O que são Tropes? Abusar do código da linguagem? Pendurar Abajurs? Mais uma desculpa para falar da Marvel?
Vamos falar sobre isso!
A semana passada falei de como a Marvel usava os seus Heróis para comentar acerca do seu próprio mundo, e falei de Lampshading, mas não expliquei exactamente o que era.
Vamos falar sobre isso!
A semana passada falei de como a Marvel usava os seus Heróis para comentar acerca do seu próprio mundo, e falei de Lampshading, mas não expliquei exactamente o que era.
Para falar de Lampshading tenho primeiro de explicar o que são Tropes.
Contrariamente ao que possam ter lido, um Trope não é exactamente a unidade narrativa da consciência humana.
Isto abre-nos a porta para um buraco sem fundo na qual nos podíamos perder durante dias, mas vou tentar não fazer demasiadas tangentes e mesmo assim mostrar-vos quão funda é esta toca-do-coelho.
Portanto, para começar, e para verem quando eu digo que o buraco é fundo, temos de começar por perceber o que é a Linguagem!
Linguagem pode ser definida como um sistema formal de sinais, governados por regras gramaticais de combinação para comunicar significados.
Por outras palavras, quando surgem ideias neste aglomerado de neurónios que está preso dentro do meu crânio, é complicado fazer com que essas ideias surjam dentro do crânio de outra pessoa.
Para isso precisamos de um código que traduza essas ideias de uma maneira que faça sentido, e depois usar esse código para atravessar o espaço entre dois crânios e transportar com ele uma ideia que se vá implantar no aglomerado de neurónios de outra pessoa, para que ela possa pensar o que eu estou a pensar.
Linguagem não é uma língua. Língua é só um código para a linguagem, como o português ou o código morse.
Linguagem é uma estrutura, a ferramenta que permite que os conceitos possam ser codificados e combinados de maneira a fazerem sentido, e a comunicarem significados ou ideias específicas.
A linguagem é uma excelente ferramenta para descrevermos o mundo à nossa volta.
Se eu quiser descrever um tomate digo que é "vermelho" dado que essa é a palavra que define a sua cor. Se eu quero transmitir que uma coisa tem a cor do tomate, uso a palavra "vermelho", porque é esse o seu significado. Não posso usar "verde" ou "telefone".
É Linguagem Literal, na qual cada palavra é usada exactamente de acordo com o seu significado e definição. "Vermelho" significa vermelho independentemente do contexto.
Mas nós somos Macacos Espertos, e quando temos ferramentas à mão vamos experimentar com elas e ver se as conseguimos descobrir-lhes outros usos.
Se eu disser "um nariz de tomate" não estou a dizer que o nariz é um fruto com uma rama verde. Estou a dizer que o nariz é vermelho, como a cor do tomate. No entanto não usei a palavra vermelho.
O significado foi transmitido apesar de usar palavras para um sentido que não o da sua definição estrita.
É Linguagem Figurativa, na qual as palavras são usadas fora das suas definições próprias de maneira a atingir uma compreensão mais complicada ou um efeito aumentado. Na Linguagem Figurativa as palavras são apresentadas de forma a serem equacionadas, comparadas ou associadas a outras palavras ou significados normalmente não relacionados.
Nariz de Tomate Literal |
Linguagem Figurativa não é necessariamente verbal. Qualquer código, mesmo de imagens, pode criar um conceito para lá do seu sentido literal. |
Quando os Macacos Espertos descobrem que não precisam de estar presos ao sentido literal da linguagem, e que podem abusar das suas regras para construir ideias irreais mas igualmente (ou ainda mais) significativas, abrem-se as portas a todo um mundo de Arte.
Um Tropo define-se como o uso da Linguagem Figurativa com um fim artístico.
Ou seja, quando brincamos com as regras da linguagem para construir um significado não-literal, essa estrutura que usámos é um Tropo.
Melhor ainda, as figuras de estilo que aprendemos na escola são Tropos.
Uma Metáfora, por exemplo, é a caracterização de uma coisa por associação a outra coisa, com uma comparação implícita
"Amor é fogo que arde sem se ver" - Camões
Aqui o que interessa é a estrutura de que [coisa] = [coisa semelhante].
Não interessa realmente que [coisa] seja, desde que esta estrutura seja cumprida estaremos a usar o Tropo Metáfora.
Metáfora Visual |
Ou por exemplo, Ironia define-se como dizer o oposto do que se pretende deixar entender.
A estrutura da Ironia é [coisa] = [oposto de coisa].
Ou seja, Tropos são estas formas específicas de organizar ideias que criam uma expressão artística.
De acordo com Kenneth Burke, um dos mais importantes teóricos literários do século XX, a Metáfora, a Ironia, a Metonímia e a Sinédoque são os quatro Tropos Mestre.
Naturalmente que existem mais.
Todos os artifícios narrativos, como por exemplo os Flashbacks (Analepse) que são uma sequência narrativa cinematográfica ou literária relativa a uma acção ou facto passado em relação à narração, não deixam de ser apenas formas específicas de organizar ideias para criar uma expressão artística, e por isso são também Tropos.
Entendidos desta forma, os Tropos são muitos, mas mesmo muitos.
Os Tropos são tão variados como divertidos, incluindo (escolhidos aleatoriamente) o Caranguejo Inimigo Gigante, a Vigília Contínua, ou a Descompressão Explosiva.
Todos estes Tropos têm funções narrativas próprias e a maior parte deles são tão prevalentes e transversais a todas as obras, que quando se começarem a aperceber deles, não conseguem deixar de os ver em todo o lado.
Um dos meus Tropos preferidos é o Lampshading, ou Lampshade Hanging.
Imaginem que estão a escrever uma história, e na vossa história há um elemento que é particularmente exagerado, ridículo, forçado ou improvável mas que não podem excluir para que o enredo funcione.
O problema destes elementos exagerados ou improváveis é que fazem com que a audiência repare neles e pense que não fazem sentido. Isso é mau porque não só gera uma quebra da suspensão da descrença, e porque a audiência fica a pensar que você escreve mal.
Uma excelente solução para este problema é pôr as suas personagens a chamarem a atenção para o facto de que as coisas são improváveis ou exageradas, ou, dentro deste tipo de linguagem, a Pendurar um Abajur no problema (Hanging a Lampshade).
É um reconhecimento de que esse elemento é improvável e exagerado mesmo dentro do mundo ficcional no qual as personagens estão inseridas.
Adicionalmente, fazer as personagens ecoarem o que a audiência está a pensar é uma excelente maneira de as tornar mais relacionáveis, e se for bem executado resulta numa boa piada.
Poderiam até pensar que este é um Tropo recente, para uma audiência mais calejada e que conhece os truques todos, mas não. O próprio Shakespeare já reconhecia a utilidade do Lampshading
Sir Toby Belch: Is it possible?
Fabian: If this were played upon a stage now, I could condemn it as an improbable fiction.
— Shakespeare, Twelfth Night, Act 3, Scene IV
Para terminar, deixo-vos agora com uma selecção dos meus Lampshadings preferidos do Universo Marvel!
Para terminar, deixo-vos agora com uma selecção dos meus Lampshadings preferidos do Universo Marvel!
O vilão Obadiah Stane faz lampshading de quão irrealista é o facto de que o Tony Stark tenha conseguido construir o Arc Reactor, uma tecnologia incrivelmente avançada, sem meios nenhuns
Para que o enredo funcione, o filme precisa que o Thor seja retirado de cena, e o vilão Loki engana-o com um mesmo truque de ilusão que já tinha usado no primeiro Thor, e depois faz lampshading de quão improvável seria que ele caísse na mesma armadilha duas vezes.
Guardians of the Galaxy (2014)
Guardians of the Galaxy (2014)
Grande parte do enredo anda à volta de tomar possessão de um objecto (a Orb), sem que este tenha qualquer outra função para além de fazer o enredo andar para a frente, o que faz dele um MacGuffin. O protagonista Peter Quill faz Lampshading deste facto, comparando a Orb a outros Macguffins famosos do cinema.