Pataniscas Satânicas

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pokemon Go - este jogo não é para velhos

Memórias de infância? Conflitos geracionais? Pokémons? Fenómenos culturais? 

Vamos falar sobre isso.



A não ser que tenham estado a viver numa caverna durante os últimos meses, é impossível não terem reparado que agora há uma coisa chamada Pokémon Go.

De certeza que já viram pessoas nas ruas a olharem para o smartphone, em grupos, intensamente à procura de monstrinhos virtuais.

Provavelmente até se riram deles.

Não são os únicos.


As críticas ao Pokemon abundam, e não são difíceis de encontrar.

Esta é uma frase real que encontrei no meu feed de Facebook durante as últimas semanas:
"O Kadhafi já dizia que não era necessário terrorismo, pois em 2 gerações os muçulmanos seriam mais que os cristãos. E a sociedade ocidental anda é preocupada com pokemons."
Ou então esta:
"Enquanto uns andam à caça de Pokémons,na Nigéria 250 mil crianças estão à beira de morrer de fome."
Então e que tal esta:
"... é um mero divertimento de carácter inferior, que rouba a mente de tempo valioso que podia ser dedicado a aquisições mais nobres"
Ah, não, esperem. Enganei-me.

Esta última é de uma revista americana de 1859, acerca de Xadrez.


Mas pronto, eu compreendo, também sou um snob rabugento.
Compreendo o impulso de criticar estas coisas das pessoas novas, com os seus pokemons, e smartphones, e pods e tablets e twitters e interwebs, electricidade e carruagens sem cavalos.

Compreendo que para muita gente (habitualmente mais velha) seja estranho de repente, quase de um dia para o outro, ver multidões de gente obcecada com apanhar monstrinhos digitais.

O que têm de compreender (caso não fosse já óbvio o suficiente) é o seguinte: os Pokémons já andam por cá há muito tempo.


O Pokémon surgiu pela primeira vez como um jogo para o Game Boy em 1995, criado por Satoshi Tajiri e lançado pela Nintendo.

Satoshi Tajiri inspirou-se no seu hobby de infância de coleccionar insectos para criar o jogo que incorpora duas mecânicas extremamente apelativas.

A primeira é a do coleccionismo.

Coleccionar coisas é satisfatório. Tentar completar uma colecção, encontrar items raros, trocá-los com outras pessoas que também coleccionam, construir ligações emocionais a items que por um motivo ou outro se tornam especiais, todas estas coisas são muito apelativas, divertidas e satisfatórias.

Depois, sobre essa vertente do coleccionismo, o Pokémon adiciona a componente de poder jogar com as coisas que se coleccionou.

É possível personalizar e evoluir os items que se coleccionaram, que funcionam como peças num complexo puzzle de pedra-papel-tesoura que se joga contra outros coleccionadores.

Ou seja, o Pokémon pega em duas componentes essenciais dos hobbys mais populares de sempre (coleccionar e jogar), e combina-as para construir um super-hobby que se torna exponencialmente mais apelativo e divertido.


Isso explica o enorme sucesso e popularidade que teve desde o seu início.

Rapidamente surgiram mais jogos (muitos), uma série animada, filmes, bandas desenhadas e inclusive jogos de cartas.




 A série animada estreou em 1997, e é a quinta série de animação mais duradoura de sempre. Os jogos tinham vendido 200 milhões de cópias (em 2010).

O Pokémon é a segunda franchise de media baseada num jogo de computador mais lucrativa do mundo, ficando apenas atrás do Super Mario.

Em maio de 2016 o Pokémon tinha lucros globais acumulados de 46,2 BILIÕES de dólares.


Curiosamente, eu nunca joguei Pokémon, nunca vi as séries animadas. Sou um late-bloomer nesse aspecto.

Isso não fez diferença nenhuma. Os Pokémons tornaram-se tão populares, tão prevalentes durante a minha infância e adolescência, infiltraram de tal maneira a cultura da minha geração, que eu sabia tudo o que precisava de saber acerca de Pokémons só por osmose.

E este é o fulcro da questão. Os Pokémons, pelos motivos que expliquei acima, marcaram a geração de crianças que cresceu entre 1995 e 2005.

Em Julho de 2016, a Niantic, em colaboração com a Nintendo, lança um novo jogo de Pokémons, para smartphones. Com o Pokémon Go, é possível andar pela rua a apanhar Pokémons e a lutar contra outros jogadores, na melhor transposição possível das mecânicas do jogo para a vida real.

É de espantar que essa geração de crianças de 1995-2005, agora com mais 20 anos em cima, tenha enlouquecido com isto?


A Apple Inc. anunciou que o Pokémon Go foi a aplicação com mais downloads na primeira semana de sempre. As pessoas estão a usar o Pokémon Go mais do que usam o Facebook, o Twitter, o Snapchat o Tinder ou o Instagram.

Pouco mais de um mês depois de ser lançado, o Pokémon Go já foi downloaded mais de 100 milhões de vezes e tem lucros diários que superam os 10 milhões de dólares.

Portanto, como eu disse, só se estiverem a viver numa gruta é que não se aperceberam que o Pokémon Go anda por aí.


Até eu, snob rabugento, comecei a jogar Pokémon Go.

E sabem que mais?

É DIVERTIDO!!!

É divertido coleccionar monstrinhos digitais, é entusiasmante andar a passear de um lado para o outro de Poké Stop em Poké Stop para apanhar Poké Balls, é desafiante tentar fazer uma curve ball para apanhar um Pokémon de maneira estilosa.

As Poké Stops e os Poké Gyms estão sempre em lugares específicos, e já prestei atenção a mais grafittis artísticos, monumentos e arquitectura em Lisboa desde que estou a jogar, do que nos anos todos antes.

Há uma satisfação muito específica em cruzar-me com outras pessoas na rua que também estão a caçar Pokémons.

A sensação de pertença e comunidade é intensa. É toda uma geração que se entusiasmou imenso com um jogo e um desenho animado, que agora, na idade adulta se reúne de novo para se divertir com essas coisas em conjunto.

É um fenónemo cultural e artístico único, numa escala sem precedentes, que difícilmente poderia ter ocorrido de outra forma, com outro meio ou com outro conteúdo.


Este fim de semana que passou participei numa das coisas mais estranhas da minha vida.

Em Faro, o Manga & Comic Event organizou para a sua after-party uma Festa de Pokemon Go.

Houve 3 Lure Modules a funcionar simultâneamente durante várias horas, música electrónica inspirada em temas de video-jogos, e muita, muita gente com o telemóvel de fora.

A festa foi no parque, estava uma noite quente de verão muito agradável, a música era excelente, e estava toda a gente a apanhar Pokemons enquanto dançavam.

Quando foi a última vez que foram a uma festa de um jogo? A uma festa motivada por uma aplicação de telemóvel?

Foi fantástico sentir que estava rodeado por pessoas com os mesmos interesses que eu, que se entusiasmavam com as mesmas coisas que eu. Pessoas da mesma geração, a divertirem-se todas com a mesma coisa.

A determinada altura apareceu um Pikachu! Toda a gente em simultâneo entrou em histeria, todos a partilharem o mesmo entusiasmo e mesma satisfação de forma sincronizada.

Nunca me diverti tanto numa festa!


Pokémon Go é só mais um jogo. A sua popularidade já está a diminuir.
É mesmo assim, a Internet é inconstante e caprichosa.

Mas ao mesmo tempo é representativo de um fenómeno geracional. Representa uma comunidade invisível conectada por laços culturais que subitamente foi posta debaixo de um foco de atenção.

E essa comunidade, essa geração, representa os novos adultos que agora têm a oportunidade de decidir o que isso significa.

Faço minhas as palavras do meu amigo David:
E aquela moda das pessoas criticarem modas? Já vi mais posts de anedotas sobre apanhar pokémons, do que posts sobre apanhar pokémons. "No meu tempo apanhava-se era grilos".
E então? Agora só vêem a bola ou a novela?
Eu também cheguei a apanhar grilos e gafanhotos nos montes da escola. Também tive esse tempo em que não havia telemóveis sequer.
No entanto, amanhã faço 30 anos e ainda hoje apanhei um Caterpie.
Ainda hoje falei com o meu irmão mais velho que me perguntou quantos já tinha apanhado, e me disse que os poké stops se renovam de 5 em 5 minutos. Assim falávamos sobre videojogos e assim falamos sobre pokémons. Algo, que já existe há 20 anos. 20 anos.
Sim, há uma febre global desde o lançamento desta versão. Mas vejam pelo lado positivo: as pessoas estão a levantar-se do sofá e a sair para a rua.
Pessoas de todas as idades.
Estão a deixar de fazer exatamente aquilo pelo qual eram criticadas ainda ontem.
Por isso, deixem de reclamar só por reclamar. Velhos do restelo.
Isto da realidade aumentada é só mais uma das coisas que foi inventada há uns anos e agora toda a gente usa.
Como os telemóveis.
Instalem a app. É grátis.
Ou não instalem. Ninguém quer saber.

Entretanto, já passou da meia-noite.
Já tenho 30 anos. E preciso de mais poké bolas

4 comentários:

  1. foste à Manga & Comic Event em faro? eu tive lá numa banca :p parabéns por teres deixado a casmurrice de lado :p só falta agora o futebol XD ahahahha

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    1. Sim, estive lá! Não fazia ideia que estavas lá!
      O futebol vai ser mais difícil, no entanto!

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  2. Não costumo ler blogs, mas este está muito bom. Cresci com Pokémon e o GO é bem divertido, principalmente se tivermos companhia. Ainda só está 10% concluído, ainda está para vir mais.
    Escrevi um artigo sobre as melhores apps para Pokémon Go. Se tiverem interesse segue o endereço:
    http://www.appmarketreview.com/artigos/sugestoes/as-7-melhores-apps-para-pokemon-go-com-novo-mapa/

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    1. Obrigado! Sim, quando implementarem trocas e PvP a coisa vai-se tornar muito mais interessante!
      Vou ver o link!

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