Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Manhãs Ascetas e Noites de Prazer

Gosto de manhã. Não gosto de sair da cama, mas depois de sair já não voltava atrás.

Gosto de andar pela rua enquanto está, como o meu avô dizia, ''fresco''.

Lembro-me de há poucos anos, gostar da noite. A noite era expectativa de um ambiente diferente, novo, eventualmente pessoas novas. Coisas novas.
Há menos coisas novas pelo ''fresco'' da manhã. Há mais calma. Expectativa também, e planificação. ''Tenho que me ir deitar, tenho muitas coisas para fazer amanhã.'' Temos que acordar cedo porque há coisas importantes e oficiais que acontecem de manhã.

Talvez seja que é por isso que os adolescentes gostam da noite. A noite tem maior expectativa de entretenimento, mais potencial para novidade, é mais excitante.
Uma faixa etária jovem o suficiente para não ter responsabilidades de adultos, como trabalhar, mas que já têm acesso à maior parte dos prazeres e divertimentos.
Não parece estranho que essa faixa etária prefira a noite, e a molécula do prazer, a dopamina.

A noite é da dopamina. 

Alguns receptores de dopamina estão muito ligados ao mecanismo do comportamento motivado pela recompensa. Outros geram um efeito pró-social e melhoram o humor. Muitas substâncias aditivas (drogas) fazem efeito por aumento da actividade dopaminérgica neuronal. Outras alteram-no.



Por exemplo, há pessoas com potencial dopaminérgico para responder de maneira diferente ao álcool. Isso pode fazer com que seja mais provável que se tornem alcoólicos.      (resumo do artigo em Português)

A vida de alguém pode ser completamente diferente, porque o seu cérebro responde de maneira azarada ao álcool...
E ainda hoje o alcoolismo é visto como uma falha moral, que pode dever-se a uma personalidade predisposta, com uma resposta dopaminérgica diferente ao álcool. Azar.


Estas pessoas não estão a tomar o pequeno almoço...

Vocês já viram a dopamina a funcionar... está em cada conversa pontuada por gargalhadas gerais, em cada grito de excitação que se ouve perto de locais de entretenimento nocturno. Está em cada grupo da amigos a cantar no restaurante, depois de alguns copos.
A falta dela está em cada manhã que acordamos surpreendidos connosco próprios, pelos comportamentos que tivemos na noite anterior. Mais uma dor de cabeça jeitosa e aversão a sons estridentes.

À noite tentamos gerar dopamina, gerar recompensa, prazer. A dopamina guia o comportamento exploratório em ambientes novos. A dopamina orienta o ''novelty seeking behaviour'', e está também ligada ao humor, e a falta dela está ligada a depressão.

Acho isto interessante, porque sublinha a importância de aprendermos a divertir-nos. É importante sabermos do que gostamos, do que nos dá prazer. É importante aprendermos a relacionar-nos com a libertação de dopamina no nosso cérebro. Porque a vida não é só trabalho, e o trabalho é melhor desempenhado por pessoas equilibradas. Que descansam, e se divertem.

Para fundamentar isto, fui à procura de algum alguma coisa que ligue a produtividade ao descanso, e demorei 60 segundos a encontrar.  Aparentemente a produtividade sobe depois das férias.

Olha um estudo científico a relacionar o descanso com maior capacidade de concentração.

Olha uma empresa que deixou cada empregado tirar as férias que bem entendesse, e teve um aumento enorme de produtividade.

Olha um artigo de uma revista económica a dizer a mesma coisa.

This stuff is everywhere...

Sei que o assunto está longe de ser resolvido, que os artigos são americanos, que a nossa realidade pode ser diferente.

Mas acho que vale a pena perguntar se faz sentido colocar a população a tirar menos férias, com maus contratos, baixos salários e corte efectivo de dias feriados, se for verdade que isso baixa a produtividade...

Por exemplo, os alemães e os franceses trabalham bem menos que nós. Toda a gente diz que isso acontece porque eles são mais produtivos.
E se não for só a maior produtividade a permitir trabalhar menos?
Será que a maior produtividade Alemã e Francesa tem alguma coisa a ver com eles trabalharem menos horas do que nós? Será que isso é parte da resposta? Será que têm mais motivação para serem mais produtivos?

Porque é que fazemos as coisas que fazemos? Porque é que estamos motivados ou não?
Se vieram aqui directamente do facebook, então sabem o que são imagens motivacionais.


A dopamina não está só ligada ao prazer. Está também ligada à motivação. Fundamentalmente, nós fazemos o que quer que seja, pela expectativa que temos de eventual libertação de dopamina no nosso cérebro. Se o nosso trabalho libertar muita dopamina no nosso cérebro, tanto melhor. Se não for esse o caso, talvez a expectativa de vir para casa ver imagens motivacionais no facebook, seja um motor para nos fazer desempenhar as nossas tarefas laborais de maneira mais eficaz e produtiva.

Mas para isso temos que ter tempo. Tempo de lazer, que nos permita libertar dopamina.

Falta uma peça neste puzzle. Este é o mecanismo que justifica os modernos salários dependentes de objectivos. Se trabalharmos muito e bem, então ganhamos mais dinheiro. Atingimos os nossos objectivos e somos recompensados financeiramente. Pela empresa, chefe, o que seja.

Mas para que é que serve o dinheiro extra? Para pagar contas, comprar coisas, e atingir objectivos materiais. Submeto-vos, o dinheiro serve para obter ferramentas (materiais ou não) que permitam ao nosso cérebro libertar dopamina. De onde é que pensam que vem a sensação agradável de velocidade que um carro novo provoca? Ou o sentimento de conseguirmos manter e ajudar a nossa família a manter-se e desenvolver-se?

Mas não existe nenhuma noite, sem uma manhã seguinte...

A manhã poderá estar mais relacionada com o cortisol, que tem um efeito menos claro sobre o humor, mas que pode também estar relacionado com reforçar comportamentos dirigidos a um objectivo.

O cortisol é a molécula que nos prepara para um dia em cheio! (Juntamente com os corn flakes). Ajuda o corpo a aumentar o açúcar no sangue, diminui a excreção de sódio, aumenta a tensão arterial. Mas também trabalha com a epinefrina para ajudar a criar memórias de curto prazo.

Pensem nos vossos pais a defenderem o trabalho árduo e a debitar aforismos, como ''deitar cedo e cedo erguer''.
Pensem em ir trabalhar de manhã cedo.... No valor da perseverança e dedicação, dos impulsos refreados, do planeamento e do ''subir a pulso''.

As variações do cortisol encaixam no que é a  narrativa moral dos valores ascetas, a valorização profissional, o ''trabalho, trabalho''. O contexto de julgamento moral que nos arranca da cama de manhã. Ou pensavam que era o despertador?

Pensem no governo e na troika a julgar-nos moralmente a tirar-nos férias e feriados. A baixar-nos o salário. Querem o nosso cortisol no máximo, a trabalhar, a pagar impostos, para depois o governo ter dinheiro para fazer o serviço da dívida. Porque, segundo a narrativa da direita, andámos muitos anos a libertar dopamina em regabofe, e agora está na altura de fazer ''sacrifícios''.

A verdade não é dual, é holística. Não temos pessoas exclusivamente trabalhadoras ou preguiçosas. A realidade é mais complexa do que os nossos estereótipos e preconceitos, e toda a gente tem dopamina e cortisol no cérebro. E suspeito que, se queremos aproveitar os nossos picos produtivos de cortisol, é essencial conseguir libertar dopamina no trabalho e ter expectativa de libertação de dopamina, pelo lazer.

Acho que se queremos produzir mais é melhor sabermos divertir-nos mais!

3 comentários:

  1. Não é por acaso que o Cortisol é considerada uma das mais importantes hormonas de stress que existem.
    Um dos seus principais efeitos e uma das suas principais aplicações médicas é o seu efeito imunossupressor.

    É por isso que as pessoas mais stressadas adoecem mais, e é por causa do ciclo circadiano do cortisol que as febres são sempre piores à noite.
    De manhã cedo quando o cortisol aumenta, inibe o sistema imunitário e a febre diminui com o nascer do sol.

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    1. Totalmente verdade. Muitos anos a abusar de hormonas de stress, leva a eventualmente a um dia em que nos agarramos ao peito, e caímos para o lado. E é uma pena perdermos a bonita eulogia que temos direito: ''...homem de família, de trabalho, nunca tirou férias!''

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    2. Os ascetas têm que aprender a moderar o consumo de cortisol, para aprender a saborear a dopamina nocturna, sem se deitarem muito tarde...

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