Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 24 de março de 2015

Divergent

O Divergent é um filme com uma escrita perfeitamente talhada para servir um propósito. É escrita narrativa no seu expoente máximo, na medida em que o seu poder manipulativo é tanto maior porque se adequa às expectativas e gostos do seu público alvo.



Superficialmente é mais um filme de drama/acção direccionado a adolescentes, feito para competir com o Hunger Games, e nesse aspecto é um filme competente. Não me vou alongar nos aspectos artísticos do filme, porque não é disso que quero falar, mas basicamente é uma história boa, com boa cinematografia, excelente direcção de arte, uma banda sonora fantástica (Woodkid), uma boa actriz principal e um bloco de madeira como actor principal.

Mas essencialmente é um filme de propaganda Republicana/Conservadora, e é disso que quero falar.


Basicamente o mundo do Divergent é um no qual a sociedade está perfeitamente dividida em cinco facções distintas, cada uma associada a valores sociais únicos.
As pessoas de cada facção têm pouco ou nenhum contacto com as das outras, e cada criança pertence à sua facção até ser adolescente, altura em que um teste lhes diz a que facção se adequam mais, e depois podem escolher se ficam na sua facção de origem ou mudar para outra. Se mudarem, nunca mais podem ter contacto com a sua família de origem. 
Depois de escolherem, passam pelo treino e ensinos específicos dessa facção. 

Tudo isto porque houve uma guerra muito grande há muitos anos, e a sociedade teve de se aglomerar numa cidade protegida por uma vedação enorme e esta divisão social era a única maneira de manter a paz.



Há paralelismos claros com o mundo do Harry Potter, com a divisão do meio social em grupos distintos, a cerimónia de escolha do grupo, o treino e educação específico de cada facção, os almoços em mesas grandes e corridas.
Este é um aspecto importante porque da mesma maneira que a divisão de grupos no Harry Potter pretendia de alguma forma reflectir os tipos de grupos e personalidades que se encontram na escola, a divisão em facções do Divergent pretende reflectir as divisões e grupos na nossa sociedade, nomeadamente na sociedade americana. É igualmente importante porque este paralelismo com o Harry Potter facilita a compreensão rápida da estrutura do mundo de Divergent, sobretudo a uma geração que cresceu com os livros do Harry Potter.

Outro paralelismo ainda mais óbvio, sobretudo para quem o conhecer, é com o Magic: the Gathering.



Magic: the Gathering é um jogo de cartas coleccionáveis (o primeiro do seu género, aliás) inventado em 1992 e desde então  com enorme sucesso. Um dos principais factores para esse sucesso é o poder da suas ferramentas narrativas, especialmente a color pie, ou roda de cores.

A Roda de Cores é uma base filosófica de motivações, cada uma delas representada por uma cor, que permite ao Magic ter sempre conflitos internos e ao mesmo tempo manter-se coerente aí longo dos anos. A Roda de Cores é composta então por:
Vermelho: representa a impulsividade, a paixão, a raiva, a alegria, as emoções fortes, o amor e o espírito de luta.
Verde: representa o natural, a natureza, a harmonia, o deixar as coisas crescer sem interferência
Branco: representa a ordem, a estrutura, o equilíbrio, as leis e a justiça
Azul: representa o intelecto, o artificial, a manipulação, a busca por conhecimento, a frieza e a objectividade
Preto: representa o egoísmo, a liberdade individual, o sacrifício dos outros para favorecer o próprio e a busca de poder.



Comparemos com as Facções de Divergent (nas próprias palavras do filme)

Dauntless: "They're our protectors, our soldiers, our police. I always thought they were amazing. Brave, fearless and free". 
Os Dauntless correspondem ao vermelho de Magic, e representam o exército americano e o espírito militarista no geral. O treino de Dauntless que nos é mostrado no filme é exactamente um treino militar fisicamente e psicologicamente violento, e que nunca é criticado.




Amity: "farm the land. They're all about kindness and harmony, always happy"
Correspondem ao Verde de Magic, e representam as comunidades rurais americanas responsáveis pela indústria agrícola.



Candor: "value honesty and order. They tell the truth, even when you wish they wouldn't" corresponde ao Branco de Magic e representa o sistema jurídico americano, os seus tribunais e os seis juízes.



Erudite: "The smart ones, the ones who value knowledge and logic, are in Erudite. They know everything".
Corresponde ao Azul de Magic e representa os cientistas, os académicos e essencialmente os intelectuais.



Abnegation: "lead a simple life, selfless, dedicated to helping others. Because we're public servants, we're trusted to run the government" representa a família tradicional americana, aspirando a virtudes de austeridade, modéstia, solidariedade e auto-sacrificio. Não por coincidência é esta facção que corresponde ao governo.



Curiosamente esta última facção é a única que não corresponde perfeitamente a uma cor de Magic, sendo na realidade o oposto polar da cor que substitui, que é o Preto. Isto não é certamente acidental, e indica uma tentativa de aplicar uma dimensão moral sugerindo que a facção da solidariedade e auto-sacrificio é  claramente "boa".

Portanto o que é que acontece na narrativa, dadas estas facções e o que representam?

*CAUTION: HERE BE SPOILERS*

A história é de uma rapariga Abnegation numa família muito tradicional, conservadora, muito solidária. Fazem lembrar os Amish sem a componente religiosa. 

Esta rapariga não se sente bem dentro da comunidade Abnegation, porque sente presa pelas regras rígidas (é proibido olhar ao espelho durante mais do que uns segundos porque rejeitam a vaidade) e porque sente necessidade de lutar contra as injustiças que vê à sua volta.

Por causa disso quer juntar-se aos Dauntless, ou seja ao exército, mesmo que isso signifique não voltar a ver a família.

Ou seja, uma rapariga não se enquadra com a sua família tradicional porque quer lutar contra as injustiças à sua volta, então a melhor solução que encontra (porque a única alternativa permitida pela sociedade é tornar-se factionless/sem-abrigo) é juntar-se ao exército.



Entretanto os Abnegation estão a ser acusados pelos Erudite (os cientistas e intelectuais) de corrupção e de estarem a usar o seu lugar no governo para desviar fundos e comida para a sua própria facção.

A rapariga então faz um teste que lhe diz que afinal não ser enquadra em nenhuma facção e que por isso é "divergente" e isso torna-a muito especial e diferente e perigosa para a sociedade.

Apesar disso ela decide ir para o Exército, deixando pasta trás a sua família. Ela lá faz o treino militar que é particularmente violento tanto fisicamente quanto emocionalmente e que nunca é criticado, sendo apresentado como "assim é que deve ser".

Depois descobre que os Erudite (cientistas) estão a conspirar um golpe militar para depor o governo Abnegation (governo dos valores tradicionais).
Estão a fazer lavagens cerebrais aos Dauntless (exército) de maneira a controlá-los e usá-los para atacar os Abnegation.

Portanto é uma história sobre como a classe intelectual de cientistas quer atacar o governo baseado em valores tradicionais, e para isso vai manipular o exército  para o fazer.



Está perfeitamente em linha com a política anti-ciência dos movimentos políticos republicanos/conservadores americanos que são contra o ensino da evolução, negam o aquecimento global, etc, e que se esforçam imenso por desacreditar os cientistas.
É, portanto, um filme de propaganda Republicana.

Propaganda dirigida a quem? Não vale a pena pregar aos convertidos, portanto a propaganda será sempre dirigida a quem possa discordar. 

Basta olharmos para a personagem principal, com quem o público alvo é suposto identificar-se.
A personagem principal é uma personagem feminina, forte, indignada con as injustiças sociais à sua volta e que é "divergente", ou seja não se enquadra no sistema de classes sociais rígidas, pensa de maneira diferente e não se sente bem dentro da sua família tradicional de origem.
Ou seja o protótipo do jovem que à  partida estará contra os valores conservadores/republicanos. Nem vale a pena entrar a fundo nas conotações LGBT do cunho "divergente".

E o que é  que o filme diz a estes jovens revoltados, rebeliosos e que se sentem afastados dos valores republicanos?
Ora a personagem principal (com quem é suposto identificarem-se) junta-se ao exército para defender a família tradicional e o governo dos malvados dos cientistas que querem controlar toda a gente.
Ora aí está uma ideia agradavelmente republicana para os jovens impressionáveis adoptarem, imitando os seus heróis do cinema.



O mais surpreendente acerca deste filme é que é um bom filme! Como eu disse inicialmente, do ponto vista técnico e artístico o filme é até bastante bom! Para além disso a história está bem construída, tem um bom ritmo, e as ferramentas narrativas estão extremamente bem aplicadas. Eles até usam a estrutura de conflito de facções desenvolvida por Magic, garantida que tem sucesso. 

Eu gostei do filme! É divertido!

Na realidade qualquer narrativa que use bem as ferramentas narrativas certas vai ser boa. Há simplesmente combinações de elementos numa história que a tornam uma boa história! Uma personagem principal identificável e que supera dificuldades, um conflito pessoal bem integrado no mundo, vilões aparentemente invencíveis mas fundamentalmente errados. Quase não interessa qual é o conteúdo da história, desde que seja construída neste formato vai dar uma boa história.

É como um hambúrguer. Pão, carne, queijo, bacon, molhos. É impossível não se gostar. Mesmo que seja uma porcaria como o MacDonalds, desde que tenha esses elementos, 99% das pessoas vão gostar.

Portanto a genialidade deste filme é ser capaz de usar excelentes ferramentas narrativas perfeitamente adequadas ao seu público alvo de maneira a transmitir um conteúdo carregado da mensagem pró-conservadora, anti-ciência dos republicanos.

É impossível não admirar a escrita deste filme!


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quinta-feira, 19 de março de 2015

Destruir o Serviço Nacional de Saúde para Tótós

Imagine que é o governante corrupto de uma república das bananas à beira mar plantada.
Como governante corrupto, o seu objectivo não é governar, mas sim roubar para si e para os seus amigos. Isto é importante. Não se ponha com conversas ou pretensões de moralidade, se você foi para o governo foi com o único proposito de roubar a maior quantidade de dinheiro possível.

Um dos lugares onde pode roubar mais é no Serviço Nacional de Saúde, com o benefício adicional de ajudar os seus amigos e o bónus de fragilizar ainda mais a população.

Vou agora explicar-lhe como o pode fazer em 6 passos simples, e só precisa de uma crise económica global para culpar e para mascarar a sua estratégia.


Passo 1 - desestabilizar os cuidados de saúde primários

Os cuidados de saúde primários são a mais importante componente de um serviço nacional de saúde, portanto são claramente o nosso ponto de partida.

Cada vez que um médico de família se reformar, em vez de abrir uma vaga para o substituir, passe os seus doentes para os outros médicos, aumentando as suas listas de 1500 para 1900 doentes. Não só paga menos salários, como sobrecarrega os médicos que restam, e aumenta os doentes sem médico.
Pode ainda atribuir mais tarefas burocráticas (como atestados para cartas de condução) aos médicos de família, para reduzir ainda mais a sua capacidade de resposta.



Passo 2 - desestabilizar os cuidados de saúde secundários

Pensava que nos íamos ficar pelos primários? Não, vamos destruir tudo!

Já que os cuidados de saúde primários estão com resposta insuficiente, as pessoas vão começar a recorrer mais aos cuidados hospitalares, sobretudo às urgências.
Portanto vai tirar médicos das enfermarias e dos seus trabalhos especializados para tratar de problemas e urgências que podiam ser tratados nos centros de saúde. 
Isto aumenta os custos de saúde obviamente, mas isso é uma coisa boa, como veremos mais à frente.
Pode aproveitar e ainda reduzir as comparticipações dos tratamentos hospitalares e aumentar o custo de acesso às urgências.

Entretanto os idosos internados nas enfermarias morrem, o que não é mau porque assim há menos reformas para pagar. 



Passo 3 - fortalecer os cuidados de saúde privados

As pessoas queixam-se que os hospitais não funcionam bem, que os cuidados nas enfermarias são maus os tempos de espera nas urgências são demasiado grandes, o Serviço Nacional de Saúde tem fama de ser demasiado dispendioso. 

Tudo isto são problemas que você mesmo criou em primeiro lugar e que agora lhe permitem fazer várias coisas.

Como as pessoas estão insatisfeitas com os serviços de saúde públicos, vão recorrer às clínicas e hospitais privados (dos amigos).
Como há pessoas que não querem ou não podem ir ao privado, e o Serviço Nacional de Saúde é insuficiente e tem fama de ser dispendioso, pode fazer contratos (pagos com os impostos das pessoas) para as pessoas irem ter cuidados de saúde a hospitais privados (dos amigos).

Não interessa que estas estratégias sejam mais dispendiosas para o país a curto e longo prazo. Lembre-se, o seu objectivo é roubar, não é ser coerente. 



Passo 4 - enfraquecer a classe médica

Um problema com os médicos é que têm a mania que são alguma coisa de especial, que são importantes para as pessoas e que prestam um serviço essencial ao país.
Adicionalmente enquanto está dependente de um número limitado de médicos para prestar cuidados de saúde, tem pouca margem de manobra e tem de ceder com mais facilidade às exigências desses poucos médicos.
Estas coisas são problemáticas porque de vez em quando os médicos chateiam-se e fazem greves e isso é chato porque aparece nas notícias, e as pessoa zangam-se e você tem de roubar um bocadinho menos durante algum tempo. 
Portanto é importante enfraquecer a classe médica. 

Se tiver os media no seu bolso (e que raio de governante corrupto é você se não tiver?) pode tomar medidas que na prática têm pouco ou nenhum impacto, mas que quando aparecem nas notícias transmitem uma ideia errónea que as pessoas não têm a informação necessária para distinguir da realidade


"os médicos agora tem de trabalhar 40 horas por semana" quando na realidade a vasta maioria já o fazia, e o que as pessoas pensam é que os médicos não querem trabalhar.
"todas as ofertas aos médicos têm de ser declaradas nos impostos" quando na realidade de vez em quando recebiam uns ovos de um doente e umas canetas feias, e o que as pessoas pensam é que os médicos andavam todos a receber carros por debaixo da mesa.
"Os médicos recebem fortunas para trabalhar nas urgências" e às vezes nem sequer querem aceitar esse dinheiro, quando na realidade esse dinheiro está a ser pago às empresas privadas (dos amigos) que os contratam com a mesma remuneração de sempre.

Pode ainda incomodar os médicos e dificultar-lhes a vida implementando controlo biométrico de assiduidade (mesmo em Unidades de Saúde Familiar, que funcionam por objectivos e não à hora). Pode poupar dinheiro (que pode depois roubar) em programas informáticos que funcionam mal para lhes atrasar as consultas e fazê-los parecer incompetentes em frente aos doentes.
Até lhes pode começar a baixar os salários, com a desculpa de que estão a perder eficiência (quando na realidade essa eficiência é medida por fasquias que você mesmo impõe de maneira a serem impossíveis de atingir).



Tudo isto com o objectivo, naturalmente, de dificultar o trabalho dos médicos no SNS e para os obrigar a reformarem-se ou a mudarem-se para o privado (que, mais uma vez, de certeza que vai dar um cabeçalho espectacularmente enviesado "Médicos recusam trabalhar no SNS").

Outra coisa inteligente que pode fazer é transformar os médicos num recurso abundante e, portanto, sem poder reivindicativo. Como é que faz isto?

Aumentando o número de faculdades de medicina e não regulando de todo o número de vagas, de maneira a produzir mais recém-licenciados em medicina do que o que sabe fazer com eles.
Até pode, se quiser, e sempre sob a desculpa de que existe falta de médicos (problema que você mesmo criou), abrir faculdades de medicina privadas (dos amigos).
Desta maneira, daqui a uns 4-5 anos quando todos estes internos se especializarem, você mantém o número de vagas de trabalho reduzidas, e assim pode ter imensos médicos à procura de emprego. Nessa altura você pode começar impôr toda e qualquer restrição que queira, porque a procura é muita e a oferta pouca, e nessa situação o poder está do lado de quem oferece.



Passo 5 - Criar uma nova classe de médicos

Finalmente pode construir toda uma nova classe de médicos formatados e treinados para servirem os seus propósitos.
Dado que o seu objectivo é ter o menor número de médicos possíveis a fazer o maior número possível de consultas, precisa de médicos com uma enorme capacidade de fazer consultas e de trabalhar para os números. Não importam na realidade os cuidados preventivos, o planeamento familiar, a saúde materna, a saúde infantil, o seguimento de doenças crónicas. O que você quer é que as pessoas não fiquem em casa muito tempo constipados e que vão trabalhar o mais depressa possível.

Pode então alterar a formação dos médicos de família de maneira a pôr de lado um treino virado para a compreensão inteligente e cuidados de qualidade, focando ao invés disso o trabalho direccionado por números e de decoranço.

Desta maneira não só estimula ainda mais médicos a irem para o privado, como garante que os que ficam são os autómatos que precisa para verem doentes a metro.



Passo 6 - Colher os benefícios

Portanto o que é que conseguiu atingir com esta estratégia?

Desorganizou completamente a estrutura do Serviço Nacional de Saúde, reduzindo a capacidade de resposta tanto de hospitais como de centros de saúde, de maneira a que os centros de saúde se tornaram em repartições públicas e os hospitais estão focalizados no tratamento urgente de problemas pouco graves.
Isto faz com que as pessoas deixem de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde e passem a recorrer aos hospitais privados dos seus amigos.
Conseguiu também cortar as comparticipações nas despesas de saúde dos doentes, ao mesmo tempo que direcciona os seus impostos para dar dinheiro aos hospitais privados dos seus amigos.
Por causa destes problemas todos e da desorganização completa da saúde, as pessoas têm de recorrer a seguros de saúde (das seguradoras dos amigos).
Conseguiu afastar os médicos dos empregos seguros do estado e direccionou-os para a precaridade do trabalho privado (dos amigos), e reduziu enormemente a influência que pudessem ter na população.
Até conseguiu dar faculdades de medicina privadas para os seus amigos.

As pessoas começam a morrer imenso, mas pode pôr a culpa no tempo.

A cereja em cima do bolo é que uma população com menos saúde, mais preocupada com as doenças dos filhos e dos idosos, não sai tanto à rua para se manifestar!



Portanto resta tanto dinheiro para si e para os seus amigos que pode agora viver o resto da sua vida a subsistir exclusivamente numa dieta de lagosta recheada de lagosta, cocaína e prostitutas.

Não perca ainda os nossos outros guias práticos:
"Destruir o Ensino em Portugal para Tótós"
"Destruir a Indústria Nacional e Mercado de Trabalho para Tótós"
"Vender o País à China e fugir para um Paraíso Fiscal para Tótós"


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quarta-feira, 4 de março de 2015

Skyrim - a Night to Remember

So let me talk about Skyrim.

I think there's really no doubt in anyone's mind that Skyrim is a very good game.
This is how i came to the same conclusion.



I've been playing Skyrim on and off for the past 2 years and the first two characters i did were very planned from the beginning. I first made a straight rogue, all sneakyness and stabby-happy-action, then i built a warmage, casting spells and brandishing a mace. Both times i was actively trying to achieve an ideal character, something i had thought out in my mind before starting, and i was strictly following the main quest, while doing all side-quests to maximize experience gain.

Then i had to study for exams and stopped playing anything at all for a while. I only just started playing again about a month ago.

This time around, i didn't plan on anything. I just started playing again mostly because i remembered it being fun.
I thought i'd play it just for the sheer enjoyment of it, not force myself into a type, just follow whatever quests seemed interesting. I excused myself from any self-imposed pressures or long-term objectives. Since this was supposed to be laid back, i decided to invest in crafting, because Minecraft taught me that gathering resources to make gear can be a satisfying endeavour.



So i played around, i reached Whiterun, i slogged through the initial grinding of alchemy, smithing and enchanting, and did fetch-quests. It's surprisingly fast to level up smithing if you invest a bit of time into i, so i got it to level 30 in no time, and started forging better equipment.

By now i had the whole alchemy-smithing-enchanting-selling cycle down, and i was even turning a profit. I bought the house.
When i killed my third dragon, i was cruising. Then i accidentally stumbled onto what must be one of the most fascinating quests i have ever seen. I'm sure there are others, and in other games that i haven't played, but this just blew my mind.

It's called "A Night to Remember"

As i walked into the Bannered Mare Inn to sleep and get my "Well rested" bonus before smithing, i saw a character leaning against the bar that i hadn't seen before. I decided to just talk to him.

He introduced himself as Sam Guevenne, and challenged me to a drinking contest. He promised a staff if i won. I thought this might be like one of those mini-quests where you brawl a random drunken patron for a quick 50 gold pieces. I thought i just had to win the drinking game or something, and i'd get a unique staff.



But after the third drink, the screen suddenly goes black, and suddenly i realize i'm in full blown quest mode.
Surprisingly, as i wake up, i find that i am in a completely different place.


Apparently i'm in the Temple of Dibella, and the priestess thereof informs me that i stumbled in drunk and ranting and thrashed the place in the night. This immediately feels different from other quests, and i'm left wondering how this is going to develop.
She forces me to clean up and even apologise (i've killed dragons for christ's sake), and then gives me a list of meaningless items to gather to repair the staff. It is a fucking fetch-quest after all.
She also tells me that i should visit a guy in Rorikstead.

Since Rorikstead is halfway though to Whiterun i stop by just to fulfill the next mission marker. I meet a guy named Ennis who tells me that i was so drunk last night that i stole his prized goat and sold it to a friggin' giant. I wasn't expecting this, since most other quests are usually full of importance and take themselves very seriously. This is getting funny, and for the first time i genuinely can't tell where this is going
The giant isn't far away, so i decide to fight a giant. It's surprisingly difficult, surprisingly.


So i get the goat, and the guy is happy, and the trope about drunk parties and goats persists, until he tells me that i should go meet Ysolda in Whiterun.

Whiterun is where i was going anyway, so there's never an option of not meeting Ysolda almost as i entered. She asks for the money i owe her from buying a ring. An engagement ring. Because apparently i got engaged. While i was drunk.
How long was i drunk?
This quest has gone full Hangover on me, and i didn't even see it happening. I thought this was a fetch-quest and turned out into the most engaging quest i'd found so far.

Ysolda tells me that my bride is waiting for me in Witchmist Grove, where i fell in love with her, or so the story went. And i also need to get her the ring back, or pay 2000 gold pieces.



So i go to Witchmist Grove just to see what's there. I find one of the strangest creatures in Skyrim, a Hagraven, a woods/swamp witch that has the mutated body of a crow. They're creepy as fuck, and i my sense of strangeness/bizarre about this quest keeps on growing. So i ask for the ring and she gets mad that i'm not actually marrying her so i kill her. I bring back the ring to Ysolda, who tells me that i was getting married in a place called Morvunskar.

Right now i don't need any other reason to go other than i want to know how much crazier this can get.
Morvunskar turns out to be an abandoned gloomy stronghold, creepy even for the general standard of strongholds in Skyrim, and i'm already anticipating more shenanigans. Turns out to be filled with deadly Ice Wizards!
Doesn't hurt that i've kept up with the smithing and enchanting all the while, so now i'm starting to get some good gear.


At the end of the Stronghold i find a godamn interdimensional portal! An actual, inter-dimensional portal, into a place called Misty Meadow. So i giddily jump into the rabbit hole and come out in an amalgam of every description ever of the Fae, from Neil Gaiman, Marion Zimmer Bradly to Patrick Rothfuss.



I find at the end of the path a table where a banquet is going on and Sam Guevenne is standing there. He has menacing glowing red eyes, so i sense some mischief is afoot!
Obviously he transforms into his true form, which just so happens to escalate quickly to a Daedric Prince.
It is the godamn manifestation of one of the Evil Gods of Skyrim. Sanguine, the Demon Prince of debauchery and drunken revelry.
He's been toying with me all along. This started as a godamn mini-game, and ended as a wonderfully played out trope of God Messes With Mortal Hero.
He congratulates me essentially because i got out and saw the world and just acted out on a whim.



The game is straightforwardly rewarding me for just going with the flow and enjoying the game. The very attitude that drove me to start this playthrough and character in the first place led me to finding a quest that rewards that same attitude: mindless enjoymend and doing a quest just because it was curious and intriguing.

So now he gives me something called the Sanguine Rose Staff, which is a unique item you can only aquire through this quest, and which summons bad-ass Daedra! Yes, this staff calls up demons to beat stuff up. This is almost game-breakingly ahead of anything i own!

The way this quest was designed, from beginning to end, playing narratively with well-established tropes, and even making fun of them, made me walk from one end of the map to the other, see some beautiful sights, and transmitted so much of the feel of the wonderment of exploration, and the sheer fun you can have with this game.
I ended up with definetly the most creative and fun to play character i have ever planned, and i didn't even plan on it!



Now i love this, now i want to play even more of this.
I find that this quest in just one in a series of fifteen (15!!!!) quests, that explore all of the Daedric Gods and all have equally unique rewards! I'm going to explore the world and backstory of this world as i do these quests.

That this would even be a thing in a game like this. That among all of the dreary, grinding of fetch-quests, kind of repetive side-quest, and neutral commonness of the main-quest, such a specific and curious and challenging concept of a quest could show up is very impressive to me and makes me respect the developers so much more.

I am going to drop every other quest and just do these through to the end!
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domingo, 1 de março de 2015

Reality is just Bad Writing - or the Troperization of Reality

Ouço-o todos os dias.

"Estou constipado porque apanhei frio"

Causalidade.

Não que a causalidade não exista! Obviamente que existe, e tanto quanto sabemos a lógica do universo baseia-se na causalidade. Não é isso disso exactamente que estou a falar.
Estou a falar da maneira como percepcionamos a causalidade.
Ou melhor, como somos, geralmente, incapazes de a percepcionar. 


As mudanças importantes que acontecem à nossa volta frequentemente devem-se a tantos factores a interagirem de maneiras inesperadas durante tanto tempo que se torna quase impossível de prever.
O clima, por exemplo. O clima depende da interacção de todas as moléculas de ar e de água que estão na atmosfera ao mesmo tempo. Ou conhecemos a posição inicial e comportamento de cada molécula individual na atmosfera, ou então qualquer previsão que queiramos fazer nunca será mais do que uma tentativa de adivinhar.
Teoria do Caos. Borboletas e Tufões explicados pela matemática.

Porque na realidade a matemática é a única coisa que descreve com exactidão a realidade.

O melhor que se conseguiu durante muito tempo foi "Trovoada - Deus está zangado".
Era o melhor modelo explicativo que existia, e se se permitir uma grande margem de erro, até havia de acertar metade das vezes.



Ou seja, há mais factores do que aqueles que conseguimos processar, então inventamos atalhos, explicações que funcionem mais ou menos. Precisamos de modelos que nos permitam dar sentido aos acontecimentos. Um dos nossos preferidos é a causalidade, mais especificamente a narrativa.

Usamos a narrativa para explicar as coisa que nos acontecem.
Contamos histórias acerca das coisas. De tudo.

"Estou constipado porque apanhei frio". Uma causa e um efeito. É uma pequenina narrativa. 

A consciência humana é particularmente propensa à narrativa. É um caso de galinha e ovo. 
Será que foi a consciência humana que originou a narrativa ou a narrativa que moldou a consciência?

Desde sempre que contámos histórias uns aos outros. Foi assim que começou a cultura humana, foi assim que começámos a existir enquanto seres humanos. Tribos sozinhas numa caverna, à noite, à volta de uma fogueira, a contar histórias uns aos outros. A caçada, a tempestade, o leão, o nascimento, a morte, o que haveria a seguir à morte, deuses, demónios, heróis, lutas épicas do bem contra o mal.





A tradição oral, a cultura passada de boca em boca durante dezenas de milhares de anos, até que alguém finalmente inventasse LETRAS, definiu tudo o que éramos enquanto humanos.

Esses mitos primordiais, que ajudaram a construir a nossa consciência, determinam o nosso futuro ainda hoje.

Construíram-se pirâmides porque pessoas suficientes acreditaram em Homens-Deuses com poderes sobrenaturais que quando morriam precisavam de veículos celestiais que os guiassem para uma afterlife mística e divina.

You know i'm gonna talk about pyramids, right?

As pirâmides são o testemunho do poder do mito e da narrativa. São a prova do quanto se pode construir atrás de sonhos e magia.

Havia civilizações inteiras cujos Deuses iam em batalhas épicas contra as forças personificadas da Entropia



Reconhecemos com facilidade que os gregos e os romanos estabeleceram os fundamentos do que é hoje a cultura e a civilização ocidental, desde a noção de governo até à matemática e a filosofia, mas depois rimo-nos dos Deuses engraçados deles.

Mas essas religiões ERAM realidade. A magia e os deuses eram verdadeiros. Tanto que eles passavam o tempo a construir-lhes templos! E a gastarem inquantificáveis recursos e tempo e energia a adorarem histórias e ideias e mitos. Era isso que movia a civilização. A sociedade funcionava à custa desses mitos.




Ou seja... a narrativa é uma coisa muito mais de fundamento e base a tudo o que nós somos do que habitualmente lhe damos crédito. As melhores coisas que já fizemos até hoje, com as quais mais nos impressionamos, foram à custa de narrativa.

As pirâmides, o coliseu, a Capela Sistina, o Requiem do Mozart, o Midsummer's Night Dream do Shakespeare, a maioria das coisas mais bonitas que temos são feitas à custa de, e com base em, narrativa.




Passamos muito tempo a matar-nos uns aos outros, mas quando finalmente deixamos de o fazer durante 5 minutos conseguimos fazer coisas como as 4 Estações do Vivaldi.




Ou seja...

Começámos por contar histórias acerca das estrelas à volta de fogueiras que nos permitiam fazer sentido dum mundo grande e confuso, que nos davam alguma segurança perante uma realidade assustadora e com incontáveis factores, e essa ferramenta carregou-nos até onde estamos hoje.


In case you were wondering, the underpoint of all this is that the Bogey-Man is fueled by narrative, and that narrative/myth is used effectively by the Bogey-Man to keep people controlled


E ainda hoje, pouco mais fazemos do que continuar a contar histórias que nos ajudam a fazer sentido de um mundo confuso e com incontáveis factores.

"Estou constipado porque apanhei frio."

Vemos a nossa própria vida de uma perpectiva narrativista. Conseguimos narrar a nossa vida! Há conflitos e obstáculos, climaxes, protagonistas, secundários, vilões! E somos sempre o underdog da nossa própria narrativa pessoal! Somos sempre aquele que sofreu as adversidades e superou os obstáculos, e imaginamo-nos a ter grandes sucessos e a encontrar o amor conta todas as expectativas!

Por isso é que toda a gente adora o underdog nos filmes.



Estas pequeninas ideias narrativas, estes tropes, que nos acompanham desde sempre, e que ajudaram a construir a estrutura da nossa consciência, continuam a ser a melhor e talvez única ferramenta para lidarmos com o dia a dia. 
É por isso, mais uma vez que somos obcecados com a narrativa. É por isso que a vasta maioria da nossa arte, desde os livros, à música, ao cinema, jogos de computador, bandas-desenhadas, toda ela está centrada na narrativa.

E esta narrativa pode ser desmontada nas suas unidades individuais, que são os tropes. Qualquer narrativa consegue ser descrita recorrendo a tropes. E os tropes presentes nas obras consideradas boas e com sucesso são surpreendentemente coerentes e estáveis entre si e ao longo dos milénios.

Ou seja...

A narrativa faz parte da estrutura da nossa consciência, e a narrativa pode ser descrita em tropes.
Os tropes são a unidade narrativa da consciência humana.



É por isso que quando nos confrontamos com uma realidade descrita por números e matemática ficamos tão desiludidos e sub-impressionados. Esses momentos que fogem à narrativa cuidada que tínhamos construído confrontam-nos com o quão pouco controlo temos sobre o que nos acontece, sobre o mundo à nossa volta. Deixam-nos sem saber como reagir porque não são narráveis, e a melhor ferramenta que temos para reagir às coisas é a narrativa.

"Estou constipado porque as condições atmosféricas geradas por 1.09 x 10^44 moléculas atmosféricas (por extenso, 1.09 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 moléculas) todas a interagirem umas com as outras determinaram que neste lugar onde estou agora a temperatura média baixasse e isso fez com que as pessoas se juntassem mais em espaços fechados o que facilitou a disseminação de um rinovírus"

That's just some bad writing man, no one wants to hear that story!


"Estou constipado porque ontem à noite fiquei na rua a conversar com uma rapariga"

There you go




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