Vamos falar sobre isso.
Como dissemos há pouco tempo, a vida na Terra começou há cerca de 4100 milhões de anos (que é por si só um porradão de tempo, e surpreendentemente próximo da formação da própria Terra, há 4600 milhões de anos).
No entanto entre surgir vida e surgir vida que fosse multicelular e complexa, visível a olho nu, passaram-se 3500 milhões de anos.
Ou seja, durante 3500 milhões de anos no planeta Terra, a vida mais complexa que existia não passava de extensos tapetes microbianos. Era o melhor e mais sofisticado que a vida na Terra tinha a oferecer.
Tapete Microbiano |
Só no período Ediacariano, há 630 milhões de anos, é que surgem as primeiras formas de vida cujos fósseis não exigem um microscópio para serem vistos.
Sabemos pouco acerca dos organismos que existiam nessa altura. Os seus fósseis sugerem formas orgânicas radiadas, frondosas e sésseis, formando discos e braços, provavelmente fixos ao substrato, imóveis.
Não se sabe se eram protozoários gigantescos, se eram líchens, ou se eram um Filo completamente diferente que não sobreviveu e não deixou descendentes.
Mas a teoria mais plausível (tem um ou outro buraco), é que seriam Cnidaria.
Os Cnidaria que conhecemos hoje são essencialmente as Alforrecas e os Corais.
Os Cnidaria vêm em duas variedades, Medusa ou Pólipo.
O mesmo organismo - duas formas, medusa e pólipo |
Claro que a fossilização não é fácil em animais cujo corpo tem a consistência de gelatina, portanto é perfeitamente possível que estes animais já existissem há mais tempo.
Haootia quadriformis |
Fóssil de Haootia com 560 milhões de anos |
Fóssil de Alforreca com 500 milhões de anos, e equivalente morfológico moderno |
A superfície era inóspita, cozida por radiação ultra-violeta.
Mas o fundo dos mares era um jardim de corais e outras criaturas presas ao fundo, a ondular, envoltos por milhões e milhões de alforrecas das mais bizarras formas e aspectos.
Talvez venha daí o fascínio hipnotizante de olhar para uma alforreca a nadar, uma forma de vida tão primitiva que chega a parecer alienígena.
São criaturas que se mantém muito muito semelhantes às que existiam há 500 milhões de anos, antes sequer existirem animais minimamente reconhecíveis (isso aconteceria com a explosão do Câmbrico).
Vendo a variedade e bizarria das formas que estes seres vivos conseguem atingir actualmente, é quase impossível imaginar que outras formas ainda mais bizarras não terão existido.
Apesar disso, são animais mesmo mesmo muito simples.
São comspostos por 95-98% de água
Não têm sistemas de orgãos especializados em digestão, osmoregulação, respiração, circulação; nem sequer têm um sistema nervoso central.
Os seus tecidos são oxigenados por difusão simples, directamente da água para as células.
Têm um saco gastrointestinal onde a comida é digerida e depois expelida pelo mesmo orifício.
Ou seja, lembram-se quando eu disse que os animais eram basicamente tubos com dentes? As alforrecas ainda estão num estadio evolutivo tão primitivo que esse tubo ainda não tinha evoluído um buraco em cada uma das pontas.
Surpreendentemente (ou não) possuem um sistema nervoso, se bem que este não passe de apenas alguns neurónios ligados entre si, formando uma Rede Nervosa, com apenas alguns gânglios nervosos.
Esta Rede Nervosa faz com que o seu simples Esqueleto Hidrostático se contraia de forma coordenada e harmoniosa, permitindo um movimento de contração-pulsação do corpo que faz com que a alforreca nade.
Algumas até têm estruturas nervosas fotossensíveis, ou seja, olhos muito, muito primitivos.
Definitivamente uma das coisas mais características das Alforrecas, é que os seus raios picam.
Isto deve-se a células especializadas, os Cnidócitos, que só existem nos Cnidaria. Os Cnidócitos são sensíveis a estímulos mecânicos, e quando são tocados expelem um organelo em forma de farpa, que penetra a pele das suas presas, injectando toxinas.
Mecanismo de acção dos Cnidócitos |
Cnidócito sob microscópio electrónico |
Cnidócitos a serem expelidos |
A Chironex fleckeri é uma espécie de alforreca com uma forma cubóide, cujo veneno tem uma dose letal (LD50) de 0,04mg/kg, que provoca um aumento de potássio que leva a paragem cardíaca em apenas 2-5 minutos, e é responsável por 20 a 40 mortes todos os anos nas Filipinas.
Chironex sp. |
As alforrecas reproduzem-se sexualmente, da maneira que conhecemos habitualmente, produzindo um ovo que depois se transforma numa Planula, que depois se transforma num pólipo que é fixo e não anda a nadar.
Depois, esse pólipo reproduz-se assexuadamente num processo chamado Estrobilação, no qual vai libertando clones de si mesmos que nadam livremente, camados Éfiras, que irão crescer para se tornarem alforrecas adultas.
Estrobilação |
Éfira |
Turritopsis dohrnii |
Querem assustador, dou-vos assustador. A Stygiomedusa gigantea, é uma alforreca gigante, com cerca de 100cm de diâmetro, que habita o fundo dos mares, é completamente negra, e só recentemente foi filmada viva.
Mais impressionante é que continuamos a descobrir espécies novas de alforrecas.
Em Abril de 2016, a National Oceanic and Atmospheric Administration descobriu uma nova espécie de alforreca a 3700 metros de profundidade.
A estranheza da sua forma é hipnotizante, o seu aspecto é alienígena.
O que eu quero dizer com isto tudo, é que tanto quanto sabemos as alforrecas são uma das primeiras e mais simples formas que a vida multicelular pode ter. Não é irrazoável imaginar que a vida que se desenvolva em mares de outros planetas possa também passar por este tipo de morfologia.
Se assim fosse, não me espantava nada ver um animal destes a flutuar nos mares de um planeta alienígena.
é fixe imaginar um planeta alienígena sem continentes, um oceano sem fim, salpicado de alforrecas que parecem discos voadores
ResponderEliminarMelhor do que isso, imagina um planeta alienígena, um gigante gasoso por exemplo, em que a atmosfera é densa o suficiente para sustentar alforrecas discos-voadores a voarem pelo meio das nuvens!
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