Pataniscas Satânicas

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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Vegetarianismo II

Eu compreendo. A sério que sim. Compreendo mesmo.

Um dia uma pessoa pensa um bocado na vida de uma forma um pouco mais profunda que o habitual, ou lê qualquer coisa um bocadinho mais científica que o costume e tem uma revelação.

Descobre que os seres humanos são criaturas biológicas como as outras todas, percebe que os humanos lá por saberem andar sobre dois pés ou escrever ou masturbarem-se intelectualmente mais do que as galinhas, não são inerentemente melhores. Não tem nenhum valor acrescido verdadeiro. Não são nem mãos nem menos do que qualquer outro animal. Somos todos animais de igual forma e os nossos feitos enquanto humanos não são mais do que meras inevitabilidades biológicas sem mais ou menos valor que uma torre de lama construída por formigas.
Isto é rigorosamente verdade. Não é uma opinião, é um facto científico.
Compreendem de uma forma muito profunda e intensa a que somos todos animais e que é tão monstruoso fazer sofrer um animal quanto seria fazer sofrer uma criança.

Esta é a deixa para todas as tretas empáticas.
Salvem as baleias, não abandonem os animais no Verão, não comam carne, tratem bem os cãezinhos...
E eu compreendo, até concordo em grande medida!
A maioria destas pessoas até esse momento sentiam um vazio nas suas vidas e subitamente têm uma causa pela qual lutar. Tem uma coisa sem ambiguidade moral nenhuma que dê um sentido às suas vidas até então bastante desprovidas de propósito.
Têm um motivo para se sentirem moralmente superiores às outras pessoas, e isso sabe sempre bem.

Eu compreendo. Tenho um gato. Gosto dele. Ele tolera-me.

Mas pensem no seguinte, e vamos dar aqui alguns saltos de lógica, que é para não perder tempo.
O corpo humano é composto sobretudo de hidrogénio, oxigénio, azoto e carbono, muito cálcio, fósforo, potássio e sódio, mais alguns elementos residuais como o ferro e o magnésio, etc, vocês percebem.
O carbono que compõe o nosso código genético, a base de toda a vida como a conhecemos, sem excepções, é mesmo só isso. Carbono.

Ou seja se pegássemos num átomo de carbono do nosso ADN e o puséssemos ao lado de um átomo de carbono vindo de um grão de areia da praia, seriam indistinguíveis.
São exactamente iguais. Tal como todos os outros átomos do nosso corpo. Exactamente iguais.
São as mesmas substâncias, sem tirar nem pôr. Só estão organizadas de uma maneira diferente.

Somos todos elementos químicos organizados de forma peculiar, e os nossos feitos enquanto seres vivos não mais do que meras inevitabilidades físico-quimicas sem mais ou menos valor que uma duna num deserto.
Não somos melhores ou piores que uma pedra, é o que eu estou a dizer.
Isto é rigorosamente verdade. Não é uma opinião, é um facto científico.

E se isto vos faz sentir desvalorizados ou desmotivados e com a sensação de que havia muitas coisas às quais estavam a dar demasiada importância, não se preocupem. Essa é a reacção normal e expectável e até saudável. Nunca é bom ser-se comparado a uma pedra seja em que termos for. Não faz bem ao ego ouvir que não somos nada de especial quando comparados a qualquer sopa química.

Mas não deixa de ser uma discussão interessante, quando é que uma coisa passa a ser vida; se a vida é um fenómeno mecanisticamente inevitável dadas as condições certas que se calhar até nem são assim tão raras quanto isso.
Ainda nem sequer está bem decidido se os vírus estão vivos ou não.
O que acontece é que qualquer razão pela qual se queira argumentar que a vida ou os seres humanos são de qualquer maneira mais valorosos do que a radiação cósmica, será uma razão baseada num sistema de valores inventado por humanos. Curioso.

Mas o verdadeiro ponto é que se estamos a discutir que os humanos não são melhores que areia, os cãezinhos já ficaram muito lá para trás, e a empatia e a moralidade do da questão já ficou irremediavelmente relativizada quase ao ponto do irrelevante.

Mas eu compreendo. A sério que sim. Tenho um gato. Gosto dele. Só que um dia descobri que não sou melhor que uma pedra, e isso retira um bocado a importância a tudo o resto.

3 comentários:

  1. É de facto difícil fazer exigências morais ou empáticas a um calhau. Mas acho que somos diferentes dos calhaus, essencialmente porque temos sempre que estar entretidos. às vezes entretemo-nos a acreditar que um cãozinho tem mais valor intrínseco que uma mosca varejeira. Às vezes entretemo-nos a pensar que os vegetarianos são estúpidos.
    Só deixamos de precisar de nos entreter quando o alzheimer ataca com força. Se tentarem explicar a um doente com alzheimer avançado que ele é apenas esterco organizado de uma maneira peculiar, ele provavelmente irá tenta morder-vos. Não é que ele discorde, é só que a programação das prioridades biológicas dele está defeituosa.
    Como eu estou biologicamente programado para empatizar com animais abandonados, por favor parem de me mandar emails sobre isso. não é por eles. é que me incomodam a programação biológica, e eu quero tentar entreter-me com outras coisas, tipo gajas nuas.

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  2. Uma vez uma senhora com Alzheimer tentou morder-me, repetidamente. Não foi uma experiência agradável.

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  3. é esse o problema de tentar violar doentes com alzheimer. podes pensar que é o crime perfeito, que eles não se vão lembrar de nada, mas lembra-se sempre de morder. acho que é fetiche.

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