Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Escolhas


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: "vem por aqui..."
Eu olho-os com olhos lassos, 
Há nos meus olhos ironias e cansaços,
E cruzo os braços.
Nunca vou por aí''
    - José Régio

Quinta feira é dia de perguntas difíceis.

Porque é que fazemos as coisas que fazemos? Porque é que escolhemos ser o que escolhemos ser? A nossa profissão. A pessoas com quem passamos a nossa vida, os sítios que saímos, a roupa que temos no corpo, a nossa marca de cereais de pequeno almoço.

Bem, é fácil. Nós investimos mais ou menos tempo a pensar sobre que escolha vamos fazer. E depois de pensarmos, decidimos. Escolhemos. O que achamos que vai ser melhor para nós.

Pois... mas muitas escolhas envolvem factores que desconhecemos, e mesmo as que conhecemos, podem ter uma influência muito diferente do que inicialmente antecipamos. 

Então como é que escolhemos? Bem, escolhemos o que gostamos mais...o que achamos que vai ser melhor...



Será mesmo assim? Será que a escolha já não estava feita antes, e o processo de pensar sobre o assunto não é mais do que colecionar argumentos racionais para o que iriamos fazer de qualquer maneira? Pouco mais do que um mecanismo de gestão de ansiedade, a dar resposta à necessidade de sentir controlo sobre o nosso percurso na vida, e nenhuma 'verdadeira' liberdade de escolha?

Isto porque temos uma tendência para equacionar o nosso ''eu'', com o nosso córtex, a nossa capacidade de pensar analiticamente.

Mas é fácil reconhecer que quando estamos no meio da estrada, e um camião grande se aproxima a uma velocidade elevada, provavelmente vamos querer sair do meio da estrada. E não vamos pensar muito sobre o assunto.
Esta não é uma aquisição recente, evolutivamente...




Isto quer dizer que fomos coagidos pelo camião? Sairmos do caminho não é realmente uma escolha? Bem, podemos dizer que o nosso sistema nervoso simpático fez a escolha por nós. Mas o sistema nervoso simpático está lá também quando decidimos escolher a casa onde vamos morar. E faz parte de nós. ''Participa'' nas escolhas, em maior ou menor grau.

Não sei bem... Mas se temos que admitir que sair do caminho do camião foi uma escolha, então borrarmos as calças também terá que ser considerado como tal.



Faltam aqui as emoções, algures no meio. Segundo a teoria dos ''marcadores somáticos'' de Antonio Damasio, os nossos marcadores fisiológicos (frequência cardíaca, tónus muscular, expressões faciais, respostas endócrinas), ocorrem no corpo e são transmitidas ao cérebro onde são transformadas numa emoção, que nos diz algo sobre o que provocou os estímulos. À medida que o tempo passa, e experienciamos mais situações e outcomes, as emoções e mudanças corporais que experienciamos, ficam associadas a essas situações e outcomes.

Ao longo do tempo, desenvolvemos um viés no sentido das circunstâncias e situações associadas a emoções positivas, e contra as associadas a emoções negativas.


Talvez escolher não seja bem... escolher. Talvez o racional tenha menos a ver com as nossas escolhas do que nós pensamos. Serve mais para nos persuadir pelos argumentos a favor da escolha que já fizemos de maneira muito mas rápida, emocionalmente. A nossa vida é feita de narrativa. E como já vimos, as narrativas mostram algumas coisas como ''boas'' ou ''certas'', e outras como ''más'' ou ''erradas''.

Querem ver como nós somos enviesados pelas nossas emoções?

Vejam este video:



Estão a ver o senhor que jura a pés juntos que ''é facto que a bola bate na mão do Pedro Silva! É um facto, é verdade! Resta a questão da intencionalidade...'' Todos concordam entre si, e concordam com o árbitro. O vídeo acaba com um deles a reconhecer de maneira relutante que não é penálti. E a dizer que há um erro do árbitro. 

Então e dos comentadores? Não há um erro dos comentadores? Todos!

O que acontece, é que eles não viram a bola bater na mão do jogador, mas querem tanto ter visto.... Desejam intensamente que seja penálti, por isso juram que viram uma coisa que não viram. Quando vêem a repetição no fim do vídeo, ficam atónitos. Têm mesmo que ver três vezes.

Não estou a dizer que eles são desonestos. Não são, de todo. Estou a dizer que a sua opinião foge ao seu controlo racional. Estou a dizer que um jogo em que o Benfica ganhe, desperta nestes comentadores ''marcadores somáticos'', associados com fortes emoções positivas. 

Agora já perceberam porque é que a seleção é prejudicada pelos árbitos?


(epá Abel Xavier, é penalti, desculpa lá...)

É verdade. Nós é que somos enviesados emocionalmente para achar que a seleção é prejudicada. E como toda a gente á nossa volta é da mesma opinião, porque os adeptos da equipa adversária estão noutro país, mais se reforça essa ilusão.

Assim, se as ilusões em massa são tão fáceis de provocar, como é que um indivíduo vai escolher o que quer que seja?? Como confiar nas nossas percepções?



Não faço ideia... Mas algumas regras devem seguramente, aplicar-se. 

Ser ligeiramente otimista deve ser uma delas. Não se vendiam tantos livros de auto ajuda se o otimismo não fosse uma força importante. A mensagem de muitos desses livros passa muito por ideias como: ''tenha menos medo, seja menos cínico'', ''acredite nos seus sonhos''.

Que é o que queremos ouvir. Ser otimista significa que a promessa do que é potencial, tem um apelo que nos entusiasma!


No entanto ''Podes ser o que quiseres!'', deixa implícito que podes escolher o que quiseres. A realidade é que não é bem assim, e racionalmente acho que nem preciso de explicar porquê. 
É importante tem isto em conta, porque otimismo frustrado tem uma tendência aborecida para ser percepcionado como estupidez.


A nossa vida é passada entre estados de otimismo e de cinismo, e à media que envelhecemos, ficamos mais cínicos.

Então como é que uma escolha se transforma numa boa escolha? Novamente, não sei, mas acho que escolhedores otimistas e viés de confirmação ajudam, posteriormente, a verificarmos que fizemos a escolha certa. 

Por exemplo maior parte de nós não se imaginava a fazer outra coisa que não a nossa profissão. E estamos gratos por ela, temos a certeza que foi a melhor escolha, com os elementos que tinhamos quando a fizemos....



Ou será que é assim? 

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''...Todos tiveram pai, todos tiveram mãe,
Mas eu que nunca principio nem acabo, 
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
 

Sei que não vou por aí!''

O poeta reconhece que não temos controlo sobre a miríade de causas que influenciam a nossa vida. Todos os factores, ilustrados de escala decrescente de grandeza (vendaval, onda, átomo) que têm impacto, tornam o futuro imprevisível, invadiam, de certa maneira, as piedosas intenções e as definições.


Por isso a relutância em aceitar as sugestões sensatas de quem diz seguro: ''vem por aqui'', e o reconhecimento que as acções humanas são resultado de muitas forças externas que interagem (eu que nunca principio nem acabo), e de um estado de expectativa entre o bem e o mal, entre o otimismo e o cinismo (Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo).


5 comentários:

  1. http://s2.quickmeme.com/img/3c/3c09d14adcdd6626599b630020298af374a0fd836295a829a62c17c45770fd64.jpg

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  2. Eh pá, tu ficas uns tempos fora, mas quando voltas vens em forma!
    Adorei este texto!

    Nem é só pelo conteúdo, que é fascinante, mas pela forma.

    Poesia - exposição da questão - ciência - mais ciência - exemplo inesperado - correlação - exemplo relacionável - e fazemos full-circle com mais poesia que agora ganhou contexto e profundidade.

    Brilhante!

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    1. thanks, dude!
      tenho que escrever mais parvoíces!

      http://www.smbc-comics.com/?id=2444
      sob o risco de transformar isto num circlejerk deplorável, gostei mesmo muito do teu texto dos vegans! o raciocínio está irrepreensível, e fiquei a saber que a dada altura temos que parar de comer carne.

      Os nossos bisnetos perdem a oportunidade de saborear bacon frito carcinogénico.

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    2. Os nossos filhos provavelmente vão poder comer bacon e hamburgers sintéticos (http://www.theinertia.com/health/heres-a-company-growing-real-meat-from-stem-cells/) mas provavelmente nunca mais vão ter a experiência de ser dono de outro ser humano.

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    3. bacon sintético deve saber como a coca cola zero, não sabes dizer o quê, mas há ali alguma coisa que não estimula as papilas gustavivas da mesma maneira....

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