Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 5 de abril de 2016

But it's haaaaaaaard!

Problemas de matemática? Velhinhas confusas? Factores socio-económicos? Eu a queixar-me de que a vida é difícil?

Vamos falar sobre isso!



Deixem-me explicar-vos porque é que isto é difícil.

Lembram-se de quando estavam no secundário e tinham matemática?

E se pensarmos no assunto, a matemática que nos ensinavam no secundário era razoavelmente complicada (para mim era).
Davam-nos uma quantidade de números letras e gatafunhos de um lado, uma data de incógnitas e fracções e abstracções do outro lado, com um sinal de igual (=) no meio e diziam-nos "Agora provem que estas duas coisas são iguais uma à outra".

Aposto que se eu vos desse uma coisa destas hoje, e vos dissesse "olha, agora resolve esta equação", muitos de vocês iam começar a sentir-se desconfortáveis e a dizer mal de mim entredentes.



E aquilo não era simples (para mim).

Resolver uma daquelas equações mais complicadas dava trabalho, exigia uma ginástica mental que não é a que usamos habitualmente para resolver as coisas do dia-a-dia.
Porque resolver uma dessas equações matemáticas necessitava de uma compreensão muito forte de todas as regras e leis subjacentes.
E eram muitas regras e leis que tinham de estar presentes na nossa cabeça todas ao mesmo tempo para que sequer conseguíssemos começar a resolver o problema. Era preciso memorizá-las.

E cada passo da resolução tinha de estar muito bem pensado. Um erro mínimo num dos passos ia-se repercutir quase imperceptivelmente até que a determinada altura as coisas começavam a não fazer sentido e tínhamos um resultado errado.

Portanto para além de exigir uma compreensão e memorização muito forte de todas as bases, a resolução exigia imensa atenação a cada passo para garantir que não escapava nenhum pormenorzinho e no fim se chegava a um resultado certo.


E às vezes havia equações que necessitavam que se fosse resolver componentes do problema aparte. Lembram-se dessas?

Às vezes durante o processo de resolução do problema matemático chegávamos a uma componente que reconhecíamos como "Ah, isto é a equação daquele grego que inventou os números no ano 500 antes de Cristo! Eu posso resolver isto recorrendo à fórmula daquele italiano do séc XIV que também inventou uma data de números"

E tinham de pegar nessa componente do problema matemático e resolvê-la paralelamente. E muitas vezes essa resolução exigia usarem ferramentas e conhecimentos que nem estavam directamente relacionados com o problema original. Isso para depois poderem pegar no resultado que saísse daí e inseri-lo no problema matemático maior para poderem continuar a resolver esse.
Claro que resolver essa componente implicava o mesmo tipo de compreensão e atenção que tudo o resto. Se houvesse algum erro nessa componente, o resultado que daí saísse ia estragar toda a resolução do problema maior.

Portanto resolver um problema matemático grande exigia um conhecimento sólido das bases, uma atenção tremenda a cada passo e a capacidade de usar ferramentas diferentes em vários componentes simultâneamente, mantendo tudo em mente ao mesmo tempo para não escapar nada.


Agora imaginem que nesse problema matemático, as coisas não funcionavam matematicamente.

Ou seja, imaginem que 1+1 não é obrigatoriamente =2.

Imaginem que 1+1 também pode ser =1,89.

Ou =2,2.

Ou seja, neste problema que estão a tentar resolver, os resultados podem ser variáveis e ainda assim estarem certos, e quando tentam resolver 1+1 o resultado pode ser qualquer coisa entre 1,75 e 2,25.

Mais ainda, quando vos dizem 1, isso pode na realidade significar 0,95. Ou 1,07.
Sabem que 1 pode significar qualquer coisa entre 0,9 e 1,1, mas nunca têm a certeza do valor real.

Ou seja, os dados que vos dão não estão rigorosamente definidos, e os resultados que de lá saem têm uma variabilidade desconhecida mas inevitável.

Portanto imaginem resolver um problema matemático complexo, com imensos componentes diferentes, os quais têm de ser resolvidos todos paralelamente, com uma enorme atenção a cada um para evitar erros que possam estragar o resultado final, recorrendo a várias técnicas e ferramentas diferentes, e usando dados indefinidos e variáveis.


Agora imaginem que a pessoa que vos está a fornecer esses dados indefinidos e variáveis não percebe nada de matemática.

Essa pessoa fornece-vos esses dados de forma desordenada, e pode nem sequer vos dar todos os dados.
E que às vezes confunde 1 com 2 (que lembrem-se, à partida podem significar qualquer coisa entre 0,95 e 1,1 ou 1,95 e 2,1).

Portanto para resolverem o vosso problema têm de perguntar à pessoa "Então, é 1 ou 2?" e a pessoa responde "Acho que é 1" e vocês dizem "Tem a certeza?" e a pessoa responde "Se calhar pode ser 2? Talvez?"

Porque aquilo que vocês entendem como 1 pode não ser o mesmo que a pessoa entende como 1, portanto primeiro têm de se certificar que estão a falar do mesmo 1.

Ah, e a pessoa pode estar a mentir-vos propositadamente! Não nos esqueçamos dessa possibilidade.

Ou seja, os dados que a pessoa que não percebe nada de matemática vos está a dar para vocês resolverem o vosso problema de matemática que não funciona matematicamente, esses dados podem ser influenciados pelas emoções da pessoa.


E as emoções dessa pessoa podem ser influenciadas por tudo: desde a infância dessa pessoa, ao seu fundo cultural, às suas crenças religiosas, se tem família, quantos são, quanto dinheiro tem ou se o governo, por causa do clima económico global, lhe reduziu o salário e ela agora na fábrica onde trabalha tem de usar um capacete que lhe aperta a cabeça porque a Europa mudou as regras de segurança para as fábricas, e essa pessoa tem medo de perder o emprego.

E a melhor maneira de vocês saberem se o 1 dessa pessoa significa o 1 que vocês precisam para resolver o problema, é compreenderem a infância dessa pessoa, e conhecerem crenças religiosas e terem uma noção do clima económico global e das novas regras de segurança nas fábricas.

Agora imaginem que esta pessoa vos está a trazer este problema para vocês resolverem porque ela precisa da solução deste problema para poder viver a sua vida.

Ou seja, que o bem-estar e a qualidade de vida desta pessoa dependem de haver uma solução para o problema. Se não houver uma solução, esta pessoa vai estar em sofrimento emocional e físico, e a pessoa sabe isso, e por isso é que vos trouxe este problema para vocês resolverem.

E está sentada à vossa frente, a olhar para vocês, à espera que resolvam o problema, porque ela vai continuar em sofrimento se não o fizerem.


E agora imaginem que não só a solução tem de estar certa, mas que se estiver errada isso pode estragar ainda mais a vida a essa pessoa.
Não é impossível que, se se enganarem no resultado, esta pessoa MORRA.

Portanto não só é um problema complicado, com base em termos incertos, fornecidos por uma fonte que não é fiável, mas o resultado desse problema tem consequências enormes e potencialmente graves se não estiver certo.

E agora imaginem que a MANEIRA como dão essa solução à pessoa tem influência no resultado do problema.
Não basta chegarem à solução certa, a maneira como explicam a solução pode fazer com que o problema não fique resolvido de todo.

Porque não se esqueçam que esta pessoa não percebe nada de matemática, portanto mesmo que tenham conseguido chegar à solução de 1+1, ainda têm de traduzir o 2 para uma linguagem que a pessoa perceba.

E porque essa pessoa não percebe nada de matemática, se calhar não aceita o 2. Se calhar estava à espera de um 3 ou dava-lhe mais jeito um 4, e vocês têm de a convencer que não, é mesmo mesmo 2.

E não se esqueçam, é possível a pessoa MORRER se fizer o 3 ou o 4. Tem mesmo de ser o 2.
E se não fôr o 2 a culpa é vossa porque não traduziram o 2 de maneira a que a pessoa percebesse.


Agora imagine que a melhor maneira de a pessoa perceber e aceitar a sua solução é você investir emocionalmente nessa solução. Por outro lado um desligamento afectivo e uma abordagem intelectual e fria tem menor probabilidade de sucesso.

Se você conseguir criar um investimento emocional genuíno na solução e na pessoa, aumenta a eficácia da solução. Se você der uma parte de si mesmo, das suas emoções, se empatizar com a pessoa à sua frente, está a aumentar a probabilidade de essa pessoa não morrer.



Portanto.

Imaginem resolver um problema complexo, com imensos componentes diferentes, os quais têm de ser resolvidos todos paralelamente, com uma enorme atenção a cada um para evitar erros que possam estragar o resultado final, recorrendo a várias técnicas e ferramentas diferentes, e usando dados indefinidos e variáveis.
Esses dados são-lhe transmitidos por uma fonte que não compreende o problema e que não é fiável porque está influenciada por uma quantidade inumerável de factores psicológicos, culturais e económicos. Essa fonte não só quer muito uma solução para o problema, como você sabe que a solução para esse problema tem consequências enormes e potencialmente graves na vida dessa fonte.
A fonte do problema, que exige a sua solução, pode não compreender ou aceitar a sua solução, e a melhor de fazer com que isso aconteça é criar um investimento emocional e pessoal no problema.

Agora imaginem que têm 10 minutos para resolver este problema.

20 vezes por dia.

5 dias por semana.

Portanto...


... não me pagam o suficiente para isto.

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