Pataniscas Satânicas

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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Ozymandias

Século 19. A Marinha inglesa é a melhor e mais competente à face da terra e o pilar que sustenta o império britânico. Tal como a superioridade aérea permitiu a hegemonia Americana no século 20, a superioridade naval foi a base do império de sua Majestade no século anterior.

Nenhuma batalha demonstrou melhor a superioridade militar dos britânicos do que a batalha de Trafalgar, quando derrotaram as forças navais napoleónicas, e acabaram com a ameaça de uma invasão militar directa na Grã- Bretanha. Em 1805, trinta e três navios comandados pelo Almirante Horatio Nelson destruíram uma frota de 41, comandados pelo Almirante francês Pierre Charles Villenueve.


Nunca ninguém ouviu falar de Pierre Charles. Mas Lord Nelson, que morreu durante a batalha, contou com o eterno agradecimento de sua Majestade e tem uma estátua no centro de Londres. 
Na Trafalgar Square. Afinal, se não fosse ele, hoje em dia o Francês podia muito bem ser a língua oficial em Inglaterra.

O tamanho da coluna é proporcional à importância da vitória. 

Lord Nelson era veterano de várias batalhas, e não avesso a correr riscos. Num ataque a Tenerife perdeu o braço direito, e um olho numa batalha na Corsega.

Numa altura em que a ortodoxia das batalhas navais exigia que os navios se mantivessem em linhas paralelas, para maximizar a capacidade de concentrar o fogo dos canhões, e coordenar o movimento dos navios, Nelson dividiu a sua frota em duas linhas perpendiculares, e avançou a toda a vela contra os franceses.


Isto permitiu-lhe dividir os navios franceses em 3 grupos, e cercar o grupo do meio. Conseguiu obter uma vitória definitiva, numa época em que muitas batalhas navais acabavam em disputas sangrentas, com ambas as frotas desfeitas e os vencedores muito enfraquecidos.

A mensagem que o seu navio - HMS Victory - passou para o resto da frota antes da batalha, foi imortalizada nos livros de história e na cultura popular.


Além de que serviu de inspiração para as forças armadas (e para os civis) em conflitos posteriores.


No fim da batalha de Trafalgar, Lord Nelson morreu atingido por um atirador furtivo francês. Isto transformou-o num herói nacional instantâneo.

Depois da derrota em Trafalgar, o bloqueio/embargo comercial, surgiu como estratégia de recurso a Napoleão. O embargo não foi eficaz. Três países continuaram com trocas comerciais em grande escala com Inglaterra: Portugal, Espanha e a Rússia. 

Napoleão invadiu esses países como retaliação. Todos nos lembramos como isso correu. 
Cá, e na Rússia.

Portugal foi invadido pelo general francês Jean-Andoche Junot com cerca de 50.000 soldados. Napoleão invadiu a Rússia com mais de 600.000. O exército francês - Le Grand Armée - era o exército terrestre mais poderoso e eficaz do mundo.


Lisboa foi ocupada por Junot em 1807 (o Rei fugiu para o Brasil), e Moscovo foi ocupada por Napoleão em 1812. Os Portugueses revoltaram-se nos anos a seguir e expulsaram os Franceses com o apoio do general Inglês Wellington (o mesmo que iria acabar com todas as esperanças de Napoleão em Waterloo). Os Russos... Incendiaram a cidade de Moscovo e deixaram cinzas e gelo para Napoleão passar o Inverno. Ganharam a guerra depois de derrotados no campo de batalha. 

Se Napoleão fosse esperto, tinha evitado ir passar o Inverno à Rússia.


Se Napoleão fosse esperto, sabia que ninguém se mete com a marinha Inglesa.


Mas talvez a memória histórica do Inverno russo e a marinha inglesa tenha sido moldada pelas derrotas infligidas a Napoleão. 

Talvez Napoleão tenha perdido a guerra porque declarou guerra a demasiada gente. Talvez a Europa fosse demasiado grande e com demasiados povos, para aceitar um Imperador.

Não interessa. Não interessa mesmo.

Anos antes, em 1798, durante as campanhas Napoleónicas no Egipto, os soldados de Napoleão encontraram um fragmento de uma estátua enterrada na areia, do maior e mais poderoso faraó que o Egipto conheceu - Ramesses II. As suas campanhas militares e obras arquitectónicas foram reconhecidas pela história como impressionantes. Os seus exércitos de cerca de 100.000 soldados, tornavam o Egipto numa das maiores potências militar da época.


Os Franceses tentaram transportar a Estátua para França, mas pesava várias toneladas, e não conseguiram.

Depois da derrota de Napoleão em Waterloo (1815), os Ingleses começaram a tentar obter a Estátua de Ramesses II. Contrataram o Indiana Jones da época, um aventureiro chamado Geovanni Belzoni, que conseguiu enviar a estátua de 7 toneladas para Londres. Ainda hoje em 2016, podemos ver Ramesses II numa das alas do British Museum.

O buraco no peito, à direita, foi feito pelos homens de Napoleão, que tentaram arrancar a estátua às areias do Egipto

No ano em que o British Museum anunciou a chegada da estátua, um poeta - Percy Shelley- escreveu um poema que tinha como título o nome grego de Ramesses II - Ozymandias.

''I met a traveller from an antique land,
Who said: Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them, on the sand,
Half sunk, a shattered visage lies, whose frown,
And wrinkled lip, and sneer of cold command,
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
The hand that mocked them and the heart that fed:
And on the pedestal these words appear:
'My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye Mighty, and despair!'
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare
The lone and level sands stretch far away.''


(trad)
Conheci um viajante de uma terra antiga
Que disse:—Duas gigantescas pernas de pedra sem torso
Erguem-se no deserto. Perto delas na areia,
Meio afundado, jaz um rosto partido, cuja expressão
Lábios franzidos em escárnio e comando frio
Dizem que seu escultor bem aquelas paixões leu
Que ainda sobrevivem, estampadas nessas coisas sem vida,
A mão que os zombava e o coração que os alimentava.
E no pedestal estas palavras aparecem:
"Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!"
Nada resta: junto à decadência
Das ruínas colossais, ilimitadas e nuas
As areias planas e solitárias estendem-se na distância.

Todas as conquistas de Ramesses II reduzidas a cacos dispersos na areia a serem pilhados por exércitos 3000 anos depois. O tempo arrasa todos os Impérios. Ramesses, Napoleão, o Rei George III, memórias distantes metidas em livros cobertos de pó.

Mas a cultura... os memes, as ideias... essas coisas têm uma maneira de sobreviver, de se aperfeiçoar, de inspirar outros seres humanos a produzirem cultura. De reaparecer quando menos esperamos. 


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