto mais fazer qualquer coisa com um aspecto mais interessante.

A melhor solução é em vez de crescer concentricamente, crescer com a forma de um tubo.


Esta solução permite que todas as células tenham acesso rápido à superfície e aos nutrientes, e tem a vantagem adicional de permitir que algumas células se diferenciem em funções específicas, como movimento, digestão ou reprodução.

A aplicação mais simples desta solução é a humilde esponja, cujos primeiros fósseis datam de há cerca de 710-635 milhões de anos


podia passar o resto do post só a pôr fotos de esponjas psicadélicas




E pronto. 
Temos o primeiro animal. 
Um tubo de células que come coisas.

E depois de termos esta ideia na cabeça é difícil voltar a olhar para qualquer animal e não o ver como simplesmente uma variação deste esquema básico.
É um modelo tão tão simples, que até a inovação de ter uma abertura em ambas as pontas do tubo, (essencialmente uma boca e um ânus) foi uma grande coisa!
Entra comida por uma ponta, saem fezes pela outra. O que acontece pelo meio do tubo é secundário.

É só juntar peças, como um lego evolutivo
Tudo o resto a partir daqui representa apenas acrescentos e adaptações deste modelo básico.

Há cerca de 542 milhões de anos ocorre a Explosão do Câmbrico, durante a qual este esquema básico de tubo que come coisas vai passar por quase todas as variações possíveis de formas e apêndices que o ajudem a comer e a reproduzir-se mais eficientemente (as mesmas regras das nossas primeiras células). Durante este período surgem a maioria dos principais Filos actualmente existentes, e algumas outras variações bizarras que nunca resultaram em nada.




Há cerca de 447-443 milhões de anos, acontece a Extinção do Ordoviciano-Siluriano, na qual por causa de actividade vulcânica ou raios cósmicos cerca de 60-70% das espécies se extinguiram, e só as formas mais eficientes é que sobreviveram. Nada como uma boa extinção massiva para acelerar a evolução, uma espécie de crivo geológico que só deixa passar as formas de vida mais adaptáveis.

A partir daqui vou atalhar um bocadinho até onde nos interessa chegar, porque senão nunca mais daqui saímos.

Evoluem os deuterostómios invertebrados, como as lesmas do mar, que são mesmo só tubos que comem coisas, e as estrelas do mar  que são tubos curtos com muitos braços à volta que comem coisas.


Evoluem os animais Cordados, que têm a particularidade de ter um cordão nervoso dorsal, e que eventualmente evoluem para os primeiros peixes e tubarões. Estes não são mais do que o desenho original do tubo, mas agora com dentes e barbatanas para se poder mover melhor no meio aquático onde evoluiu. São tubos com muitos dentes que nadam e comem coisas.
Os tubarões existem com a mesma forma que têm hoje desde há 420 milhões de anos. Os dinossauros só apareceram há 165 milhões de anos.



Os tubos nadadores eventualmente percebem que há mais comida para comer e espaço para se reproduzirem em terra, e então transformam as barbatanas em pernas, e sobem para a terra, onde podem passar a ser tubos com pernas que comem coisas.

E ficaram grandes, os tubos com dentes e pernas.



Um dos tubos com pernas que comem coisas com mais sucesso são, por exemplo, os crocodilos. Querem um exemplo melhor do que um tubo com pernas e dentes do que um crocodilo?
Os crocodilos foram contemporâneos de uma data de dinossauros, e continuam a existir hoje, relativamente inalterados morfologicamente.
A isso eu chamo um modelo de sucesso.




Os lagartões tubóides eventualmente também se extinguem porque levam com um calhau celestial na cabeça, e então os tubos podem usar uns truques que ainda não tinham experimentado até essa altura.
Uns arranjam penas, os outros arranjam pêlos.








Os tubos evoluem, mas continuam a ser tubos. Ganham olhos, unhas, dentes, pernas, asas, caudas, mãos, dedos, uma data de coisas diferentes, mas continuam sempre a ser só tubos.
Entra comida por um lado, fezes pelo outro, pelo meio acontecem outras coisas.

Nós, por exemplo, somos um tubo por onde entra comida por uma ponta, fezes pela outra, e pelo meio inventámos a matemática.

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