Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

It's a fiddle!

''There's a sucker born every minute.''
- P.T. Barnum


Todos os verões aparecem notícias de um ou outro tipo de burla que vitimiza quem vai de férias. São histórias que envolvem agentes de viagens, ou pessoas que alugam casas que não existem, ou que não possuem.

Estas histórias despertam a nossa empatia porque no verão, todos nós juntamos uns trocos para ir para a praia apanhar sol e ler o jornal.

O jornal não é feito para nos descontrair. O jornal é feito para o maior número possível de pessoas comprarem o jornal. E isso consegue-se provocando indignação e integrando narrativas simples. Porque indignação é bem mais fácil do que provocar do que sentimentos de bem estar, ou do que estimular senso crítico. E é mais fácil ler uma notícia quando a manchete já nos transmitiu uma forte inclinação emocional em relação à situação descrita.

Quando sabemos que outros na nossa situação não conseguiram o seu merecido descanso, porque algum aldrabão lhes ficou com o dinheiro criando falsas expectativas, ficamos naturalmente indignados.

Esta é uma narrativa que desperta um sentimento de injustiça reconhecível e transversal.


Abuso de confiança de alguém vulnerável, neste caso idosos, é dos crimes que mais indignação cria em quem ouve a narrativa. Quando o burlão veste a pele de uma figura de autoridade (neste caso médico), mais o ouvinte se revolta.

Mas como já exploramos extensamente, todas as narrativas podem ser invertidas. A realidade não é preta e branca, a moralidade pode distribuir-se em espectros, e a maior parte das situações que acontecem no mundo real permitem várias leituras e opiniões.

Alguns burlões não nos despertam sentimentos de revolta tão fortes.


Nem alguns burlados nos despertam assim tanta empatia.


Por exemplo, lembram-se de um famoso príncipe da Nigéria, que precisava que alguém pagasse uma pequena taxa para poder transferir a sua imensa fortuna para um país ocidental?


Pois. O contexto é diferente. Conseguimos pensar para nós próprios que alguém que acredita nesta história da carochinha, quase que merece ser burlado.

Até porque a história do príncipe da nigéria, não é nova. Começou no século 16, e na altura era um prisioneiro espanhol, injustamente acusado. Era sempre um membro da realeza (figura de autoridade) que através de uma amigo, pedia anonimato e uma pequena quantia para subornar os guardas da prisão. Depois de conseguir fugir, o prisioneiro espanhol iria certamente recompensar principescamente a alma generosa o suficiente para o ajudar durante aquele período difícil.


Porque é que não temos pena do otário que cai na esparrela do prisioneiro espanhol, ou do príncipe da nigéria?

Bem, porque aqui a narrativa é mais refinada. O falso médico que burla o idoso, abusa da confiança dele usando os medos que os seres humanos têm da doença e da morte. O prisioneiro espanhol, por outro lado apela à credulidade e à ganância do burlado.

São ambos desonestos, mas só um deles tem uma narrativa que é ''aceitável'' inserir na cultura de massas.

Através da aplicação de algumas regras narrativas, é possível colocar o público numa situação em que é possível a empatização com os aldrabões.


Mesmo na vida real isto pode acontecer, e aconteceu. E não só com os burlões, mesmo com os criminosos que não têm problemas em provocar violência em grande escala.

Durante os anos 30, a miséria na América era muita, e os assaltos a bancos eram frequentes. Os bancos não eram muito populares na altura (imagine-se porquê...), e um assaltante de bancos tornou-se famoso porque tinha o hábito (possivelmente apócrifo) de destruir os registos das dívidas das pessoas, que assim ficavam livres das mesmas. O seu nome - Charles ''Pretty Boy'' Floyd.


O desemprego era altíssimo, a sociedade vivia um estado de salve-se quem puder, rareavam as oportunidades, e prevalecia a lei do mais forte. Era difícil julgar com malévolo alguém que não tem que comer, só vê miséria à sua volta, e resolve pegar numa arma e assaltar um banco.

Este ambiente social agressivo criou terreno fértil para a imaginação do público ''validar'' e romancear o crime organizado.  E o crime organizou-se, e de que maneira.
A época de John Dillinger, Bonnie and Clyde e Al Capone. Histórias que ficaram eternas na cultura Americana.


Algo de semelhante se passou com a máfia italiana, uns anos depois. Francis Ford Coppola usou os estreitos laços familiares pelo que os italianos são conhecidos, os seus temperamentos impulsivos e explosivos, e mostrou que as melhores intenções de protecção da família podem levar à violência mais gratuita. Todos nós temos família. E não sabemos bem quais os limites dos actos que estaríamos dispostos a cometer para proteger as pessoas que nos são próximas.


Lembram-se desta cena?


Santino ''Sonny'' Corleone agride de maneira brutal o marido da irmã, porque ela estava a ser vítima de volência doméstica. É difícil conciliar a angústia de ver alguém ser espancado, com o sentimento de que o marido da irmã de Sonny merecia algum tipo de castigo...

Coppola prepara-nos para uma cena semelhante, depois de nos informar que a irmã de Sonny foi novamente vitima de agressões. Mas desta vez a cena acaba assim...


Sonny é traído pela sua impulsividade e pela sua ''dedicação'' à sua família. Pela previsibilidade do seu amor à sua irmã.

Na prática foi assassinado mais um gangster, num filme de gangsters. Mas o setup, a gestão de expectativas, a proximidade que sentimos com os conflitos internos das personagens, neste momento, para mim, fazem deste filme uma das melhores coisas que vi desde sempre.


Ok, mais que raio têm os violinos a ver com isto tudo??? A verdade é que este post é um confidence trick em si mesmo. Um abuso da vossa confiança. Para a semana mais adrabices :)

Entretanto Gui, olha aqui um gajo a fazer caras!

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