Já me dei por várias vezes a conversar com pessoas inteligentes acerca de coisas e crenças que muito me surpreendem pertencer a pessoas inteligentes.
Dou como exemplo as auras, só porque foi o caso mais recente com que me deparei.
Passei uma boa porção de um serão nocturno a conversar com um tipo perfeitamente inteligente e eloquente, que me queria convencer de que as auras existem e de que ele as sentia.
Basicamente, as auras, tal como ele as explicava eram o seguinte: as pessoas libertam energia, essa energia muda conforme a personalidade e estado de espírito de cada pessoa, e é possível sentir e perceber, consciente ou inconscientemente, a energia dessa pessoa.
Por exemplo, dizia ele, se alguém enraivecido ou agressivo se aproximar de mim, eu percebo-o antes de haver alguma manifestação expressa ou externa disso.
Se várias pessoas estão a conversar a uma mesa, e uma vira a sua atenção para outra, então está a dirigir a sua energia para ela.
Eu disse-lhe que não havia nenhum tipo de fundamento lógico para supor que se tratava de "energia" que irradiava da pessoa e que se transmitia entre pessoas, que poderia haver uma explicação perfeitamente banal e prosaica para o que ele descrevia.
Ao que ele respondeu "Sim, mas isso é se fores lógico!"
E eu fiquei sem resposta... porque... quer dizer... que é que se pode ser se não lógico? Que maneira há de pensar, que não lógica?
Faz-me lembrar uma senhora francesa com quem conversei uma vez num avião, que me estava a tentar convencer dos benefícios da homeopatia. Eu expliquei-lhe que cientificamente era impossível a homeopatia funcionar ela disse-me também que isso era se eu acreditasse na ciência. Que podia haver mais coisas para além da ciência.
Também dessa vez me encontrei sem resposta.
A verdade é que nunca pensei ou operei sob nenhum outro sistema que não a lógica ou a ciência. Porque... basicamente... qualquer outro sistema não tem lógica ou é científico e eu não o consigo valorizar. Não faz sentido...
O que estas pessoas descrevem é pensamento mágico.
O pensamento mágico é, basicamente, quando uma criança acredita que se usar as meias azuis terá boa nota no teste.
É de facto uma das características da infância, e uma das coisas que a criança deve ultrapassar no seu desenvolvimento e maturação.
E no entanto todos os dias deparo-me com exemplos de pensamento mágico em adultos inteligentes e funcionais.
Pessoas que me aparecem nas consultas, absolutamente convencidas que aquela dor nas costas apareceu porque naquele dia beberam dois cafés ao pequeno almoço em vez de um.
A melhor explicação para a existência de pensamento mágico que encontro é de que as pessoas preenchem os espaços do seu conhecimento com a explicação mais simples e directa que encontram.
Há ignorância, e então como a mente humana recusa não compreender algum fenómeno, vai aplicar uma explicação a esse fenómeno, por mais absurda que possa parecer.
A maioria das pessoas não faz a mínima ideia de como funciona o seu corpo (o que é uma noção estranha, dado que nada é mais próximo e imediato que o próprio corpo), e então atribui causalidades mágicas ao que acontece.
As pessoas ignorantes atribuem a maioria das explicações a Deus, ou outro qualquer ser místico e incompreensível que faz acontecer as coisas.
Estas pessoas inteligentes, por não terem conhecimentos aprofundados de ciência, acreditam em coisas como as auras e a homeopatia.
No entanto elas fazem um argumento interessante. Porque é que a lógica há de ser o melhor modelo de pensamento?
Não estaremos perante um exemplo de Chauvinismo Lógico?
O problema é mesmo um de pensar de maneira não lógica.
A ciência ensina-nos que as teorias explicativas só servem enquanto não surgir nada melhor ou que explique as coisas de maneira mais exacta ou coerente.
No entanto a própria ciência é um modelo de pensamento lógico.
O que é que resta? A simples observação empírica da realidade? Mas isso não permite fazer previsões, e precisamos de fazer previsões para sobreviver.
Talvez um modelo de pensamento mágico seja de facto melhor que um modelo de pensamento lógico para algumas situações? Quais? Não faço ideia.
Poderá eventualmente surgir alguma coisa melhor que a lógica? A lógica diz-me que é possível. Mas isso não deita abaixo a própria lógica? Talvez não.
Não sei. Este é um assunto sobre o qual tenho de pensar mais.
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ResponderEliminarAcho que há várias abordagens a essa lógica ilógica...
ResponderEliminara abordagem céptica que diz que isso não passam de tretas revestidas de balelas. e a abordagem agnóstica, cheia de respeito pelas crenças alheias, dizendo que ninguém sabe tudo, e não se devem desvalorizar as crenças das pessoas, só porque é impossível ver as coisas de uma maneira clara, da perspectiva delas. A abordagem propagandistica que tenta convencer os outros de que a estupidez é o elemento mais comum no universo, a seguir ao hidrogénio, e devia ter um quadradinho na tabela periódica. E ainda a abordagem sociopata que ridiculariza as crenças dos outros à frente dos seus amigos, o que normalmente torna o interveniente, coberto de razão, sujeito a nunca mais ser convidado para funções sociais por todos os presentes, independentemente de raça, credo ou credenciais de parvoice profissional.
Eu favoreço, com base em ensaios recentes, uma abordagem perfeitamente no meio de todas estas: Deixar o hippie das energias ou auras ou espíritos, ou emanações, ou pulseiras do equilíbrio, dizer o que quiser. Fazer perguntas interessadas no que ele está a dizer. Deixá-lo à vontade para despejar todos os disparates que lhe apetecer. E responder acriticamente. Porque é imensamente divertido, nestes dias de escolaridade obrigatória massificada, meios de comunicação em todo o lado e liberdade de opinião, expressão, imprensa, associação e culto, que existam idiotas que acreditem que as pulseiras do equilíbrio preparam-te para um quotidiano mais em paz com o teu eu interior, e em sintonia com o feng shui, e o reiki dos que te rodeiam.
Para quê discutir? quando vais ao jardim zoológico tentas convencer os macacos que atirar fezes não é a coisa mais importante do mundo?