Pataniscas Satânicas

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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O início dos Calhaus

Eu vejo-vos a falarem da produtividade. E a criticarem esta geração de preguiçosos. Ah, as virtudes do trabalho árduo para aqui, o valor do esforço e da perseverança contra as frustrações profissionais. Enaltecem os jovens empreendedores.
Porque é bom para a sociedade, porque temos todos de contribuir.
Pois...

Houve um dia, há muitos anos (há cerca de 5 mil anos, mais ou menos) um Rei no meio do deserto que disse assim "Olha, a partir de hoje é que é a contar!" e foi assim o início da civilização.
"A partir de agora os calhaus começam a contar".



E porque os calhaus passaram a contar, ele decretou que se iam empilhar uma data deles. Montes de calhaus, uns em cima dos outros! Calhaus enormes e muito pesados. Uma Pirâmide! Sim, é isso que lhe vou chamar, parece-me um bom nome. Uma Pirâmide para mim, porque eu mereço!


Mas para isso ia precisar de imensa gente para trabalhar. Montes de gente para arrastar aqueles calhaus todos.
Há imensa gente que se espanta e demonstra sempre imensa incredulidade acerca de como os Egípcios construíram as pirâmides. Insistem que usaram magia, ou foram ajudados por alienígenas, ou qualquer coisa dessas.

Não.

Querem saber como é que os Egípcios construíram as pirâmides?
Com muita dificuldade.

Não houve truques nenhuns. Foi muito acartar calhau monte acima, a partir costas. Parece que isso desilude as pessoas. Era mais interessante se fosse magia.

E também costumam pensar que estas pessoas todas eram escravos. Não eram. Na realidade eram trabalhadores pagos. Tinham salário, e férias pagas, e podiam pedir baixa por doença.
Eram empregados. Especialistas de relocalização de calhaus. Altamente treinados.


E todos estes trabalhadores precisavam de comida, de uma indústria agrícola que os sustentasse, e de quem partisse as pedras, e as transportasse rio acima, quem construísse as ferramentas. E todos estes negócios podiam ser alvo de impostos, que iam para o Império, que os usava para pagar aos trabalhadores.
Que estavam a construir uma pirâmide.

Um monte enorme de calhaus apontados para o céu.

A pirâmide estava no centro desta espiral de dinheiro e capital. Todo o fluxo económico do império confluía na pirâmide. A cada pedra da pirâmide poderia ser atribuído um valor monetário cumulativo de todo dinheiro e horas de trabalho que tinham acontecido desde o primeiro gajo a partir a pedra, ao último tipo a pô-la em cima das outras.

É toda a economia de um império centrada, suportada e justificada pela construção de uma pirâmide.
O Faraó, que estava sentado em cima da pirâmide, era imensamente poderoso. Àquele nível o conceito de dinheiro nem fazia sentido. Faraó quer, Faraó tem. A distância que o separava dos trabalhadores, as ordens de grandeza de riqueza que o separavam dos cidadãos normais era tão grande tão grande, que mais valia ele ser Deus.



Não é por acaso que era de facto um Deus na terra. O Faraó era um Rei-Deus. Distante, inatingível, perfeito, cujas vontades eram éditos divinos.
Era assim tão longe que ele estava das pessoas normais.

Mas o Faraó chega ao fim da sua vida, quase a morrer, e reparava que a Pirâmide ainda nem sequer ia a meio.
Então olha, tem de ser o meu filho a continuar isto.
E assim se formavam dinastias. Gerações atrás de gerações de Faraós que iam construindo templos e pirâmides, umas atrás das outras, cada vez maiores e com mais calhaus.

E os egípcios iam atrás. Que escolha poderiam ter? Eram Deuses que lhes mandavam construir as Pirâmides, que lhes pagavam e sustentavam. E eram Deuses e Pirâmides que já lá estavam antes de eles nascerem, e que, obviamente, iam continuar lá. Era assim que o mundo funcionava.


E esta ideia de civilização é tão poderosa, tão eficiente, que é a que se mantém até hoje. Por alguma razão ainda hoje falamos dos Egípcios. As pirâmides ainda lá estão, e só foram sendo substituídas por outras.
Ou seja: o egípcio médio não tinha significativamente mais controlo ou compreensão sobre a sua posição na sociedade do que nós temos actualmente.


Quem de nós realmente percebe o que é que se passa com a economia? Sabemos papaguear algumas palavras, apontar algumas das pessoas que tomam decisões.
Mas uma compreensão completa e precisa da situação é rara.
Eu não a tenho. Se vocês a têm, bom para vocês, mas estatisticamente é provável que estejam enganados.

E também temos pouco ou nenhum controlo sobre o que se passa connosco.

Ou seja: estamos nós, também, todos os dias, a arrastar calhaus monte a cima, a levantar-nos cedo, a preencher papéis, a atender telefones, a resolver problemas, a ser produtivos, para pôr pedras umas em cima das outras.


Para ajudar a construir este grande monolito que é a sociedade. A pirâmide só se tornou um pouco mais abstracta, mais invisível, mas continua lá.



Sabem como é que eu sei?

Porque continuo a ver os Reis-Deuses lá sentados em cima. A tomarem decisões, a mandarem bocas sobre a produtividade e sobre a virtude do trabalho. Numa pirâmide de administratividade corporativista e capitalista (whew!, try saying that three-times fast! My my! Don't we use fancy words!! We must know a lot about this, if we use such big fancy words!)



A produtividade e o trabalho árduo são coisas boas, sem dúvida que são. Mas para quem?

Lá porque nos fizeram acreditar nestas coisas, quem nos disse que éramos NÓS que íamos beneficiar disso?



Estas ideias e crenças não surgiram de forma benévola. Não se implantaram para o nosso bem.
Fizeram-nos acreditar nisto porque rapidamente se aperceberam que cansa arrastar calhaus, e que se houver outros papalvos que os arrastem, melhor.

Portanto vá, larguem a internet e vão trabalhar. É importante.

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