Pataniscas Satânicas

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sábado, 27 de junho de 2015

Agents of S.H.I.E.L.D. - sobre a interconectividade da Marvel

Finalmente vou cumprir uma promessa que fiz há quase um ano, e vou falar sobre a série Agents of S.H.I.E.L.D. (AoS)
Este post contém SPOILERS, mas todos os que sejam referentes a coisas que tenham acontecido este ano, nomeadamente a segunda metade da segunda temporada de AoS e do Age of Ultron, vão estar devidamente identificados.


Em primeiro lugar há algo a ser dito acerca do amor dos fâs pelas suas personagens preferidas.

Contrariamente ao que se possa pensar, uma das personagens centrais da série, e provavelmente a mais reconhecível, o Phil Coulson, não surge em nenhuma banda-desenhada, sendo uma criação exclusivamente dos filmes.


À semelhança Harley Quinn, que entretanto se tornou uma das personagens mais populares do universo DC depois de ter criada para a da série animada e que à custa da devoção e interesse dos fâs, foi adoptada como personagem oficial das bandas desenhadas, também a personagem do Phil Coulson aparece pela primeira vez no Iron Man (2008) tendo sido criado apenas para fazer uma piada acerca do nome demasiado comprido da S.H.I.E.L.D.


No entanto, a personagem tornou-se tão popular entre os fâs, que voltou a merecer pequenas aparições nos filmes subsequentes da MCU, depois em algumas curtas-metragens, até que tem o seu principal papel no grande ecrân no filme Avengers (2012).
A personagem dá a volta completa quando aparece como personagem oficial nas bandas desenhadas.


Eu podia escrever um artigo inteiro sobre a personagem do Phil Coulson, mas vou limitar-me a explicar que a personagem é adorável porque consegue transmitir verdadeiramente a ideia de um super-agente-espião de uma organização ultra-secreta que começou a sua carreira com um trabalho de secretária a arquivar papéis. 
O Phil Coulson é a personagem normal num mundo de super-heróis, e a perspectiva dele é um reflexo à nossa, fazendo dele um substituto da audência. Também de forma semelhante à sua audiência, o Phil Coulson é um geek e admira os super-heróis, coleccionando cromos vintage do Capitão América.
Dito isso é particularmente interessante notar que, de acordo com o estilo habitual do Joss Whedon, esta personagem querida e adorada dos fâs, e substituto deles, morre tragicamente durante o Avengers (2012), sendo que é a sua morte que cataliza os heróis a lutarem contra todas as probabilidades.


Ele fica melhor, no entanto, e mesmo a tempo de ser uma das personagens centrais na série spin-off do MCU Agents of S.H.I.E.L.D., escrita pelo Joss Whedon, Jeb Whedon (o seu irmão, e quem depois fica a escrever a série a tempo inteiro) e por Maurissa Tancharoen e produzida pela Marvel Televison, em 2013.


A série segue as aventuras de um grupo de AoS que iniciam uma missão ainda mais secreta de identificar e conter indivíduos ou artefactos com super-poderes que vão surgindo.
A história evolui inicialmente com um vilão diferente a cada episódio que tem de ser identificado e por vezes recrutado pela equipa.
A equipa é composta por vários elementos com características de personalidade vincadas e com funções diferentes e bem definidas (o líder, o soldado, os cientistas, o hacker), que passam o seu tempo numa nave a interagirem enquanto resolvem um problema diferente todas as semanas.
Se parece familiar, é porque o Joss Whedon gosta de pegar nas ferramentas que funcionam e dar-lhes uso.



Esta estrutura narrativa inicial de Firefly misturado com Missão Impossível misturado com X-Files é engraçada, e é divertido vermos como todas estas personagens interagem entre si, habitualmente em diálogos tipicamente Whedonescos. Resulta como uma série de aventuras de ficção-científica.
A estética e o tom estão muito bem conseguidos, e transmitem muito bem a sensação de estarmos a ver os bastidores do trabalho de campo de uma agência de espiões que tem de lidar diariamente com os problemas de um mundo no qual Super-Heróis se tornaram a norma.
Há imensos gadgets e brinquedos científicos e é satisfatório vê-los a serem usados por pessoas normais para derrotar super-vilões.

Mas para ser perfeitamente honesto não há nada de realmente novo ou excitante acerca dos primeiros episódios. São algo monótonos e os estereótipos das personagens já muito batidos e eu quase que desisti da série nos primeiros 5 episódios.

A história progride mostrando o crescimento das personagens, bem como a sua tentativa de descobrir como é que o Phil Coulson regressou dos mortos, e o mistério à volta de outra personagem central, a hacker rebelde Skye, adensa-se. Mais uma vez, engraçado mas nada que nos choque.

Mas depois aconteceu uma coisa inesperada.


Estreia o Thor the Dark World (2013), que se passa parcialmente na Terra, e na semana a seguir à estreia a equipa do AoS está lá a limpar a porcaria que foi deixada para trás.
Ou seja, os eventos de um filme do Universo Marvel influenciaram a continuidade narrativa da série que ocorre dentro do Universo Marvel.

Dito desta maneira pode não parecer nada de especial, mas a verdade é que teria sido muito mais simples deixar a narrativa do AoS prosseguir linearmente sem alterações, ignorando os eventos do Dark World.
Mas ao invés disso esses eventos do filme não só têm repercussões no mundo das personagens da série, como as personagens falam directamente deles e lidam com as consequências deles.

Isto eleva a série acima da sua premissa inicial, criando agora um precedente que deixa o espectador curioso por saber de que outras formas a história da série vai ser alterada pelos eventos do filme.
Mais do que isto, permite que a série funcione como uma transição natural entre os filmes, faznedo a ponte narrativa entre os eventos de todos.
As dificuldades lógicas de escrita inerentes a este processo, de manter vários filmes e séries (porque entretanto o Daredevil e a Agent Carter também já têm as suas próprias relações e conecções com os filmes) coerentes entre si, são imensas.
O facto de que até agora não hajam incongruências ou contradições notáveis, é impressionante.
O facto de que estão a planear mais séries e muitos mais filmes, todos com este mesmo nível de interconectividade, desafia a compreensão, e é absolutamente inédito na história do cinema.


O que isto permite, e a série AoS foi pioneira neste aspecto, é dar vida ao universo construído pelos filmes marvel. Não são só histórias ou aventuras soltas, não são sequer histórias numa narrativa linear. São várias narrativas autónomas que se vão influenciando mutuamente de uma forma orgânica.
A narrativa nunca está parada, as consequências ramificam-se sempre e vão acabar em lugares inesperados.
Isto faz com que haja sempre alguma coisa nova para ver no Universo Marvel, com que haja sempre alguma coisa com que ficar entusiasmado, e torna toda a experiência de seguir estes filmes e estas séries exponencialmente mais divertida.


Este fenómeno torna-se extremamente óbvio com os eventos que ocorrem no filme Captain America: The Winter Soldier.
Neste filme descobrimos que a Hydra estava a infiltrar a SHIELD desde o início, e tenta destruir o mundo mais uma vez. O Captain America, com a ajuda do Nick Fury, desmantelam a SHIELD para destruir a Hydra.

A série AoS durante esta fase deixa para trás a sua estrutura episódica de vilão da semana e muda de tom, transformando-se numa verdadeira série de espionagem cuja narrativa tem continuidade directa de episódio para episódio.
Durante imenso tempo, vários episódios antes, já andávamos a ver indícios de que a Hydra estava a infiltrar a SHIELD, e subitamente, quando isso é revelado no filme, todas as personagens que antes andavam a comportar-se de maneira estranha são revelados como agentes infiltrados da Hydra, e tudo passa subitamente a fazer sentido.
Portanto a série AoS não só lida com as consequências de eventos que acontecem nos filmes, mas também tem capacidade para os indiciar, aludir e introduzir antes do filme estrear.

Ao passo que a primeira metade da primeira temporada de AoS é monótona e esquecível, a segunda metade é extremamente entusiasmente e cheia de suspense. É impressionante a rapidez e fluidez com que a história se adapta aos eventos do filme, integrando-os sem dificuldade na sua própria narrativa.


A segunda temporada é ainda melhor que a primeira.

Se durante a primeira temporada tivemos o estabelecimento das personagens, apenas para as vermos crescer e serem alteradas pela descoberta de que a Hydra estava a infiltrar a SHIELD, a segunda temporada mostra essas mesmas personagens a tentarem lidar com o desmoronar da SHIELD e a tentarem adaptar-se a uma nova organização e novas funções.
As várias traições e reajustamentos relacionais entre as personagens são muito bem explorados, e temos sempre a sensação de que estas personagens não param de crescer.
Isto é particularmente notório na dupla Fitz e Simmons, que é cómica na mesma medida que se torna trágica.

A segunda temporada volta a focar-se mais no aspecto de identificação de super-vilões e das influências alienígenas que estarão envolvidas na ressurreição do Phil Coulson e da Skye.
No fim da primeira metade da Segunda Temporada temos contacto pela primeira vez com os Terrigen Crystals, artefactos alienígenas Kree capazes de induzir mutações e conferir super-poderes aos que estejam predispostos a isso.
Os que não estão predispostos a isso, a vida corre-lhes menos bem.


É com a introdução destes cristais que o AoS volta a trocar as voltas aos espectadores. Não há nada nos filmes até esse momento que tenha alguma vez falado de Terrigen Crystals, à excepção da menção dos Krees no Guardians of the Galaxy.
O AoS neste momento introduz elementos completamente novos, e deixa de ser apenas um mero spin-off no qual vemos consequências dos filmes para ser assumidamente uma série que avança activamente a narrativa de todo o Universo Marvel.


---------- CAUTION: HERE BE SPOILERS -----------


A segunda metade da segunda temporada foi, até agora, a minha preferida, e, a meu ver, a mais bem escrita.

Temos tudo o que poderíamos querer nesta temporada: mais traições e espionagens, pessoas com super-poderes estranhos, super-vilões muito carismáticos, mais super-poderes, mais tie-ins com os filmes. É fantástico!

Descobrimos que afinal existem restos da SHIELD que ficaram activos, e que não gostam particularmente da nova direcção em que o Phil Coulson está a levar a SHIELD dele.
Até os próprios agentes do Phil Coulson acham que ele está estranho e mais secretivo do que o habitual (o que é dizer muito para o director da maior agência de espionagem do mundo), sobretudo desde que ele está particularlmente interessado na implementação do Theta Protocol.

Durante imensos episódios vêmo-lo a dirigir recursos para o Theta Protocol, e há várias sugestões de que o Phil Coulson possa ser um traidor.

No entanto descobrimos que na realidade a SHIELD do Phil Coulson estava na realidade a tentar localizar a Staff do Loki e os restos da Hydra que continuam a fazer investigação científica, nomeadamente num par de gémeos com poderes.

O Theta Protocol é na realidade o Helicarrier que surge como um Deus Ex-Machina no fim do Avengers: Age of Ultron, e que o Phil Coulson andava a preparar em segredo.


Isto vem cimentar ainda mais a série AoS como um fio condutor da narrativa entre os filmes, servindo por vezes de prequela televisiva.

A série volta a recuperar um pouco do seu interesse do Vilão da Semana com a exploração de uma personagem que continuava um pouco envolvida em mistério: Calvin Zabo, aka Mr Hyde.
Calvin Zabo é o pai da Skye, e é um cientista que tentou refazer uma espécie de super-soldier serum que lhe dá força e durabilidade sobre-humanas com o efeito secundário de o deixar um pouco doido.
Apesar disso a motivação da personagem nunca deixa de ser o amor pela sua filha e o desejo de a proteger, o que torna a personagem bastante trágica.
É interpretado de forma brilhante pelo veterano Kyle MacLachlan, que o consegue tornar um dos vilões mais interessantes do Universo Marvel, ficando só atrás do Kingpin.


Calvin Zabo na sua busca por vingança e incansável tentativa de se reunir à sua filha, acaba por reunir outros vilões com super-poderes que têm de ser também derrotados um por um.
Isto volta a puxar a série firmemente para o universo de banda-desenhada, saindo um pouco do estilo higiénico da ficção científica e de espionagem, e isso traz imensa cor e divertimento à série


Finelmante, temos toda o plot envolvendo a Skye, a sua mãe e os Terrigen Crystals.
Percebemos rapidamente que a Sky ganhou super-poderes à custa da sua exposição aos cristais, e é contactada por outros indivíduos com super-poderes que a querem recrutar para a sua causa.

Explicam-lhe que os Terrigen Crystals são um catalisador para o potencial genético escondido dentro de alguns seres humanos, criado pelos Kree quando estavam a tentar gerar super-soldados para as suas guerras espaciais.
A mãe da Skye é a lider deste grupo que se intitulam os Inhumans.

Qualquer pessoa que ande a prestar aos filmes da Phase III, repara rapidamente que lá para 2018 há um filme chamado Inhumans.


Muito certamente esse filme vai conseguir escapar-se a toda necessidade de estabelecer as origens das personagens porque, como já perceberam, a origem das personagens vai ser explicada durante a série AoS.

No fim da segunda temporada do AoS a Skye desliga-se do grupo violento em que estava inserida, consegue derrotá-lo com a ajuda dos outros agentes da SHIELD e, com a ajuda do Phil Coulson, prepara-se para iniciar a busca e recrutamento de outros Inhumans que andem espalhados pelo mundo.

Portanto a série que começou com o recrutamento da hacker Skye para a equipa dos AoS com o intuito de identificar pessoas com super-poderes, agora acaba com o recrutamento da Inhuman Sky com o intuito de identificar e recrutar outros Inhumans.
Essencialmente vamos ter uma equipa de super-heróis como o Avengers, mas direccionados a black-ops e espionagem.
Isso faz-me feliz.

Portanto, concluindo e resumindo, a série AoS não é a melhor coisa de sempre, tem falhas, tem os seus pontos fracos, mas as sua personagens são muito interessantes e crescem imenso durante a série, as aventuras são divertidas e tem o interesse acrescido de ir fazendo a ponte narrativa entre todos estes filmes.

Ah, e a cena final do monolito.

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