Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Escolhas


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: "vem por aqui..."
Eu olho-os com olhos lassos, 
Há nos meus olhos ironias e cansaços,
E cruzo os braços.
Nunca vou por aí''
    - José Régio

Quinta feira é dia de perguntas difíceis.

Porque é que fazemos as coisas que fazemos? Porque é que escolhemos ser o que escolhemos ser? A nossa profissão. A pessoas com quem passamos a nossa vida, os sítios que saímos, a roupa que temos no corpo, a nossa marca de cereais de pequeno almoço.

Bem, é fácil. Nós investimos mais ou menos tempo a pensar sobre que escolha vamos fazer. E depois de pensarmos, decidimos. Escolhemos. O que achamos que vai ser melhor para nós.

Pois... mas muitas escolhas envolvem factores que desconhecemos, e mesmo as que conhecemos, podem ter uma influência muito diferente do que inicialmente antecipamos. 

Então como é que escolhemos? Bem, escolhemos o que gostamos mais...o que achamos que vai ser melhor...



Será mesmo assim? Será que a escolha já não estava feita antes, e o processo de pensar sobre o assunto não é mais do que colecionar argumentos racionais para o que iriamos fazer de qualquer maneira? Pouco mais do que um mecanismo de gestão de ansiedade, a dar resposta à necessidade de sentir controlo sobre o nosso percurso na vida, e nenhuma 'verdadeira' liberdade de escolha?

Isto porque temos uma tendência para equacionar o nosso ''eu'', com o nosso córtex, a nossa capacidade de pensar analiticamente.

Mas é fácil reconhecer que quando estamos no meio da estrada, e um camião grande se aproxima a uma velocidade elevada, provavelmente vamos querer sair do meio da estrada. E não vamos pensar muito sobre o assunto.
Esta não é uma aquisição recente, evolutivamente...




Isto quer dizer que fomos coagidos pelo camião? Sairmos do caminho não é realmente uma escolha? Bem, podemos dizer que o nosso sistema nervoso simpático fez a escolha por nós. Mas o sistema nervoso simpático está lá também quando decidimos escolher a casa onde vamos morar. E faz parte de nós. ''Participa'' nas escolhas, em maior ou menor grau.

Não sei bem... Mas se temos que admitir que sair do caminho do camião foi uma escolha, então borrarmos as calças também terá que ser considerado como tal.



Faltam aqui as emoções, algures no meio. Segundo a teoria dos ''marcadores somáticos'' de Antonio Damasio, os nossos marcadores fisiológicos (frequência cardíaca, tónus muscular, expressões faciais, respostas endócrinas), ocorrem no corpo e são transmitidas ao cérebro onde são transformadas numa emoção, que nos diz algo sobre o que provocou os estímulos. À medida que o tempo passa, e experienciamos mais situações e outcomes, as emoções e mudanças corporais que experienciamos, ficam associadas a essas situações e outcomes.

Ao longo do tempo, desenvolvemos um viés no sentido das circunstâncias e situações associadas a emoções positivas, e contra as associadas a emoções negativas.


Talvez escolher não seja bem... escolher. Talvez o racional tenha menos a ver com as nossas escolhas do que nós pensamos. Serve mais para nos persuadir pelos argumentos a favor da escolha que já fizemos de maneira muito mas rápida, emocionalmente. A nossa vida é feita de narrativa. E como já vimos, as narrativas mostram algumas coisas como ''boas'' ou ''certas'', e outras como ''más'' ou ''erradas''.

Querem ver como nós somos enviesados pelas nossas emoções?

Vejam este video:



Estão a ver o senhor que jura a pés juntos que ''é facto que a bola bate na mão do Pedro Silva! É um facto, é verdade! Resta a questão da intencionalidade...'' Todos concordam entre si, e concordam com o árbitro. O vídeo acaba com um deles a reconhecer de maneira relutante que não é penálti. E a dizer que há um erro do árbitro. 

Então e dos comentadores? Não há um erro dos comentadores? Todos!

O que acontece, é que eles não viram a bola bater na mão do jogador, mas querem tanto ter visto.... Desejam intensamente que seja penálti, por isso juram que viram uma coisa que não viram. Quando vêem a repetição no fim do vídeo, ficam atónitos. Têm mesmo que ver três vezes.

Não estou a dizer que eles são desonestos. Não são, de todo. Estou a dizer que a sua opinião foge ao seu controlo racional. Estou a dizer que um jogo em que o Benfica ganhe, desperta nestes comentadores ''marcadores somáticos'', associados com fortes emoções positivas. 

Agora já perceberam porque é que a seleção é prejudicada pelos árbitos?


(epá Abel Xavier, é penalti, desculpa lá...)

É verdade. Nós é que somos enviesados emocionalmente para achar que a seleção é prejudicada. E como toda a gente á nossa volta é da mesma opinião, porque os adeptos da equipa adversária estão noutro país, mais se reforça essa ilusão.

Assim, se as ilusões em massa são tão fáceis de provocar, como é que um indivíduo vai escolher o que quer que seja?? Como confiar nas nossas percepções?



Não faço ideia... Mas algumas regras devem seguramente, aplicar-se. 

Ser ligeiramente otimista deve ser uma delas. Não se vendiam tantos livros de auto ajuda se o otimismo não fosse uma força importante. A mensagem de muitos desses livros passa muito por ideias como: ''tenha menos medo, seja menos cínico'', ''acredite nos seus sonhos''.

Que é o que queremos ouvir. Ser otimista significa que a promessa do que é potencial, tem um apelo que nos entusiasma!


No entanto ''Podes ser o que quiseres!'', deixa implícito que podes escolher o que quiseres. A realidade é que não é bem assim, e racionalmente acho que nem preciso de explicar porquê. 
É importante tem isto em conta, porque otimismo frustrado tem uma tendência aborecida para ser percepcionado como estupidez.


A nossa vida é passada entre estados de otimismo e de cinismo, e à media que envelhecemos, ficamos mais cínicos.

Então como é que uma escolha se transforma numa boa escolha? Novamente, não sei, mas acho que escolhedores otimistas e viés de confirmação ajudam, posteriormente, a verificarmos que fizemos a escolha certa. 

Por exemplo maior parte de nós não se imaginava a fazer outra coisa que não a nossa profissão. E estamos gratos por ela, temos a certeza que foi a melhor escolha, com os elementos que tinhamos quando a fizemos....



Ou será que é assim? 

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''...Todos tiveram pai, todos tiveram mãe,
Mas eu que nunca principio nem acabo, 
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
 

Sei que não vou por aí!''

O poeta reconhece que não temos controlo sobre a miríade de causas que influenciam a nossa vida. Todos os factores, ilustrados de escala decrescente de grandeza (vendaval, onda, átomo) que têm impacto, tornam o futuro imprevisível, invadiam, de certa maneira, as piedosas intenções e as definições.


Por isso a relutância em aceitar as sugestões sensatas de quem diz seguro: ''vem por aqui'', e o reconhecimento que as acções humanas são resultado de muitas forças externas que interagem (eu que nunca principio nem acabo), e de um estado de expectativa entre o bem e o mal, entre o otimismo e o cinismo (Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo).


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terça-feira, 28 de junho de 2016

O Problema dos Cães

Lobos pré-históricos? Cães cabeçudos? Problemas éticos que ainda não surgiram?

Vamos falar sobre isso.


Imaginem.

Uma extensa planície de ervas rasteiras e arbustos, fria e seca, frequentemente coberta de neves, quase sem florestas ou árvores. Ao norte há desertos árcticos, e ao sul dominam as estepes ou a tundra.

Estas estepes são populadas por mamutes, rinocerontes peludos, auroques, leões das cavernas, ursos das cavernas, e os nossos primos afastados, os Neandertais.

Foi num ambiente assim que há cerca de 50 000 - 45 000 anos, durante a Idade do Gelo, os nossos antepassados entraram na Eurásia vindos das planícies africanas.



Os nossos antepassados viviam em pequenas tribos ou grupos familiares. Não cultivavam a terra (a agricultura não surgiria ainda durante pelo menos mais 30 000 anos), em vez disso caçavam os ditos mamutes e rinocerontes, recolhiam bagas e frutos que encontravam, e tentavam defender-se dos leões e dos ursos.

Nessas estepes corriam também Lobos do Taimyr (nome da península russa onde foram encontrados ossos de espécimes). Estes animais muito semelhantes aos lobos actuais, eram predadores, viviam em pequenos grupos familiares, e eram intensamente sociais.

Uma aliança ter-se-á formado entre tribos de Humanos e alcateias de Lobos do Taimyr, com os lobos a aproximarem-se dos grupos de humanos para se aproveitarem dos restos das caçadas dos humanos, e a alertarem os humanos da proximidade de outros predadores como leões ou ursos.

Não deve ter demorado muito tempo até que um humano pré-histórico tenha roubado algumas crias de Lobos do Taimyr, para as criar no seio da tribo humana.


A cada nova ninhada de Lobos do Taimyr que crescia numa tribo, os humanos seleccionavam as crias de lobo mais sociáveis, amigáveis, dóceis e fáceis de treinar, libertando ou matando as que fossem mais agressivas ou que resistissem ao treino.

Foi através desta selecção artificial feita por estes humanos pré-históricos, que os genes dos Lobos do Taimyr se modificaram ao longo das gerações.

Há cerca de 40 000 - 27 000 anos essas diferenças genéticas acumularam-se o suficiente para que surgisse uma nova espécie: o Cão.

Os Lobos do Taymir extinguir-se-iam naturalmente com o fim da Idade do Gelo, e representam o último antecessor comum entre os cães e os Lobos Cinzentos que ainda existem hoje.

Ou seja, os cães são uma invenção humana.

Não existiam cães até que os humanos começassem a mexer nos genes de lobos através de selecção artificial.

É por este motivo que podemos considerar os cães o primeiro organismo geneticamente modificado.


Claro que a selecção artificial que os humanos fizeram aos cães não parou por aí.

Ao longo dos milhares de anos que se seguiram, os humanos continuaram a seleccionar os cães, escolhendo sistematicamente aqueles que se relacionavam melhor connosco, que assimilavam treino com mais facilidade. Foram dando prioridade a determinados comportamentos conforme as necessidades específicas.

Precisamos de um cão de guarda? Pegamos numa linhagem de cães e seleccionamos para a territorialidade, o tamanho e a agressividade.
Precisamos de um cão pastor? Pegamos noutra linhagem de cães e seleccionamos para a velocidade e para a inteligência.
Queremos cães de companhia? Seleccionamos para tamanhos mais pequenos e para a docilidade.

Desta maneira conseguimos chegar a cerca de 400 raças distintas de cães.
carreguem na imagem para ver com mais pormenor
A nossa obsessão por cães, pela pureza das suas raças e pelos seus pedigrees levou a que registos fossem mantidos por vários clubes no mundo todo, detalhando não só as características específicas de cada raça mas também complexas árvores genealógicas de linhagens de cães de raças "puras", para evitar que houvessem cruzamentos não desejados.

Esta fixação nas características consideradas ideais para cada raça fez com que essas características fossem artificialmente seleccionadas em cada nova geração de cães, de maneira a exagerá-las.

A cabeça cónica dos Bull Terrier tornou-se mais cónica, as pernas curtas dos Dachsund tornaram-se mais curtinhas, as pregas na cara dos Bulldogs tornaram-se mais pregueadas.


Esta obsessão pela "pureza" e pela acentuação de determinadas características leva a que os criadores façam cruzamentos dentro das mesmas linhagens, de irmãos com irmãos, pais com filhas, mães com filhos.
Isto leva a que a variabilidade genética dentro da espécie diminua drasticamente a cada nova geração.

Um estudo do Imperal College de Londres de 2008 demonstrou que a variabilidade genética numa população de 20 000 Boxers era tão pobre que assemelhava-se mais a apenas 70 indivíduos.

Esta pobreza genética faz com que a prevalência de doenças genéticas aumente imenso. Cerca de 47% dos São Bernardo, por exemplo, sofrem de uma doença genética que provoca displasia da anca.

Mas a própria acentuação de características pode provocar problemas de saúde aos cães.

Os Pugs têm um focinho tão curto que têm imensa dificuldade em respirar e, consequentemente, em arrefecerem o seu corpo, e por isso estão constantemente em risco de hipertermia.
Os Cavalier King Charles Spaniel foram criados para terem crânios tão pequenos que o seu cérebro não cabe literalmente lá dentro, ficando comprimido e herniado, provocando dor e danos neurológicos.


O caso mais extremo é definitivamente o dos Bulldogs.

Os Bulldogs foram criados de maneira a terem cabeças tão desproporcionalmente grandes em relação aos seus corpos, que neste momento as mães Bulldog já não são capazes de dar à luz naturalmente.
Actualmente 86% dos nascimentos de Bulldogs são por cesareana.

Ou seja.

Criámos uma raça de cão que não se consegue reproduzir sozinha, e que está quase totalmente dependente de nós para sobreviver.


Ou seja.

Pegámos em animais selvagens, criámo-los propositadamente para se tornarem dóceis e obedientes para nos servirem melhor, alterámos-lhes as características físicas para corresponderem melhor às nossas preferências estéticas, criámos-lhes doenças que nunca teriam naturalmente, e tornámo-los completamente dependentes de nós.

"Mas os cães gostam de humanos! Eles gostam de estar connosco!"

É claro que sim.

Depois de 40 000 anos de selecção artificial a eliminar os que fossem resistentes ao treino e à obediência, eu ficava era espantado se eles fossem menos do absolutamente subservientes.


Há uma crescente consciencialização relativamente à protecção e aos direitos dos animais, que eu acho que é imprescindível para o avanço da nossa civilização. Estas discussões éticas sobre o que é aceitável ou não já começaram e focam-se sobretudo em animais de quinta, como vacas, porcos ou galinhas. Cada vez mais pessoas deixam de comer carne porque consideram que não é ético explorar animais para o nosso próprio proveito.

Tirámos animais inteligentes e muito conscientes do seu ambiente natural para o nosso próprio proveito. Alterámos-lhes os seus comportamentos naturais e os seus genes, e tornámo-los dependentes de nós.

Consideramos extremamente censurável a escravidão de outros seres vivos conscientes, e os cães representam seres vivos que não só foram escravizados mas também artificialmente seleccionados para gostarem dessa escravidão.

Não os podemos devolver à natureza porque isso implicaria o genocídio de muitas raças de cães, e revertê-los ao seu estado natural implicaria ainda mais manipulação dos seus genes.

Mais tarde ou mais cedo, enquanto sociedade, vamos ter de nos confrontar com o problema ético que os cães representam.

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terça-feira, 21 de junho de 2016

Ode aos Vegans

Os vegans são irritantes? Consciência e aquecimento global? Relativismo moral?

Vamos falar sobre isso.


Eu gosto de ter razão.

É uma das minhas principais motivações na vida. É tão, tão satisfatório.

Eu sou daquele tipo de pessoas irritantes que numa conversa quando alguém menciona o Frankenstein eu não consigo impedir-me de corrigir que Frankenstein era o cientista, e que provavelmente estão a referir-se é ao Monstro do Frankenstein.

Mas ter razão numa questiúncula irrelevante acerca de factos  triviais não se compara à sensação de sentir-me moralmente superior a outra pessoa.

Porque ter razão moralmente permite-me sentir que sou intrinsecamente melhor do que a pessoa que está errada.

Eu não dou pontapés a cãezinhos fofinhos e posso criticar justiceiramente quem o faz! Posso sentir-me uma melhor pessoa do que quem o faz.


A sensação da superioridade moral é inebriante. Por um breve momento, numa questão de branco e preto, de certo e errado, eu sou a MELHOR pessoa.

É excelente para o ego.

É uma sensação que facilmente sobe à cabeça.

E é isso que me irrita nos vegetarianos/vegans.

A superioridade moral.

Sinto sempre que há ali um julgamento moral quando como um hamburger enquanto eles estão a comer relva ao meu lado.

E são tão chatos no Facebook. Se tiverem algum amigo no Facebook que seja vegetariano/vegan, de certeza que está sempre a pôr posts sobre as vantagens do vegetarianismo ou sobre algumas vacas que estão a ser injustiçadas algures.

Eu gosto de bacon! Parem de me fazer sentir mal por gostar de comer pizza cheia de queijo!

Comam a vossa alpista sossegadinhos e deixem de agir como se fosse melhores do que eu só porque não comem carne.


Sabem qual é o problema? O problema a sério?

É que eles têm razão.


O nosso corpo é pouco mais do que hidrogénio, oxigénio, carbono e azoto muito bem organizados, e na maior parte das vezes podemos substituir ou reparar a maior parte das peças. Aquilo que nos torna pessoas e aquilo que somos enquanto pessoa é a nossa Consciência.

O que nos incomoda acerca da morte é a perda da consciência, e não a perda do corpo, caso contrário continuaríamos a convidar a Tia Albertina que teve um AVC pré-frontal para vir ao jantar de Natal juntamente com o seu ventilador mecânico, para se poder babar em cima do perú.

É por isso que consideramos o homicídio um crime tão imoral: representa a extinção propositada de uma consciência humana, com todo o seu potencial e direito intrínseco a existir.

Como já vimos extensivamente nos artigos sobre Consciência Animal (Parte I, Parte II e Parte III), a maior parte dos animais, sejam macacos, gatos, vacas, lagartos ou até polvos ou insectos, possuem alguma forma de consciência. Pode ser mais ou menos complexa, mais ou menos semelhante à nossa, mas está lá.

Portanto se consideramos imoral extinguir propositadamente uma consciência humana é igualmente imoral extinguir uma consciência animal.


"Mas Gui," ouço-vos dizer "tu és uma pessoa horrível e amoral que não acredita que haja necessariamente alguma diferença significativa entre uma pedra e um bébé".

Muito bem, o argumento moral não vos convence. Eu compreendo perfeitamente.

Mas mesmo que sejam pessoas horríveis, egoístas e amorais como eu, continua a ser difícil não defender o vegetarianismo/veganismo.

Para começar, é terrivelmente ineficiente dar plantas a comer aos animais para depois podermos comer os animais, quando podíamos comer directamente as plantas.
Cerca de 1/3 de todas as plantas cultivadas e 1/3 da água potável disponível são usadas para alimentar animais. Se todo o grão que é usado na Indústria da Carne, só nos E.U.A., em vez disso fosse usado para alimentar pessoas, alimentaria cerca de 800 milhões de pessoas, ou seja, toda a população dos E.U.A. mais a população do Brazil mais a população da Rússia mais a população da Alemanha.

Com o nosso crescimento populacional, dessa maneira não vamos conseguir alimentar toda a gente.

Para além disso, e de acordo com a Organização da Comida e Agricultura das Nações Unidas, a Indústria da Carne é responsável por cerca de 14,5% das emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa, seja pelo consumo de combustíveis associado, pelo desmatamento e destruição de florestas para pasto, seja pelos peidos das vacas.

Se os chineses conseguirem comer menos 50% de carne do que comem até agora, isso seriam menos 1 BILIÃO de toneladas de gases de efeito de estufa na atmosfera.

Portanto se queremos continuar a viver bem neste planeta durante os próximos tempos, é muito difícil defender a carne.

Pronto, está bem, os vegetarianos têm razão.

Mas escusavam de parecer tão superiores quando têm razão!


Sabem qual é o problema? O verdadeiro problema?

É que estas ideias de vegetarianismo/veganismo e o seu peso moral/ético associado são relativamente recentes na nossa sociedade.
É verdade que desde há séculos que existem pessoas que são vegetarianas, mas como fenómeno cultural é uma coisa que só recentemente começou a expandir-se em larga escala.
E isso não é algo que aconteça de um dia para o outro.

Eu só comecei realmente a ouvir falar do vegetarianismo como problema ético e ambiental, e não só uma opção dietética, por volta dos meus 20 anos. Por essa altura quase tudo o que importava acerca dos meus valores morais já estava definido.

Por outro lado, desde o momento em que nasci, que a ideia de que o racismo era uma coisa má era transversal a toda a gente.

Eu hoje fico absolutamente chocado e até surpreendido quando ainda vejo atitudes racistas à minha volta porque considero-as não só moralmente e humanamente erradas, como verdadeiramente primitivas, dignas de uma mente inferior.

Eu sinto-me moralmente superior a qualquer pessoa que seja racista. Vocês também, provavelmente.

Vamos então fazer uma experiência!


Vamos pegar todas as referências a vegetarianismo do meu primeiro rant e substituí-las por referências a racismo, e digam-me se não se sentem uma sensação inebriante de superioridade moral face a alguém que as dissesse.

"É isso que me irrita nas pessoas que não são racistas! A superioridade moral!

Sinto sempre que há ali um julgamento moral quando insulto um preto enquanto eles estão a lutar pelos direitos humanos ao meu lado.

E são tão chatos no Facebook. Se tiverem algum amigo no Facebook que não seja racista, de certeza que está sempre a pôr posts sobre como o racismo é mau ou sobre alguns pretos que estão a ser injustiçados algures.

Eu gosto de ser racista! Parem de me fazer sentir mal por gostar de insultar e diminuir outros seres humanos só por causa da cor da sua pele!

Sejam lá amigos dos pretos sossegadinhos e deixem de agir como se fosse melhores do que eu só porque não acham que são superiores a outros seres humanos de cores diferentes"


Percebem o que eu quero dizer?

Sim, os veganos comportam-se de uma forma irritantemente arrogante com a certeza da superioridade moral das suas escolhas, mas não mais do que eu me comporto arrogantemente e com superioridade moral face a pessoas racistas.

Matar seres vivos conscientes para o nosso próprio consumo e prazer não é menos moralmente censurável ou socialmente prejudicial do que o racismo, mas o impacto emocional das frases que eu escrevi ali atrás é definitivamente maior do que o das primeiras frases que eu escrevi relativamente ao vegetarianismo. Até mesmo para pessoas que são vegetarianas/veganas, arriscaria eu.

Simplesmente porque não houve tempo para que a moralidade e a ética do veganismo se torne transversal na nossa cultura.

Acredito que é só uma questão de tempo.

Bastarão uma ou duas gerações para que comer carne pareça algo tão imoral e censurável como ter escravos nos parece a nós.

Vegetarianos/veganos, vocês já ganharam, e ainda bem. Só precisam que o resto do mundo se aperceba disso, e estas coisas nunca são rápidas.

Entretanto eu vou continuar a comer bacon e hamburgers, e para isso deixo a explicação do Hank Green, que o explica muito melhor do que eu.

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terça-feira, 14 de junho de 2016

Beleza Renascentista e Robots Imortais

Belezas renascentistas? Desigualdade económica? Influência genética da pobreza? Robots zombies?

Vamos falar sobre isso.


Já repararam como os padrões de beleza mudam ao longo do tempo?

Toda a gente sabe que no renascentismo o ideal de beleza eram as mulheres e os homens com alguma gordura.

Venus, um Organista e um Cão Pequeno - Tiziano, 1550
Nascimento da Vénus - Boticelli, 1480
Toda a gente sabe que actualmente (até já foi mais) a magreza e os músculos tonificados são o novo padrão de beleza.

Kate Moss - circa 1990
Brad Pitt - Circa 1990
Porquê? Porque é que mudou?

Um dos princiais factores, como sempre, tem a ver com a abundância ou escassez de recursos.

No renascentismo e idade média a desnutrição era extremamente comum. Quase toda a gente era magrinha (desnutrida).

A gordura era razoavelmente rara, e só os mais ricos é que se podiam dar ao luxo de engordar.

A raridade da gordura mais a sua associação a um estatuto social mais elevado tornaram-na desejável e atraente.


Aconteceu uma coisa semelhante com o bronzeado. Na idade média e renascentismo a pele pálida e branca era considerada atraente e a pele bronzeada era considerada pouco atraente porque as únicas pessoas que se bronzeavam era os trabalhadores rurais ou os selvagens das terras conquistadas, enquanto que os homens e mulheres nobres ficavam em casa protegidos do calor.

Só no fim do século 19, quando ir à praia começa a tornar-se uma coisa popular é que a pele bronzeada começa (lentamente) a ser considerada uma coisa atraente.
As pessoas ricas tinham tempo e dinheiro para fazer férias de praia, enquanto que os trabalhadores ficavam presos em fábricas todo o dia.



Actualmente o padrão de beleza são os thigh-gaps e os six-packs



O que acontece é que actualmente a comida saudável é mais cara.

Vejam este estudo do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos, no qual eles provam que a comida saudável quando medida em dólares/caloria é mais cara do que a comida menos saudável.

(os dólares/caloria é o que importa, porque no fim do dia o que determina se somos gordos ou magros é a quantidade de calorias que ingerimos, e a comida com menos densidade calórica é a mais saudável)

Para além do custo da comida saudável ser mais elevado, a comida saudável tem de ser cozinhada, o que implica tempo.

É mais rápido, e barato, comprar McDonalds ou cozer um tacho de esparguete.


Isto faz com que actualmente só os ricos tenham dinheiro e tempo para comprar comida saudável e cozinhá-la. São os ricos que têm dinheiro e tempo para não trabalhar e ir fazer exercício.

A magreza torna-se desejável e atraente porque, para além de se ter tornado uma coisa rara, tornou-se também um indicador de de estatuto social.

Podem pensar que isto sou eu a exagerar, mas há imensos estudos que correlacionam fortemente a pobreza com a obesidade, sobretudo a obesidade infantil.


Isto faz com que, sistematicamente, as pessoas pobres sejam menos saudáveis e vivam menos anos, e a Diabetes (uma doença fortemente relacionada com comida caloricamente densa, que é a mais barata) começa a tornar-se uma epidemia mundial.

Portanto, os ricos têm mais saúde e vivem mais tempo, os pobres têm menos saúde e vivem menos tempo.

Esta situação de desigualdade não é nenhuma novidade, e só tem tendência para se agravar ainda mais, por um lado porque quem tem mais tempo para estar vivo tem mais tempo para acumular mais dinheiro.

Por outro lado um estudo do CDC do ano passado demonstrou que a pobreza está directamente correlacionada com o stress psicológico (não que precisássemos de um estudo para mostrar isto).

Mais perverso ainda é o efeito que a pobreza não só altera a cognição das pessoas tornando-as menos capazes de resolver os seus problemas, como também é capaz de alterar a própria genética das pessoas pobres tornando-as mais propensas a doença mental e depressão, alterações essas que se podem passar de geração em geração, tornando cada vez mais improvável a saída da pobreza.


Esta disparidade económica entre ricos e pobres não vai parar aqui, como é óbvio.

A saúde, e o acesso à saúde, vão continuar a sofrer desigualdades enormes, com um aumento progressivo da esperança de vida média dos ricos.

Quando as próteses cibernéticas ultra-avançadas finalmente entrarem no mercado, quem é que acham que vai ter dinheiro para as comprar?

Quando finalmente conseguirem acercar com o CRISPR e a edição genética, quem é que acham que vai conseguir pagar para ver o seu cancro curado e ter crianças geneticamente perfeitas?

Quando for possível fazer upload da nossa consciência para um computador, efectivamente tornando-nos imortais, quem é que acham que vão ser os primeiros a usufruir disso?

Entretanto as classes médias/baixas vão continuar a tornar-se mais gordas, mais dependentes, mais mentalmente doentes, e com uma esperança média de vida cada vez menor, incapazes de sequer viver tempo suficiente para montarem qualquer tipo de resistência contra a elite económica e tecnológica.

No futuro seremos todos controlados por Liches tecnológicos que dominarão a humanidade em dinastias imortais!!!

...

espera lá, estávamos a falar do quê?

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terça-feira, 7 de junho de 2016

Andalucia

Queria falar-vos de road trips e de músicas para ouvir em viagem.


Queria falar-vos de como cresci com um viés pouco fundamentado conta Espanha e como isso coloriu todas as minhas opiniões até agora.


Queria falar-vos de como o Papão finalmente desviou a sua atenção e pude realmente descansar.


Queria falar-vos de História e de romanos e visigodos e mouros e cristãos e judeus e como andaram a matar-se uns aos outros durante séculos.


Queria falar-vos de planícies que nunca mais acabam, mares de erva dourada que se estende até ao horizonte.



Queria falar-vos de influência árabe na arquitectura e cultura e como tropos culturais persistem escondidos ao longo de séculos.


Queria falar-vos falar-vos de fortalezas transformadas em palácios, e mesquitas transformadas em catedrais.



Queria falar-vos de lugares e culturas tão diferentes que são usadas como cenário para séries de fantasia.



Queria de falar-vos de refeições durante o calor em pátios interiores em clubes dos artesãos da prata.


Queria falar-vos de pequeninas vilas perdidas entre encostas de montanhas, construídas à conta de rio.


Mas estou cansado e vou dormir.
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