Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Jogos de Vídeo e Nostalgia

Lembro-me do primeiro jogo de computador que joguei.

A Atari 2600 foi lançada em 1977, e portanto não faço ideia de que maneira é que parecia a coisa mais moderna de sempre quando o meu tio mais novo trouxe uma para casa dos meus pais numa tarde em 1990. Mas se calhar é porque estava numa ilha no meio do atlântico.

Eu tinha uns 5-6 anos, e já compreendia o suficiente acerca da televisão para perceber que isto era uma coisa diferente. Era diferente, era novo, e tinha botões que faziam com que as coisas no ecran nudassem e fizessem barulhos.

Eu fiquei curioso


Tinha um cartucho com dezenas de jogos, que se escolhiam de uma lista.


Lembro-me de jogar o Outlaw.
Eram dois cowboys um de cada lado, com um obstáculo pelo meio, e disparavam um para o outro.
E eu controlava o cowboy.


E nunca nada voltaria a ser tão divertido como jogos de computador.

Depois o meu primo arranjou um computador.

Nem me quero arriscar a tentar adivinhar que tipo de computador seria, e se bem me lembro corria o Windows 3.2 (provavelmente), e tinha um único jogo.

A Roda da Sorte.


Isto foi particularmente importante porque o meu pai ADOROU este jogo.

O meu pai sempre gostou de resolver puzzles. Tinha sido em tempos professor de matemática e resolvia sempre as palavras cruzadas dos jornais.

E agora estava ali à frente dele um brinquedo que aparentemente gerava um número quase infinito de puzzles linguísticos para ele resolver.

Chegávamos a casa da minha tia, que ficava a conversar com a minha mãe, e lá íamos eu e o meu pai para o armário das vassouras onde o meu primo tinha a parafernália informática dele. O meu pai expulsava o meu primo com aquela bonomia de "agora os adultos vão-se divertir com os teus brinquedos" e passava horas a jogar à roda da sorte.

Foi à custa disto que eu aprendi que a letra "E" é a letra mais frequente na língua inglesa, e que os jogos de computador eram uma opção de entretenimento validada pelos adultos.

Claro que passado pouco tempo o meu pai comprou um computador.


Um dos primeiros que joguei foi o Prince of Persia, mas havia outros.

Lembro-me do Gobliins, que era um jogo de puzzles point-and-click com dois goblins feitos de pixel-sprites. O jogo tinha uns puzzles muito parvos, que se resolviam à custa de tentativa e erro.


Havia também o Heart of China, que era um point-and-click de mistério, no qual éramos um aviador no mar da china a tentar salvar uma rapariga. Foi dos primeiros jogos onde me lembro de ter um menu onde tinha de combinar items e escolher as opções de diálogo.

Lembro-me que nunca descobrimos como gravar o jogo, portanto todas as vezes tínhamos de começar do início.


Mas o que ficou para sempre gravado na minha memória foi o Lemmings.

Tantas, tantas noites que eu fiquei acordado com o meu pai a tentarmos resolver puzzles diabolicamente complicados de bonequinhos de corpo azul e cabelo verde que andavam inevitavelmente para a sua morte.


O jogo ia passando por cenários cada vez mais bizarros e difíceis de resolver, mas o meu pai tinha uma paciência infinita para o jogo. Ele costumava desligar o som do computador e punha a banda-sonora do Twin Peaks a tocar por trás.

Nunca mais consegui pensar no Lemmings sem me lembrar do Twin Peaks.



O primeiro jogo que eu me lembro propriamente de jogar foi o Commander Keen.

Era um jogo de plataformas acerca de um miúdo de oito anos que construía uma nave espacial com o motor do corta-relva e outras velharias que estavam no jardim, e ia para um planeta alienígena.

Os controlos eram péssimos, os saltos eram dificílimos, mas era a melhor coisa de sempre.



Também por esta altura joguei o Wolfenstein 3D, que era uma espécie de clone do Doom, mas com um bocadinho (?) mais de história, que basicamente era matar o Hitler.
O jogo era difícil (eu também não sabia gravar portanto começava sempre do início) e era surpreendentemente violento. Não sei como é que me deixaram jogar tanto.


Mas entretanto o meu primo constinuava a arranjar novos jogos. Ele tinha sempre as movidades, que nunca funcionavam no meu computador eternamente obsoleto.

A determinada altura arranjou o Warcraft II.

Tanto, tanto cigarro em segunda mão eu fumei durante as horas intermináveis que passei com o meu primo no armário das vassouras, iluminados apenas pela luz azulada do CRT que nos magoava os olhos, com o cheiro de peças eléctricas e plásticos sobre-aquecidos, misturado com o som do tabaco, enquanto ele arranjava exércitos de cavaleiros e paladinos para irem lutar contra orcos e goblins.



Olhando para estes screencaps hoje não fico espantado porque é que o jogo me capturou tanto a imaginação.
Cada unidade tem tanto pormenor, tanta personalidade. Cada edifício tem imensos pormenorzinhos curiosos. As vozes das unidades eram incrivelmente divertidas, porque iam sempre dizendo coisas diferentes quantas mais vezes carregássemos nelas.

Claro que EU só joguei este jogo muito mais tarde, porque quem jogava era o meu primo. Mas eu não me importava, queria era ver o jogo, e fazia uma fita quando a minha mãe dizia que era hora de irmos para casa.



O último grande jogo da minha infância, e o que marcou a definitiva entrada para a adolescência foi o Half-Life.

O Half-Life mudou tudo. Tinha um mundo imersivo com excelente som e iluminação, sem cut-scenes, com monstros que se comportavam de maneiras muito diferentes, uma narrativa verdadeiramente interessante que punha o protagonista numa luta entre uma força de invasão alienígena e forças militares com segundas intenções.




O Half-Life conseguia mudar de tom de um survival-horror para jogo de acção para jogo de puzzles com uma facilidade tremenda, e a ser (e continua a ser) o padrão pelo qual eu julgo qualquer jogo que me apareça.

Agora dizem-me que vem aí um jogo com 18 quintiliões de planetas, proceduralmente gerados, para explorar e eu sinto-me como se tivesse 8 anos outra vez.

Weeeeee!

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Princípios para aturar debates políticos

Os debates fazem sono às pessoas, e isso afasta muita gente da intervenção política. As pessoas dizem genericamente que ''os políticos são todos uns aldrabões'', e intuitivamente acreditamos com facilidade nisso, mas concretamente, são aldrabões porquê?

Não sabemos bem, porque estivemos a dormir nas aulas de filosofia.

O problema, é que eles raramente são descarados. É muito mais frequente vários graus de dissimulação, misturada com populismo. E argumentos falaciosos. Os debates estão pejados deles. É um crime contra a democracia que desmontar falácias lógicas não faça parte da cultura geral de toda a gente.


Vamos então discutir algumas...


Slippery slope - falácia da bola de neve. O argumento baseia-se na noção de que, se for feita uma cedência num determinado tema, isso levará a outras cedências de muito maior magnitude. Normalmente não há uma causa ou explicação para a razão pelo qual isto acontece...


Realmente, porque não? Claramente, se os homossexuais podem casar, isso implica necessariamente que podemos casar com objectos inanimados.

(por mim podes casar com uma torradeira...)

Bem... com frequência está falácia apela ao ridículo ou ao chocante. Normalmente cede a argumentos com a mesma estrutura, e igualmente ridículos.


O Espantalho (strawman). Não é mais do que distorcer o pensamento da pessoa a atacar, e depois dizer porque é que esse mesmo pensamento não faz sentido, ou é idiota. É um espectáculo para fazer parecer que os nossos adversários são idiotas.


Argumentum ad metum (Fearmongering )- Meter medo às pessoas com uma ideia vaga e mal definida ou um acontecimento horrível que o futuro vai trazer, se não se concordar com o autor do argumento. Muitas vezes cria-se um 'espantalho' das ideias do adversário, e usa-se como base para tentar gerar medo.
Se alguém começar a tentar assustar-vos sem provas durante um debate, é pouco provável que essa pessoa esteja a 'ganhar' a discussão.

Quando o governo de Passos Coelho estava em vias de ser derrubado, estas notícias eram frequentes:
- 'PPP promete lutar contra política de ruína para o país'


Argumentum ad hominem - o sempre famoso: ''isso que você diz está muito bem, mas está totalmente errado porque a sua mãe é uma vaca gorda e feia, que come esterco.''
Temos uma figura da actualidade que é excelente nestas coisas dos ataques pessoais.



Outra coisa que este argumento ignora conscientemente, é que qualquer palhaço pode dizer coisas muito acertadas. Um argumento deve ser avaliado pelos seus méritos, não pela credibilidade de quem o profere. Não vale a pena dizer isto:


Admitamos que a lição de moral vem de um bêbado. Será que é menos verdadeira do que se for o Papa a dar a lição de moral? Dizer que quem critica não tem 'moral', não é uma resposta à crítica. É uma crítica em si.


Queria mencionar uma excelente variação dos ataques ad hominem: O reductio ad hitlerum. Basicamente, ''você está errado, porque a sua opinião faz-me lembrar o partido nazi.''

Um favorito nas discussões de internet, foi objecto de estudo, do qual surgiu uma lei: A lei de godwin.

(Estás a beber água? Sabes quem é que também bebia água? O HITLER!!!)


Um corolário desta lei é que, quem trouxer os nazis à baila, perde automaticamente a discussão.

Só mais uma: A falácia do jogador. Mais uma maneira de nos enganarmos a nós próprios (passe o pleonasmo), do que enganarmos os outros. É basicamente acreditar que eventos passados aumentam ou diminuem as probabilidades de eventos futuros. Se eu vi sair preto na roleta 5 vezes seguidas, qual é a probabilidade de sair vermelho na próxima jogada? É exactamente a mesma do que sair preto. Mas o jogador acredita que o vermelho ou o preto, serão mais prováveis, porque ''está quase a virar'', ou porque o ''preto está a sair em série''.


O próximo debate que virem, vejam lá se não identificam algumas destas parvoíces a saírem da boca dos nosso líderes.
Ou da nossa. Eu sei que já me apanhei a cometer mais do que uma destas falácias.

Cat tax!

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O que é a Consciência Animal - Parte II

Não temos a certeza de as outras pessoas serem conscientes? O que é que pensam as rãs e os lagartos? Os polvos pensam de todo?

Vamos falar sobre isso!

Se não leram os artigos anteriores sobre Consciência Humana, e especialmente a Parte I da Consciência Animal, sugiro que o façam agora.
Se não se importarem com picuinhices como "sequência lógica de ideias" então podem começar por aqui.

O que é importante saberem é o seguinte.

O cérebro dos Humanos (que temos bastante certeza de alojar algum tipo de Consciência) funciona e é estruturalmente muito semelhante ao da maioria dos outros Vertebrados.
Isto não prova que todos os Vertebrados possuam Consciência, mas pelo menos as peças necessárias à Consciência parecem estar presentes em quase todos os Vertebrados.

A Consciência terá evoluído inicialmente como resposta ao problema de organizar o movimento e os sentidos de organismos com corpos complexos.

Ou seja, inicialmente quando éramos todos tubos com dentes, e pouco mais fazíamos do que andar para a frente e comer o que aparecesse pelo caminho, bastava que as redes nervosas dos corpos tivessem meia dúzia de instruções pré-programadas para que não morressem.
Quando os corpos evoluíram para uma maior complexidade estrutural e sensorial, tornou-se muito mais complicado gerir toda essa complexidade.
Foi da junção de todas essas instruções neurológicas pré-programadas a serem pressionadas evolutivamente para gerir um organismo capaz de se adaptar ao seu meio de forma dinâmica, que emergiu a proto-Consciência.
Uma espécie de programa para organizar um conjunto de problemas neuro-logísticos, flexível o suficiente e com potencial o suficiente para evoluir para o que hoje reconhecemos como Consciência.

Esta forma de proto-consciência é observável nos peixes, os vertebrados mais evolutivamente afastados de nós (com a possível excepção das enguias), que já apresentam comportamentos que demonstram memória de longo prazo, conceitos abstractos do seu ambiente, e capacidade para inferirem a sua posição social.


Uma objecção razoável a toda esta argumentação, e um problema de que não falei no artigo anterior, é que todos estes comportamentos que observamos nos animais podem ser perfeitamente mecânicos e não implicam necessariamente a existência de uma consciência, por mais primitiva que seja.

Este é o Problema das Outras Mentes, e se no caso dos Humanos habitualmente simplesmente assumimos que se as outras pessoas nos dizem que são conscientes é porque o são, a verdade é que é mais difícil os animais dizerem-nos como é o seu mundo interior.

Em última análise, não existe nenhum teste científico que possa definitivamente provar que os animais possuem consciência e que não são meramente zombies filosóficos, e isso também se aplica aos seres humanos.


Os Anfíbios são um caso específico e interessante porque representam tetrápodes (animais com pernas) não-amniotas (põem o seus ovos dentro de água) que são os mais semelhantes ao antecessor comum aos répteis, pássaros e mamíferos.

Quase tudo o que sabemos sobre a consciência dos anfíbios vem de estudos feitos ao cérebro de rãs, e para ser honesto, aparentemente sabemos muito pouco.

Apesar de se ter demonstrado que as rãs são capazes de aprender de forma muito rudimentar a evitar estímulos negativos e a preferir o odor de presas que já comeram antes, não se provar que demonstrassem qualquer tipo de reacção "emocional" a esses estímulos negativos (acelerar do batimento cardíaco, por ex).

No entanto isto é mais um caso de ausência de evidência do que de evidência de ausência, e a estrutura do sistema nervoso dos anfíbios, nomeadamente a presença de componentes do telencéfalo associadas à representação de emoções, sugerem que é possível a presença de alguma forma de Consciência Primária.


Os Reptéis são ainda mais interessantes na medida em que representam o antecessor comum entre os Pássaros e os Mamíferos, e é lógico assumir que quaisquer características de consciência que possuam fossem passadas aos seus descendentes.
De igual forma, qualquer característica de consciência que seja partilhada entre pássaros e mamíferos que não esteja presente nos répteis, teria necessariamente de ter resultado de evolução independente mas convergente.

Apesar de terem um cérebro com o dobro do tamanho do dos anfíbios (proporcionalmente), a evidência de consciência nos répteis é igualmente escassa.

Apesar de os répteis serem marginalmente melhores do que os anfíbios a evitarem sabores desagradáveis, as diferenças cognitivas entre anfíbios e répteis não são particularmente pronunciadas.


Agora, antes de passarmos aos pássaros e mamíferos, quero primeiro falar um bocadinho sobre Invertebrados.

Os invertebrados estão muito longe de nós, evolutivamente e geneticamente falando, para além do facto de serem esquisitos no geral.
A nossa evolução divergiu da deles há 525 milhões de anos, o que justifica que sejamos tão diferentes, e por conseguinte tão difícil de especular acerca de consciência nos invertebrados.

Os seus sistemas nervosos são radicalmente diferentes dos vertebrados. Não só não têm esta organização cerebral que descrevemos, os seus sistemas nervosos nem são centralizados, sendo compostos em vez disso por vários gânglios nervosos dispersos por todo o corpo.


Dito isto, e como dissemos inicialmente um dos possíveis motivos evolutivos para o desenvolvimento de uma consciência é o controlo espacial de um corpo complexo e de acordo com isso, alguns invertebrados definitivamente encaixam na descrição, e faria sentido que desenvolvessem alguma forma de proto-consciência.
  • Os caranguejos-ermitas são capazes de aprender com estímulos negativos (choques) e usar essa memória para decisões futuras.
  • As aranhas-saltadoras aparentam ser capazes de planificar as suas trajectórias, adaptar os seus comportamentos predatórios de forma flexível de acordo com a sua presa, e usar tácticas para enganar as suas presas.
  • As abelhas parecem ser capazes de reconhecer padrões, ter conceitos de "parecido" e "diferente", navegação, comunicação, memória visual, e vieses cognitivos.
O que é mais fascinante nesta ideia de proto-consciências em invertebrados, é que representariam consciências com uma evolução completamente independente da nossa.




E pronto, por hoje já chega também.

Na próxima parte falaremos (agora sim) de pássaros e mamíferos! Não percam!
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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Dos Romanos à Igreja - Uma história

Qual foi a importância da queda do Império Romano? Quem é que ficou para trás a manter a luz acesa? O monopólio da cultura e conhecimento?

Vamos falar sobre isso.


À medida que fui aprendendo mais sobre história apercebi-me do quanto NÃO sabia sobre história.

Ou melhor, não é que não soubesse, mas não compreendia.

Obviamente que na escola disseram-me que existiam os Romanos, e que os Romanos foram importantes, e que depois os Romanos acabaram. Lembro-me de me dizerem qualquer coisa acerca dos bárbaros, e da Igreja Católica Romana.

Eram uns factos soltos na minha cabeça, sem grande significado.

Vou por isso contar-vos uma história acerca do fim do Império Romano e da Igreja, porque assumo que para vocês isso seja também um conjunto de factos meios soltos.

Se estiver errado ao assumir isto, e perceberem imenso acerca do assunto, talvez queiram escrever para as Pataniscas Satânicas. (não, a sério, mandem-nos um e-mail se quiserem escrever para as Pataniscas Satânicas).


A Civilização Romana foi talvez a segunda Civilização já com contornos modernos a surgir, e definitivamente a que teve mais impacto no nosso modo de vida actual.

Os Romanos expandiram as ideias de Governo, Justiça e Educação dos Gregos (a primeira civilização moderna) e aliaram-nas ao conceito de um Exército profissional associado a uma religião organizada (o Cristianismo).
A estratégia dos Romanos era (de forma simplista) chegar a um lugar, conquistá-lo com as suas tropas extremamente disciplinadas e bem equipadas, dar cargos de chefia aos líderes locais e deixar lá Igrejas Cristãs para irem infiltrando a cultura local.

Desta maneira os Romanos conseguiram construir um Império que no seu auge tinha cerca de 5.000.000 Km2 quadrados de extensão, desde Portugal à Irlanda ao Egipto e acabando no Irão. Roma foi a primeira cidade da história a atingir 1 milhão de habitantes, 100 anos antes de Cristo.


Agora imaginem que eram um cidadão Romano, a viver algures na Britannia, no Século IV.
Moram no vosso palácio, andam de toga o dia todo, cobram impostos aos locais, têm alguns escravos vindos das tribos nativas (provavelmente Anglos ou Saxões), e há vários batalhões de soldados que vos protegem dos bárbaros.

Um dia estão vocês a relaxar nos banhos públicos, quando chega um mensageiro e a seguinte conversa acontece:

Horatius (vocês): Escravo! Mais água quente! Os meus testículos ainda não estão encarquilhados o suficiente!
Mensageiro: Horatius, uma mensagem que chega de Roma!
Horatius: E o que é que diz Roma?
Mensageiro: Roma diz que está com uns problemas...
Horatius: HA! Roma está sempre com problemas! Quem é que os mandou meterem-se com os Visigodos, não é Escravo? Mais uvas!
Mensageiro: pois... eles dizem que não nos vão enviar mais comida.
Horatius: Ah... Não faz mal, nós arranjamo-nos.
Mensageiro: também dizem que vão deixar de fazer manutenção das estradas para cá.
Horatius: para isso é que temos cavalos, não é Escravo?
Mensageiro: e vão chamar os soldados de volta a Roma.
Horatius: ah... e quando é que os soldados regressam?
Mensageiro: não dizem.
Horatius: mas quem é que nos vai proteger das tribos bárbaras?
Mensageiro: também não dizem.
Horatius: pois...
Mensageiro: bem! eu vou voltar para Roma com os soldados! Boa sorte!
Horatius: Isto não há-de ser nada... Escravo, mais água quente! Escravo! Escravo...?


À medida que o Império Romano colapsava debaixo do seu próprio peso, as suas colónias foram sendo abandonadas pelo Império. Sociedades bem estabelecidas, com sistemas de justiça e governo, tribunais e escolas, aquedutos e banhos públicos, que subitamente estavam à mercê das tribos locais que tinham conquistado

Imaginem as luzes da civilização a apagarem-se, uma a uma, pela Europa toda.

Primeiro na Bretanha, depois a Germânia, depois a Ibéria, uma atrás da outra, até não restar quase nada da estrutura governamental que sustinha esses focos de civilização.
Um continente inteiro que em uma ou duas gerações passa do pico civilizacional da humanidade para o caos.

No meio deste caos, desta involução de volta à barbárie, ficou a Igreja, a manter acesa a chama-piloto da civilização.

A Igreja Católica foi o único vestígio do Império Romano que ficou para trás, a tentar desesperadamente providenciar algum tipo de estrutura e segurança às populações.


Dizemos muitas vezes (e não sem razão) que a Igreja foi um dos principais entraves ao desenvolvimento científico, e que se não fosse pelos atrasos provocados pela opressão do pensamento livre, hoje estávamos todos a viver em Marte.

Mas também é verdade que durante mais de 400 anos, desde a queda do Império Romano, até à coroação de Carlos Magno como Imperador Romano (outra vez), durante o período habitualmente apelidado de "A Idade das Trevas", a Igreja foi o único repositório de cultura.

No ano 530, São Bento escreve um manual de vida monástica, a Regra de São Bento, e essencialmente funda o Monasticismo na Europa.

Os Monges enclausurados nestes Mosteiros tornam-se os guardiões da cultura e do conhecimento.

Foram eles que difundiram a agricultura pela europa, ensinando as tribos bárbaras as técnias de arar e plantar os solos. Foram as ordens monásticas que ensinaram as populações técnicas de pastorícia, metalurgia, criação de abelhas, o processo de produzir cerveja, queijo, apicultura e até vinicultura.

Mais importante que isso, os Mosteiros começaram a construir Scriptorium, onde textos clássicos eram mantidos, e dolorosamente copiados e recopiados, para que não se perdessem, preservando-os da humidade e dos insectos.


Claro que isto deu à Igreja um monopólio sobre o conhecimento, e um direito divino ao que era "verdade" ou não.
É impossível sabermos exactamente quantas obras literárias ou textos científicos clássicos foram alterados ou simplesmente deixados no esquecimento porque teriam conhecimentos considerados "hereges".

Isto também dificultava a vida a quem quer que na altura quisesse aprender mais ou fazer investigação científica.
Ou sequer aprender a ler.

A única via para essas coisas era literalmente juntar-se à Igreja, pertencer ao clero. A Igreja, possuindo o monopólio do conhecimento, podia impôr qualquer tipo de exigência a quem quer que quisesse aprender mais.

Podia agora discorrer um bocado sobre as exigências específicas de cada ordem monástica, os tipos de votos que cada uma impunha, mas resumem-se quase todos a impedir as pessoas de fornicarem ou de se masturbarem.

O que poderá eventualmente apontar para as origem do estereótipo de que os nerdzinhos que gostam de ciência não terem sorte nenhuma?

Não sei.

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