Lembro-me de ver livros desta BD à venda na FNAC há muitos anos, provavelmente pouco depois de a série ter acabado (em 2000) e as colectâneas terem começado a chegar a portugal.
Na altura olhei para o desenho, e não gostei, por isso pus o livro de lado.
Entretanto fiquei melhor e depois de ter relido uma
crítica do sempre grande
M. no agora defunto
Des1biga decidi ler a banda desenhada.
The Preacher é tudo o que M. prometia ser, e mais ainda.
"Esta é daquelas crónicas que sempre me apeteceu escrever. Depois de algum tempo a coleccionar BD chegou, finalmente, a hora de escrever sobre uma. The Preacher tem tudo aquilo que eu sempre odiei ler em BD: anjos, demónios, vampiros e até cowboys. Mas é perfeito. É tudo o que uma BD deve ser.
Garth Ennis escreveu uma crítica fabulosa à religião e ao american way of life, cruzada com mil e uma referências à cultura pop, passando do James Bond aos western spaghettis. The Preacher é a história de Jesse Custer, um reverendo no Texas que um dia é possuído por uma criatura que fugiu do céu e que lhe dá o poder de Deus. Tudo o que Jesse ordenar é imediatamente feito pela vítima dos seus poderes. Mas o que a criatura divina vem anunciar a Jesse é muito mais importante e fundamental: Deus existe, de facto. Mas desistiu do lugar.
E é com base numa premissa tão fantástica que a aventura se desenrola. Jesse entra numa jornada para procurar Deus, juntamente com a sua namorada e com um vampiro irlandês alcoólico como side - kick. Pelo meio junta-se uma organização religiosa poderosíssima - The Grail - que preserva fanaticamente o sangue de Jesus Cristo (ao ponto de ter feito com que os seus descendentes se cruzassem entre si, o que fez com que o descendente directo vivo de Jesus Cristo seja um atrasado mental que é visto pela organização como o próximo Messias) e que tem como braço armado um alemão com as parafilias mais incríveis. Há ainda Arse - Face, um adolescente que se quis suicidar como Kurt Cobain, mas que não foi eficaz. Há o Santo dos Assassinos, uma homenagem fabulosa a Clint Eastwood. E temos ainda o John Wayne himself, que aparece ao herói da série como guia espiritual.
The Preacher é escrito por um irlandês e desenhado por um inglês e é uma visão cínica e peculiar dos States. Se Tintim é politicamente incorrecto porque Hergé não conseguiu reprimir o discurso idioto-colonialista da época (apesar de reconhecer que em termos de construção de narrativa e de gags humorísticos Tintim e seus pares foram pioneiros absolutos), The Preacher é politicamente incorrecto da maneira que as coisas inteligentes são. As críticas ao conservadorismo e à estupidez política estão lá todas. Sem pretensões ou subterfúgios. The Preacher não é uma BD intelectual mas é extraordinariamente inteligente. E apesar de todas as críticas, de todos os tiros, lutas, explosões, palavrões e reviravoltas da história, há uma ética subjacente. Aquela ética dos wertern spaghettis, de frases old fashion enquanto se acende um cigarro.
É tudo o que uma BD deve ter: acção, humor, sexo, religião, política e drogas. É fantástico. Leiam. Como estava escrito na capa de um dos livros: "It will restore your faith. In comics.""
M., in
Des1biga, 02/08/2007
Há pouco que eu possa acrescentar ao que M. já disse na sua crítica original, excepto que para além das personagens fantásticas (anjos, demónios, vampiros e até cowboys), da sátira (homenagem?) à cultura americana, das críticas mordazes, e das sequências de acção invulgarmente bem conseguidas,
The Preacher é no fundo uma BD sobre relações humanas, especificalmente relações de amor e amizade.
O trio de Jesse, Tulip e Cassidy que passa por várias encarnações de amor, amizade e ódio com tudo o que há pelo meio, é uma tese acerca de relações românticas e emocionais.
Até o par Starr/Featherstone, por muito disfuncional e perturbador que seja, consegue ser um exemplo.
E, depois, Deus leva um tiro.