Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 30 de agosto de 2016

O que é a Consciência Artificial - Ovelhas Eléctricas

Inteligências Artificiais estúpidas? Ovelhas eléctricas? Rembrandt Artificial?

Vamos falar sobre isso


No seguimento de artigos que já escrevi antes sobre Consciência Humana e Consciência Animal, vou agora tentar explorar e explicar o conceito da Consciência Artificial.

Mas antes de começarmos a falar de Consciência Artificial temos de falar de Inteligência Artificial (a partir de agora IA).

Alan Turing - 1912-1954
Apesar de a ideia de seres artificiais e máquinas calculadoras existir desde a antiguidade, e de George Boole ter criado a lógica algebraica que está na base da informática, é razoável dizer que toda a ideia da IA como a pensamos hoje começou com Alan Turing.

De acordo a Teoria de Computação, que Alan Turing formulou durante os anos '40, uma máquina seria capaz de simular qualquer tipo de dedução matemática usando apenas símbolos simples como 0 e 1.

Isso, associado a desenvolvimentos contemporâneos em Neurologia, Teoria de Informação e Cibernética, levou a que os investigadores pusessem pela primeira vez a hipótese de construir um cérebro electrónico.

Ou seja, pôr máquinas a imitarem processos cognitivos humanos como a resolução de problemas ou a aprendizagem.


Não vos vou maçar com a história da evolução das IAs, sobretudo porque já estão por todo o lado à nossa volta.

Seja nos assistentes pessoais que estão nos smartphones e computadores, como a Siri, o Google Now ou a Cortana, os inimigos virtuais que nos matam nos jogos de computador, ou quando a Amazon nos tenta sugerir coisas para comprar com base nas nossas compras anteriores, as Inteligências Artificiais já fazem parte do nosso dia-a-dia.

Então porque é que ainda não tentaram dominar o mundo!?

Basicamente porque para Inteligências Artificiais, não é difícil expôr o quão estúpidas ainda são.

(a resposta aborrecida é porque não estão programadas para isso - não se preocupem, prometo que vamos falar de robots que dominam o mundo)

Por engraçado que seja conversar com o Cleverbot, qualquer conversa com mais do que 5-10 minutos começa a expôr as limitações do programa.

Apesar de lidarem muito bem com lógica rígida, estas Inteligências Artificiais têm imensa dificuldade em decifrar frases ambíguas ou que necessitam de contexto para serem interpretadas.

Por exemplo, na frase "O Troféu não cabia dentro da Mala porque era demasiado grande", uma Inteligência Artificial tem dificuldade em perceber se é o Troféu ou a Mala que é demasiado grande.

Neste tipo de situações as IAs acertam pouco mais do que se estivessem a responder aleatoriamente.


Mas pronto, em vez de estarmos a gozar com estas pobres IAs e as suas limitações (que é relativamente semelhante a gozarmos com pessoas deficientes - também mais sobre isto mais tarde) vamos em vez disso falar dos limites que estão lentamente a ser ultrapassados.

Disse antes que a IA pretende simular processos cognitivos humanos, portanto que processos cognitivos são esses?

Resolução de Problemas

À medida que um problema se torna mais complexo, o número de variações que têm de ser avaliadas cresce exponencialmente de maneira tão rápida que se torna impossível de calcular em tempo útil. Infelizmente a maior parte dos problemas que nos interessam são mesmo muito complexos.

Num jogo de Xadrez há 20 jogadas iniciais possíveis, e se quiserem antecipar as primeiras 15 jogadas possíveis (algo que jogadores de Xadrez experientes são capazes de fazer), têm de calcular 20^15 jogadas, ou seja 3.3x10^19 sequências. Mesmo que o vosso computador conseguisse calcular 1000 000 000 jogadas por segundo, demoraria 10 mil anos a resolver o problema.

Os jogadores de xadrez obviamente não estão a deduzir essas jogadas passo a passo, num raciocínio dedutivo. Em vez disso usam julgamentos rápidos e intuitivos.

Modelo de uma Rede Neural Artificial

À semelhança disso desenvolveram-se Redes Neurais Artificiais, directamente inspiradas no nosso Sistema Nervoso Central, nas quais um problema é desmontado nas suas várias componentes, cada uma das quais é trabalhada por uma camada de programas que produzem um resultado parcial que é fornecido a outra camada de programas que fornecem outro resultado parcial, e por aí fora, até atingir um resultado razoável.

(não se preocupem, vamos ver mais exemplos disto mais abaixo)

Adicionalmente, para problemas em que há informação ambígua, incerta ou incompleta, usam-se conceitos de probabilidade e economia para simular a capacidade humana de adivinhar.

Representação de Conhecimento

Se vamos resolver problemas, isso significa que temos de ter perguntas e respostas, e isso significa representar sob a forma de dados computáveis a informação e conhecimento que compõe essas perguntas e respostas.

Uma IA necessita de ser capaz de representar coisas como objectos, propriedades, categoras e relações entre objectos, situações, eventos, estados e tempo, causas e efeitos, e conhecimento sobre conhecimento, e outras coisas ainda mais abstractas que não foram adequadamente investigadas ou definidas.

Isto é complicado por problemas como o Problema da Qualificação (um pássaro é uma coisa pequena, que canta e voa, e nenhum destes dados é verdade para todos os pássaros), a vastidão de factos individuais que é possível saber (propõe-se pôr IAs a ler a internet) e o Conhecimento Sub-Simbólico (a maior parte do que sabemos não é facilmente representável por símbolos únicos e não-ambíguos - sabemos dizer facilmente se gostamos de uma pintura ou não, mas essa afirmação é composta por uma quantidade difícil de definir de elementos ditos sub-simbólicos).

Ontologia é a uma representação do que existe
Percepção

A junção destas duas coisas (a Resolução de Problemas e a Representação de Conhecimento) permite às IAs "verem" no verdadeiro sentido da palavra.

Para ensinarmos uma IA a a "ver" temos de lhe mostrar milhares de imagens do que quisermos que ela veja, e dizer-lhe para procurar padrões nessas imagens. Para procurar as linhas, e como as linhas se relacionam, para procurar os ângulos, para procurar os cantos, para procurar os lugares onde há contrastes.

A IA faz isto recorrendo a uma daquelas Redes Neurais Artificiais de que falei em cima.

Rede Neural Artificial que analisa imagens
Como uma máquina procura padrões de linhas e curvas numa imagem
Depois de a IA ter visto milhares de imagens, e de ter determinado quais são os padrões de formas comuns a todas essas imagens, dizemos à IA "isso que tu viste é esta coisa específica"

Depois, quando lhe mostrarmos uma imagem e lhe perguntarmos se há lá essa coisa a IA vai procurar esse padrão, e se for semelhante o suficiente vai dizer-nos que sim, há lá um resultado positivo.

Por exemplo, quando se tentou ensinar o Programa de Reconhecimento de Conteúdo da Google a reconhecer halteres, foram-lhe mostradas milhares de imagens de halteres para ela aprender a reconhecer o padrão dos halteres.


Acidentalmente, como muitas dessas imagens incluíam pessoas a levantarem o halter, a IA aprendeu que dentro do conceito de "halter" incluía-se também o braço que o levantava.


Isto é muito semelhante à forma como o nosso próprio cérebro está programado para ver reconhecer padrões, e especificamente caras.
Lembram-se de quando falámos de Pareidolia, logo no primeiro artigo sobre Consciência Humana?

Imaginem que ensinamos uma IA a reconhecer padrões de animais, e depois damos-lhe uma imagem onde não existem animais, mas obrigamo-lo a mesmo assim procurar por animais.


Há qualquer coisa de fascinante em perceber que esta imagem representa, muito literalmente, uma máquina a halucinar, a "ver" coisas que não estão lá.

Máquinas a sonharem - será que sonham com ovelhas eléctricas?

A geração de imagens oníricas e psicadélicas por este processo, usando o Google Deep Dream, é um excelente exemplo de como funciona um programa de Reconhecimento Visual que imita o processo cognitivo humano.

Há imensa investigação e inovação na área da Percepção, e naturalmente existem outras formas de processar informação visual. Outras áreas a serem desenvolvidas são a percepção táctil e auditiva, nomeadamente o reconhecimento de discurso

Planeamento

Uma IA tem de ser capaz de estabelecer objectivos e depois atingi-los. Isto significa que tem de ter uma representação do mundo actual, do mundo futuro, fazer previsões sobre como as suas decisões alteram o mundo, e escolher quais dessas decisões a aproximam desse mundo futuro que quer atingir.

Se começarmos a tornar o problema mais complicado, assumindo a existência de vários agentes de acção no mundo, a IA tem de começar a reavaliar o seu mundo e a reajustar as suas decisões, o que implica também que tem de lidar com a incerteza. É isto que também explica os fenómenos de comportamentos complexos emergentes em inteligência colonial, como nas formigas e abelhas.

IAs que que têm de se desenvencilhar sozinhas durante muito tempo são as que usam este tipo de programas, e estão presentes no Telescópio Hubble e no Mars Curiosity Rover.

O Mars Curiosity Rover tira uma selfie (!!!)
Aprendizagem

Lembram-se quando eu há pouco disse que era complicado prever e planear as jogadas num jogo de Xadrez?

O jogo chinês tradicional Go é ainda mais complicado.


Num jogo de Go profissional o tabuleiro tem 361 posições (por oposição às 64 do Xadrez), há uma média de 150-250 jogadas legais por turno (por oposição às 37 do Xadrez), e contrariamente ao Xadrez, no Go uma jogada inicial pode ter influência centenas de jogadas no futuro, e é muito mais difícil avaliar quem é que tem a vantagem relativa.

Existem mais variações possíveis de um jogo de Go do que átomos no universo.

Recorrendo às Redes Neurais Artificiais de que já falámos, o projecto Google DeepMind criou um conjunto de algoritmos que pretendem simular modelos abstractos de alto-nível, o programa AlphaGo.

Depois, basicamente, em vez de porem o AlphaGo a memorizar todas as jogadas possíveis de Go, ensinaram-lhe a estratégia do jogo. Mostraram-lhe cerca de 30 milhões de jogadas de jogadores humanos, e depois puseram-no a jogar consigo mesmo, usando aprendizagem reforçada.

Em Março de 2016, o AlphaGo obteve uma vitória de 4-1 contra Lee Sedol, 18 vezes campeão mundial de Go.


Linguagem

A língua portuguesa é muito traiçoeira, e isso tem sobretudo a ver com o contexto e a semântica, e expressões como "à grande e à francesa" ou "coisas do arco da velha" são notoriamente difíceis de traduzir.

Google Translate - Português para Inglês:

"Portuguese is very tricky , and it has mostly to do with the context and semantics , and expressions such as " the great and the French " or " bow things the old " are notoriously difficult to translate."

Google Translate - Inglês para Português:

"O português é muito complicado, e tem sobretudo a ver com o contexto e na semântica, e expressões como "o grande e os franceses" ou "arco coisas o velho" são notoriamente difíceis de traduzir."

Isso significa que actualmente os sistemas de Processamento de Linguagem Natural recorrem mais uma vez a algoritmos de aprendizagem, modelos estatísticos e decisões probabilísticas para conseguirem extrair os significados do contexto e comunicarem efectivamente.


Movimento e Manipulação

Robots dotados de AI são capazes de interagir com o seu ambiente autonomamente, sem uma fonte de controlo externa, e são capazes de determinar reacções a objectos e problemas que encontrem, resolvendo problemas de manipulação de objectos e navegação.

Isto implica resolver problemas de localização (saber onde está e onde as coisas estão), mapeamento (construir uma representação do ambiente), planeamento de trajecto (decidir qual a melhor maneira de ir do ponto A ao ponto B) e planeamento de movimento (como não cair pelo caminho).


Emoções e Criatividade

Na vanguarda da investigação de IA estão coisas como a Computação Afectiva, que é o estudo e desenvolvimento de máquinas capazes de reconhecer, interpretar, processar e simular emoções humanas ou até mesmo simular empatia.

Isto permitiria às IAs prever as acções de outros, por compreenderem as suas motivações e os seus estados emocionais, e adaptar o seu comportamento.

Simular a criatividade humana é particularmente complicado, porque nem nós sabemos definir bem o que é a criatividade ou a originalidade.
No entanto, e mais uma vez recorrendo a Redes Neurais Artificiais, é possível codificar o que são essencialmente Tropes e através de Criatividade Combinatorial e Mistura Conceitual, chegar a obras de arte que podem ser consideradas originais.

Nesse sentido já existem filmes escritos por IAs, IAs que estudaram Rembrandt e recriaram quadros no seu estilo, e IAs que escrevem artigos noticiosos.

Quadro original no estilo de Rembrandt pintado por uma IA
Considerações 

Poderão ter reparado numa coisa interessante, nem que não seja porque eu estive sempre a repeti-la.

Todas estas áreas que representam os principais desafios ao desenvolvimento de IAs, e as soluções encontradas para as resolver simulam processos cognitivos humanos.

Mas de que maneira devem simular esses processos cognitivos? Será que devem basear-se mais na Neurologia (como nas Redes Neurais Artificiais)? Ou será que devem basear-se na Psicologia (como na Ontologia de Conceitos de Representação de Conhecimento)?

E quem é que diz que as IAs têm sequer de simular processos cognitivos humanos? Será que a biologia humana é tão irrelevante para a IA como a biologia dos pássaros é irrelevante para a aeronáutica?

Será que existem maneiras de executar estas mesmas tarefas que não têm nada a ver com a maneira como acontecem dentro do nosso cérebro? A evolução e a biologia são capazes de soluções espantosas, mas isso não quer dizer que sejam as mais eficientes.


Adicionalmente, por muito impressionantes que sejam (e são) as IAs de que eu estive a falar, não são mais conscientes do que a sua calculadora.

Porque, não nos esqueçamos, o título deste artigo é "O que é a Consciência Artificial" e não "O que é a Inteligência Artificial". O que nos interessa é a Consciência.

"Inteligência" tem a tendência para se confundir com "Consciência" no nosso vocabulário normal, mas a verdade é que a Inteligência é só uma das muitas ferramentas que constroem uma Consciência.


E estas IAs de que aqui estivemos a falar não são mais do que isso. Ferramentas.

Não nos interessa o martelo, ou o mecanismo que produz a Pareidolia, interessa-nos a entidade introspectiva, senciente, com sentido de EU, que os usa.

Para perceber se essa Consciência pode de facto existir não percam a Parte II - Fantasma dentro da Máquina.


Ps: eu sei que estou a fazer uma sobre-simplificação gigantesca de um tema incrivelmente profundo e complexo, que mal estou a arranhar a superfície. Mas senti que preferia dar-vos uma versão compreensível e muito geral do tema, e não perder-me em detalhes de informática e programação que seriam densos e nos quais eu faria (ainda) mais incorrecções.
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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sail us to the moon

''I sail to the moon, I spoke too soon
And how much did it cost,
I was dropped from the moonbeam
And sailed on shooting stars''
 - Radiohead -

O Sol.


Através de reacções termonucleares, o Sol produz mais energia numa hora, do que a humanidade utiliza num ano. E estimula a nossa imaginação desde há milénios.


A luz do Sol (toda a luz, aliás toda a radiação) exerce ''pressão'', literalmente, empurra as coisas em que incide. Não me refiro a ''ventos solares'', que são um fenómeno à parte.

Quero dizer que a luz do sol faz ''pressão'' (embora insignificante) contra o nosso protector solar.

Há propostas para aproveitar este efeito através da construção de um veículo espacial que funciona sem combustível (!). Veículos muito leves (e se tivermos em conta que no espaço não há atrito), podem aproveitar a pressão que a radiação solar exerce, para ganhar cada vez mais velocidade.


Um ''vela solar''. Neste momento há uma a orbitar a Terra, lançada pela Planetary Society de Bill Nye.
The science guy.


Em 2010, os Japoneses lançaram o projecto IKAROS, e tornaram-se os primeiros a demonstrar que uma vela solar pode fazer viagens interplanetárias. Neste momento, a vela está em órbita à volta do Sol.


Esta ideia das velas solares traz nostalgia de uma época perdida, em que ainda não se conheciam os cantos ao planeta terra, e os homens embarcavam para viver aventuras em terras distantes.
Scurvy and plunder, ahoy mateys!).


As velas solares são Caravelas que um dia podem vir a viajar até ao sistema solar exterior, ou mesmo ser os primeiros veículos a fazer uma travessia interstelar. No artigo deste link, é proposta uma vela solar do tamanho do estado americano do Texas, para chegar a Alpha Centauri. Neste caso uma Nau enorme, e não apenas uma Caravela.

Uma Nau. Do latim Navis, ou Nave - O termo que se usava na idade média.


Na época dos descobrimentos os smartphones ainda não tinham GPS, o que tornava difícil saber para onde se estava a dirigir a Nau. Na altura, usava-se esta ''novidade'':


Um astrolábio. Definido pelo Oxford English Dictionary como derivado do grego astrolabos, ou literalmente: ''Star-taker''. Uma má tradução poderia ser ''apanhador de estrelas''. Foi trazido pelos Árabes para a Europa, mas foi inventado cerca de 150 AC, possivelmente por Hiparco, um matemático em Alexandria. O instrumento que iria desempenhar um papel essencial na descoberta do ''novo mundo'', foi inventado mais de 1500 anos antes de Colombo.

(O Gerard Depardieu tem um nariz maior que o meu.)

Outra coisa útil aos navegadores, que é atribuída a Hiparco, é a Esfera Armilar.


A esfera armilar representava, entre outras coisas, o trajecto aparente do Sol e dos planetas ao longo de um plano mais ou menos definido, a eclíptica.

Sim, isso que estão a pensar. A bola amarela na bandeira portuguesa foi inventada por Hiparco (ou um amigo Erastotenes), 150 anos antes de Cristo, colocada na bandeira de portugal porque foi usada pelos navegadores para estudarem o trajecto dos astros, e acabou a adornar as varandas de metade do país, de dois em dois anos, quando há competições internacionais das selecções de futebol.


Há quinhentos anos, Vasco da Gama e Cristóvão Colombo apontavam os seus astrolábios às estrelas para calcular latitudes e triangular a posição das naus que comandavam. Provavelmente estavam longe de imaginar que um dia, quinhentos anos depois, a humanidade estivesse a ponderar enviar naves ''à vela'', para tentar viajar até às mesmas estrelas a que apontavam os seus rudimentares ''apanhadores de estrelas''.

(O novo StarTrek está em exibição às 21:30h no meu Centro Comercial)

O que quero dizer, é que as coisas começam assim. O Bill Nye a fundar uma empresa para lançar uma losango de papel de alumínio a orbitar a Terra pode não parecer nada de especial. 

Mas sem o Hiparco a inventar o astrolábio e a esfera armilar, o Vasco da Gama e o Colombo nunca teriam sido Centros Comerciais. 

Era o Fórum Carnide e o Fórum Parque das Nações.

E não sei se ia ver o novo Star Trek ao Fórum Carnide. 

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pokemon Go - este jogo não é para velhos

Memórias de infância? Conflitos geracionais? Pokémons? Fenómenos culturais? 

Vamos falar sobre isso.



A não ser que tenham estado a viver numa caverna durante os últimos meses, é impossível não terem reparado que agora há uma coisa chamada Pokémon Go.

De certeza que já viram pessoas nas ruas a olharem para o smartphone, em grupos, intensamente à procura de monstrinhos virtuais.

Provavelmente até se riram deles.

Não são os únicos.


As críticas ao Pokemon abundam, e não são difíceis de encontrar.

Esta é uma frase real que encontrei no meu feed de Facebook durante as últimas semanas:
"O Kadhafi já dizia que não era necessário terrorismo, pois em 2 gerações os muçulmanos seriam mais que os cristãos. E a sociedade ocidental anda é preocupada com pokemons."
Ou então esta:
"Enquanto uns andam à caça de Pokémons,na Nigéria 250 mil crianças estão à beira de morrer de fome."
Então e que tal esta:
"... é um mero divertimento de carácter inferior, que rouba a mente de tempo valioso que podia ser dedicado a aquisições mais nobres"
Ah, não, esperem. Enganei-me.

Esta última é de uma revista americana de 1859, acerca de Xadrez.


Mas pronto, eu compreendo, também sou um snob rabugento.
Compreendo o impulso de criticar estas coisas das pessoas novas, com os seus pokemons, e smartphones, e pods e tablets e twitters e interwebs, electricidade e carruagens sem cavalos.

Compreendo que para muita gente (habitualmente mais velha) seja estranho de repente, quase de um dia para o outro, ver multidões de gente obcecada com apanhar monstrinhos digitais.

O que têm de compreender (caso não fosse já óbvio o suficiente) é o seguinte: os Pokémons já andam por cá há muito tempo.


O Pokémon surgiu pela primeira vez como um jogo para o Game Boy em 1995, criado por Satoshi Tajiri e lançado pela Nintendo.

Satoshi Tajiri inspirou-se no seu hobby de infância de coleccionar insectos para criar o jogo que incorpora duas mecânicas extremamente apelativas.

A primeira é a do coleccionismo.

Coleccionar coisas é satisfatório. Tentar completar uma colecção, encontrar items raros, trocá-los com outras pessoas que também coleccionam, construir ligações emocionais a items que por um motivo ou outro se tornam especiais, todas estas coisas são muito apelativas, divertidas e satisfatórias.

Depois, sobre essa vertente do coleccionismo, o Pokémon adiciona a componente de poder jogar com as coisas que se coleccionou.

É possível personalizar e evoluir os items que se coleccionaram, que funcionam como peças num complexo puzzle de pedra-papel-tesoura que se joga contra outros coleccionadores.

Ou seja, o Pokémon pega em duas componentes essenciais dos hobbys mais populares de sempre (coleccionar e jogar), e combina-as para construir um super-hobby que se torna exponencialmente mais apelativo e divertido.


Isso explica o enorme sucesso e popularidade que teve desde o seu início.

Rapidamente surgiram mais jogos (muitos), uma série animada, filmes, bandas desenhadas e inclusive jogos de cartas.




 A série animada estreou em 1997, e é a quinta série de animação mais duradoura de sempre. Os jogos tinham vendido 200 milhões de cópias (em 2010).

O Pokémon é a segunda franchise de media baseada num jogo de computador mais lucrativa do mundo, ficando apenas atrás do Super Mario.

Em maio de 2016 o Pokémon tinha lucros globais acumulados de 46,2 BILIÕES de dólares.


Curiosamente, eu nunca joguei Pokémon, nunca vi as séries animadas. Sou um late-bloomer nesse aspecto.

Isso não fez diferença nenhuma. Os Pokémons tornaram-se tão populares, tão prevalentes durante a minha infância e adolescência, infiltraram de tal maneira a cultura da minha geração, que eu sabia tudo o que precisava de saber acerca de Pokémons só por osmose.

E este é o fulcro da questão. Os Pokémons, pelos motivos que expliquei acima, marcaram a geração de crianças que cresceu entre 1995 e 2005.

Em Julho de 2016, a Niantic, em colaboração com a Nintendo, lança um novo jogo de Pokémons, para smartphones. Com o Pokémon Go, é possível andar pela rua a apanhar Pokémons e a lutar contra outros jogadores, na melhor transposição possível das mecânicas do jogo para a vida real.

É de espantar que essa geração de crianças de 1995-2005, agora com mais 20 anos em cima, tenha enlouquecido com isto?


A Apple Inc. anunciou que o Pokémon Go foi a aplicação com mais downloads na primeira semana de sempre. As pessoas estão a usar o Pokémon Go mais do que usam o Facebook, o Twitter, o Snapchat o Tinder ou o Instagram.

Pouco mais de um mês depois de ser lançado, o Pokémon Go já foi downloaded mais de 100 milhões de vezes e tem lucros diários que superam os 10 milhões de dólares.

Portanto, como eu disse, só se estiverem a viver numa gruta é que não se aperceberam que o Pokémon Go anda por aí.


Até eu, snob rabugento, comecei a jogar Pokémon Go.

E sabem que mais?

É DIVERTIDO!!!

É divertido coleccionar monstrinhos digitais, é entusiasmante andar a passear de um lado para o outro de Poké Stop em Poké Stop para apanhar Poké Balls, é desafiante tentar fazer uma curve ball para apanhar um Pokémon de maneira estilosa.

As Poké Stops e os Poké Gyms estão sempre em lugares específicos, e já prestei atenção a mais grafittis artísticos, monumentos e arquitectura em Lisboa desde que estou a jogar, do que nos anos todos antes.

Há uma satisfação muito específica em cruzar-me com outras pessoas na rua que também estão a caçar Pokémons.

A sensação de pertença e comunidade é intensa. É toda uma geração que se entusiasmou imenso com um jogo e um desenho animado, que agora, na idade adulta se reúne de novo para se divertir com essas coisas em conjunto.

É um fenónemo cultural e artístico único, numa escala sem precedentes, que difícilmente poderia ter ocorrido de outra forma, com outro meio ou com outro conteúdo.


Este fim de semana que passou participei numa das coisas mais estranhas da minha vida.

Em Faro, o Manga & Comic Event organizou para a sua after-party uma Festa de Pokemon Go.

Houve 3 Lure Modules a funcionar simultâneamente durante várias horas, música electrónica inspirada em temas de video-jogos, e muita, muita gente com o telemóvel de fora.

A festa foi no parque, estava uma noite quente de verão muito agradável, a música era excelente, e estava toda a gente a apanhar Pokemons enquanto dançavam.

Quando foi a última vez que foram a uma festa de um jogo? A uma festa motivada por uma aplicação de telemóvel?

Foi fantástico sentir que estava rodeado por pessoas com os mesmos interesses que eu, que se entusiasmavam com as mesmas coisas que eu. Pessoas da mesma geração, a divertirem-se todas com a mesma coisa.

A determinada altura apareceu um Pikachu! Toda a gente em simultâneo entrou em histeria, todos a partilharem o mesmo entusiasmo e mesma satisfação de forma sincronizada.

Nunca me diverti tanto numa festa!


Pokémon Go é só mais um jogo. A sua popularidade já está a diminuir.
É mesmo assim, a Internet é inconstante e caprichosa.

Mas ao mesmo tempo é representativo de um fenómeno geracional. Representa uma comunidade invisível conectada por laços culturais que subitamente foi posta debaixo de um foco de atenção.

E essa comunidade, essa geração, representa os novos adultos que agora têm a oportunidade de decidir o que isso significa.

Faço minhas as palavras do meu amigo David:
E aquela moda das pessoas criticarem modas? Já vi mais posts de anedotas sobre apanhar pokémons, do que posts sobre apanhar pokémons. "No meu tempo apanhava-se era grilos".
E então? Agora só vêem a bola ou a novela?
Eu também cheguei a apanhar grilos e gafanhotos nos montes da escola. Também tive esse tempo em que não havia telemóveis sequer.
No entanto, amanhã faço 30 anos e ainda hoje apanhei um Caterpie.
Ainda hoje falei com o meu irmão mais velho que me perguntou quantos já tinha apanhado, e me disse que os poké stops se renovam de 5 em 5 minutos. Assim falávamos sobre videojogos e assim falamos sobre pokémons. Algo, que já existe há 20 anos. 20 anos.
Sim, há uma febre global desde o lançamento desta versão. Mas vejam pelo lado positivo: as pessoas estão a levantar-se do sofá e a sair para a rua.
Pessoas de todas as idades.
Estão a deixar de fazer exatamente aquilo pelo qual eram criticadas ainda ontem.
Por isso, deixem de reclamar só por reclamar. Velhos do restelo.
Isto da realidade aumentada é só mais uma das coisas que foi inventada há uns anos e agora toda a gente usa.
Como os telemóveis.
Instalem a app. É grátis.
Ou não instalem. Ninguém quer saber.

Entretanto, já passou da meia-noite.
Já tenho 30 anos. E preciso de mais poké bolas
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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

It's a fiddle! - Castelos de Cartas

''A Con Man always stands behind good intentions''
- unknown -


Na semana passada, tentei ilustrar os mecanismos narrativos que podem colocar uma audiência a identificar-se com anti heróis, quando estes são protagonistas numa história. Mesmo quando eles cometem atos de violência difíceis de justificar moralmente, mas que pragmaticamente podem fazer sentido, dado o contexto.

Acho que este cartoon do webcomic saturday morning breakfast cereal ilustra bem o que estava a tentar dizer. Apesar de não ser um fenómeno novo, nota-se um acentuar da tendência para que o público mostre um certo cansaço de narrativas lineares e simples do bem contra o mal.

Se calhar é por isso que o superhomem tem andado à porrada com batman ultimamente, o capitão américa quer partir a cara do homem de ferro, e o último blockbuster de Verão foi buscar os protagonistas todos a várias prisões.


A intenção era passar pelo lado mais extremo do espectro.

Comparados com os assassinos que falei a semana passada, estes que vou falar hoje parecem ilusionistas em festas de aniversário de crianças. Admito, ilusionistas que estão a estudar a casa para voltarem à noite e roubarem os eletrodomésticos, mas o mundo não é perfeito.


Con men. Confidence artists. Uma má tradução seria um artesão de confiança. Alguém que ''fabrica'' a nossa confiança, que depois nós lhe entregamos. Não nos roubam a confiança, até porque isso é impossível.

Nós entregamos a nossa confiança livremente ao confidence artist, e muitas vezes o burlado acaba a interacção com o burlão a acreditar que lhe fizeram um favor generoso.

É mais fácil enganar toda a gente quando temos uma figura afável. Não foi só nos EUA que os burlões capturaram a imaginação da cultura popular. E, nesta situação, não era caso para menos.


Muita gente se lembra desta velhinha simpática que não tinha a quarta classe, mas que nos anos oitenta enganou toda a gente. Os jornais diziam que ela era tão boa gestora que devia substituir o ministro da economia. Uma velhinha afectiva que era uma verdadeira máquina a gerir/investir. Prometia juros astronómicos para atrair depositantes... Para ajudar os pobres, segundo a própria. O problema é que pagava esses juros com o dinheiro dos novos depositantes.


A explosão do volume de negócios da ''Banqueira do Povo'' que as reportagens do jornal Tal e Qual provocaram, acabaram por levar à sua desgraça. Os esquemas em pirâmide, (uma variação de ''ponzi scheme''), dependem de novos depositantes para manter os juros elevados que foram prometidos aos antigos depositantes. À primeira vista, mais depositantes poderia parecer bom, mais dinheiro. Mas se a base da pirâmide se alargar demasiado depressa, a dada altura vai ser impossível pagar juros aos novos depositantes, porque o crescimento exponencial permanente de depositantes é impossível.



Um ponzi scheme é inerentemente um castelo de cartas. Vai cair, é uma questão de tempo, e de quão forte sopra o vento. O ministro da economia veio à televisão avisar a população. No dia seguinte, houve uma corrida aos levantamentos nos escritórios da Dona Branca. Havia sacos de dinheiro espalhados por toda a parte... Não havia registos de quase nada. Ela fazia as contas e a gestão do dinheiro de cabeça... Isto foi em 1984.


A SIC dedicou-lhe um ''perdidos e achados'', se tiverem interesse.

Eu sei que a Dona Branca prejudicou muita gente e estava envolvida com criminosos da pior espécie. Mas era uma mulher simples, que enganou com talento e arte durante uma época em que as mulheres serviam para ter filhos e limpar a casa, não tinham direito de voto, e era socialmente aceite serem agredidas regularmente pelos maridos. Neste contexto, o facto de uma agiota clandestina conseguir ser percepcionada como uma avózinha preocupada com os pobres, ganhou-lhe um lugar permanente no imaginário do povo português.

Esta narrativa gerou empatia. Deu uma telenovela, ''A Banqueira do Povo'' com Eunice Munoz.


A Dona Branca foi condenada a 10 anos de cadeia por burla agravada, esteve presa 5, saiu por estado de saúde débil. Morreu na miséria e 5 pessoas compareceram ao funeral.

''A Banqueira do Povo'' teve o que merecia? Talvez.

Será que aconteceu o mesmo ao ''Dono disto tudo''?


Esta narrativa é diferente. Não consigo empatizar com este burlão. Não sei porquê. Talvez porque as notícias sobre as opiniões dele são um pouco diferentes de ''Só quero ajudar os pobres''.


Yep. Ele manifesta menos caridade, e mais arrogância. Um pouco porque pode. Ou podia. A narrativa dele é que o povo português é preguiçoso, e vive à sombra do estado.

Em que cadeia está preso este senhor? Pois. Pagou uma multa.
É que vender ''papel comercial'' de uma instituição bancária (que esconde há meses que está falida) que não vale um caracol, como tendo ''capital e juros garantidos'' não é burla, aparentemente.

São 'actos dolosos de gestão danosa'. Que por acaso custaram 16 biliões de euros, incluindo 5 biliões pagos pelo estado português.

Portanto, Ricardo Salgado, que é da opinião que os portugueses são preguiçosos e gostam é de subsídios, precisou de 5 biliões de euros do estado, para não colocar em risco os depósitos dos seus clientes.

Os outros ''preguiçosos'' que investiram as poupanças em papel comercial fizeram festas para celebrar os dividendos do investimento com ''capital e juros garantidos''.


Se a ironia matasse... Estou em pulgas para saber como vai o casting para a novela baseada na vida deste senhor.

Anyway, let bygone be bygones. Até porque Ricardo Salgado não é o melhor que o Portugal contemporâneo tem para oferecer em termos de burla.

Esse prémio vai para os cientistas que inventaram as Mamografias por Satélite.

Em 2002, na vila de Messines, no Algarve, dezenas de mulheres receberam chamadas de uma ''médica'' a anunciar uma nova tecnologia que permitia fazer mamografias à distância, por satélite. A ''médica'' aconselhou mais de 40 mulheres a dirigirem-se a janelas, varandas, quintais, descampados, e a exporem e massajarem os seios, de maneira a que o satélite conseguisse apanhar imagens nítidas.

Isto aconteceu novamente em Loures, mais recentemente. I shit you not.

Para a semana, violinos, finalmente! :) Conseguem ouvi-los?

Cuidado com os satélites que eles andam por aí!
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