Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Queremos todos pertencer à tribo

O biólogo social Desmond Morris escreveu em 1981 'a tribo do futebol', a propósito da ritualização do jogo chamado 'desporto rei', que dominava o panorama do desporto mundial. O livro centra-se em muitos aspectos que não mudaram muito e continuam actuais.


But we have come a long way since then... 

O futebol serve de veículo para a nossa agressividade, permite-nos expressar rivalidades, modernamente ganha à religião em adeptos e movimenta milhares de milhões. Como o EuroMilhões. E como o EuroMilhões e a religião, o futebol captura os nossos sonhos, manipula as nossas emoções, galvaniza cidades e regiões, eleva homens a heróis nacionais, projecta marcas em mercados internacionais.

A informação cabe no formato 'softnews', 3 jornais diários exclusivamente dedicados ao futebol, nada têm de isento, a tribo está sempre sedenta do continuar da narrativa. A narrativa do futebol, como todas as religiões, trata de uma história do bem contra o mal, moralidade preto e branco.  Os bons somos nós, e todos os adeptos da nossa equipa. Os maus são todos os outros. 


As discussões sobre futebol dividem-se entre discussões técnico tácticas, que interessam a quase ninguém, e a análise de jogos e da narrativa por protagonistas afectos aos vários clubes. Isso é que nos interessa. Queremos torcer pelo comentador do nosso clube, queremos que chame à atenção as injustiças que o nosso clube têm sofrido, e a maneira desavergonhada como os outros clubes têm sido beneficiados. Tal como queremos torcer pelo nosso clube. Queremos ficar com a impressão subjectiva que o nosso comentador deu 'uma abada' aos outros.


O que é divertido. O futebol faz parte dos temas transversais dos quais é sempre apropriado falar com qualquer pessoa, é um desbloqueador de conversa inultrapassável. Porque é que isto acontece? Acho que tem a ver com a narrativa do futebol. As vitórias da tribo estão cheias de orgulho e alegria, as derrotas cheias de pathos e drama humano. Os jogadores são os guerreiros da tribo em quem depositamos as nossas esperanças. E é literalmente assim que são vistos hoje.


Mas é um jogo em que, como na guerra, a vitória depende muito de expedientes, de manhas às vezes pouco legítimas que mudam a história do jogo. E é muito por isso que gosto do jogo. É um jogo de macacos espertalhões a tentar enganar outros macacos espertalhões.
Mergulhadores em terra firme...


Lesões incómodas que gastam tempo útil de jogo (quando estamos a ganhar...)


Queimar tempo quando estamos a ganhar, não tem só o valor de nos aproximar da vitória diminuindo os lances de perigo que a equipa adversária pode aproveitar... Também enerva o adversário!


Avançados que falham carreiras impressionantes no basketball (o que não invalida que sejam lendas no futebol)...


Jogadores que precisam de... vou dizer ''apoio extra''...


'Técnicas' para desconcentrar o adversário...


A emoção que vem da injustiça por vezes transborda em comportamentos violentos (muitas vezes depois de provocações repetidas com o objectivo implícito de desencadear violência)...


Tudo isto são coisas que não acontecem no xadrez, por exemplo. Pelo menos com a mesma frequência. E não são de todo a base do jogo, não me interpretem mal.... Não acontecem assim tantas vezes. Mas por algum motivo ficam na nossa memória. Lembramos-nos das vezes que fomos prejudicados, e somos lembrados pelos adeptos de outros clubes das vezes que fomos beneficiados.

Existe um 'desporto' nos EUA que captura a imaginação e as paixões do público (e das crianças) da mesma maneira, se bem que com nenhuma competição real, neste caso. Mas os expedientes pouco legítimos, a teatralidade está lá... O público fica com a mesma sensação de injustiça se o guerreiro perde a batalha com recurso do adversário a deslealdade.


É contrastante o facto de pensarmos o futebol através de moralidade preto e branco, com a quantidade de expedientes, de manhas a que o jogo se presta. É óbvio e gritante que a nossa equipa não é pior nem melhor do que as outras, mas nós acreditamos que é diferente na mesma. SABEMOS que vamos ganhar. Quando não ganhamos, de alguma maneira os nossos jogadores estão mal intencionados, não se esforçaram o suficiente, não têm ''amor à camisola'', não ''dignificaram o clube'' magoaram-nos. Assim, magoamos-los de volta.



Insultar os jogadores da nossa equipa. Isso é que levanta o moral. But we can't help it.... we are hardwired like that...

O conceito do ''amor à camisola'' é um anacronismo interessante. Se eu trabalhar para o MEO, e a ZON me propuser um contrato de trabalho mais vantajoso, até me chamam estúpido se eu não aceitar. Mas o mesmo pode não ser válido para quem quer mudar de tribo. Porquê?
O que é uma SAD, senão uma empresa? Interessante verificar que as comichões com esta questão só aparecem com transferências para outros clubes portugueses. O mesmo não acontece com os jogadores/treinadores que vão para o estrangeiro.

As figuras mais frequentemente alvo de descontentamento são os feiticeiros da tribo. Quasi Profetas, os treinadores são a quem se dirigem as perguntas difíceis sobre o futuro. Eles têm um conhecimento especial e mais ou menos profundo sobre futebol. Mas valorizamos mais os que são bafejados pela sorte, ou os que têm cronicamente azar aos nossos olhos, e usamos mais isso para definir os nossos eleitos, do que propriamente um conjunto de competências que mal sabemos definir.

Queremos ter, como eles dizem a 'estrelinha da sorte' para ganhar. E se acreditamos que se alguém sabe o futuro, é super competente, joga mind games com a mente do adversário, esse alguém pode ter sido 'escolhido'. Podemos dizer que é especial.
Almost like a... Special One. Alguém que aponta o caminho investido dessa mística consegue mover montanhas, acreditamos. E acreditar é metade do caminho. A motivação faz-se de profecias auto concretizadas. Assim como a vitória.


4 comentários:

  1. Eu que não percebo nada de futebol, fiquei a perceber um bocadinho mais.

    Somos os descendentes de tribos que sobreviveram porque tinham estes impulsos guerreiros e de competição bem acirrados, mas depois a sociedade evoluiu e esses impulsos não tinham para onde se virar.

    Viraram-se para isto.

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  2. ''Isto'' é divertido! melhor que meter chumbo semi derretido a elevadas velocidades em alemães que tentam conquistar a europa a cada 25 anos... No entanto: ''Futebol são 11 para 11, e no fim ganha a alemanha''.

    Portanto não sei se alguma coisa mudou...

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    1. Há um livro de ficção científica do Arthur C. Clarke e do Stephen Baxter chamado Time's Eye, que é um History What If misturado com um Who Would Win, que mete o exército do Alexandre o Grande contra o exército do Gengis Khan, e onde existe a frase "War is fun".

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    2. a guerra é de facto muito divertida... dependendo do ponto de vista, acho eu.... o meu ponto de vista a jogar o shogun total war é espectacular... o ponto de vista do desgraçado a falecer numa poça do próprio sangue é menos agradável...

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