Pataniscas Satânicas

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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O que é a Consciência - Parte I

A consciência é uma coisa complicada.
Sigam-me numa viagem pela toca do coelho que é a consciência, com base nas teorias mais recentes que por aí andam!

Representação da consciência do séc. XVII

Primeiro temos de concordar numa definição da consciência, e isso por si só seria um artigo inteiro.

Como não queremos passar muito tempo com semântica, vamos só assumir que já imensa gente tentou, durante imenso tempo, definir o que era a consciência filosoficamente, espiritualmente, logicamente, etc.

Até houve uns parvos que tentaram equacionar a Consciência com a Alma.

Basicamente qualquer um de nós percebe intuitivamente o que é a consciência, mesmo que seja difícil defini-la. É pensar e sentir o que se passa dentro e fora de nós mesmos, é uma sensação de sermos nós mesmos, com memórias, emoções, ideias originais e iniciativa.

várias definições, mas para o que nos interessa vamos definir a Consciência Humana como o estado mental que permite não só percepcionar subjectivamente a informação que nos chega do exterior através dos sentidos, mas também percepcionar estados internos como emoções e ideias, e integrar toda essa informação numa experiência fluida de pensamento interior caracterizada por um sentimento de "eu" que permite interpretar, aprender e interagir com o mundo.

wtf?
Agora que estamos todos a falar mais ou menos da mesma coisa, queremos perceber O QUE É a consciência.

Porque do nosso ponto de vista, a consciência é literalmente TODA a experiência da realidade que temos.
Parece que estamos constantemente a ver um filme no qual os nossos olhos são a câmara e os nossos pensamentos estão sempre a analisar e a comentar o que se passa. Experienciamos a realidade num fluxo fluido e ininterrupto de sensações, emoções e pensamentos.

Habitualmente pensamos na consciência desta maneira, como se fosse uma jóia, homogénea, perfeita, indivisível, sem falhas. É assim que a sentimos, é normal que pensemos nela desta maneira.

inescrutável, indivisível

Mas e se em vez disso pensarmos na consciência como um conjunto de rodas dentadas todas a funcionarem ao mesmo tempo? Cada roda a rodar à sua maneira, a interagir com todas as outras ao mesmo tempo?

compreensível, divisível
No entanto não é assim que percepcionamos a consciência. Para nós a consciência é fluida, homogénea, não parece constituída por peças.

Vamos fazer uma experiência!

Olhem para a seguinte imagem e pensem no que é que vêem!

ali, mesmo no meio, um nariz, e uma boca por baixo!
Vêem o céu azul, vêem nuvens e, provavelmente vêem ali uma cara!

Obviamente que não há caras no céu, só nuvens e céu azul, nem as nuvens estão de propósito a fazer caras para nos enganar.

A este fenómeno de ver caras onde elas não estão, damos o nome de Pareidolia.

Se olharmos para qualquer padrão razoavelmente neutro durante tempo suficiente começamos a ver lá caras.
Olhamos para uma carpete e vemos caras, olhamos para um papel de parede e vemos caras, olhamos para uma torrada e vemos a cara do Jesus Cristo.

MILAGRE
Porque é que vemos caras em todo o lado?

Como animais sociais que somos, é uma enorme vantagem evolutiva identificar caras depressa e bem.
Por isso desenvolvemos uma ferramenta cognitiva específica cuja única coisa que faz é procurar coisas que se pareçam com caras em tudo o que estamos a ver.
Este programa de reconhecimento de caras está constantemente, e inconscientemente, a analisar tudo o que nos entra pelos olhos dentro à procura de padrões que se pareçam com uma cara. Quando encontra uma imagem que seja parecida o suficiente aos padrões pré-definidos, envia um alerta que diz "Encontrei uma cara!".

Parece que conseguimos identificar pelo menos uma roda dentada dentro da nossa cabeça.

Até conseguimos encontrar dentro do nosso cérebro onde é que esta roda dentada está!
Quando olhamos para caras, ou coisas que se parecem com caras, há um aumento de actividade numa zona específica do córtex chamada Área Facial Fusiforme.

Ressonância Magnética funcional de uma pessoa a olhar para caras
O que é que podemos concluir daqui?

Que temos ferramentas cognitivas que nos permitem interpretar e avaliar o mundo, que traduzem informação que se torna mais ou menos consciente, e que estão ligadas a áreas específicas do cérebro.

Isto em si mesmo não é nada de novo. Há décadas que conhecemos, por exemplo, a Área de Broca, uma zona no lobo frontal que parece ser responsável pela interpretação e produção de linguagem.
Pessoas que tiveram doenças que de alguma forma destroem a Área de Broca deixam de conseguir produzir linguagem compreensível, apesar de terem o uso completo das suas cordas vocais e conseguirem produzir todos os sons.

Também estamos fartos de saber que o controlo motor e a sensação cutânea estão perfeitamente mapeadas no córtex motor e sensorial, entre outras funções.

Áreas funcionais do cérebro (abram em grande)
Portanto partes da nossa consciência estão definitivamente presas a determinadas áreas do nosso cérebro.
Ainda não foi possível identificar todas estas ferramentas cognitivas, nem perceber onde é que elas se localizam no nosso cérebro, mas há informação suficiente para assumir que é assim que funciona.

Mas como é que essas áreas se relacionam de maneira a criar a consciência?

De acordo com a Teoria do Núcleo Dinâmico, tem tudo a ver com o sistema Córtico-Talâmico.

O Tálamo, uma estrutura específica dentro do nosso cérebro, é onde toas as informações sensoriais do exterior vão parar, e de onde os sinais voluntários são enviados para os músculos. Funciona como uma estação central de comboios, por onde todas as vias neuronais passam para serem redireccionadas para os seus destinos.

O Tálamo está especialmente ligado ao Córtex (a zona mais superficial do cérebro) por milhões de vias neuronais paralelas que levam informação para a frente e para trás (circuitos de re-entrada), entre o Córtex e o Tálamo, e entre várias áreas diferentes do Córtex.

Tálamo, no centro a verde, com conexões para o Córtex
Uma experiência muito engenhosa (de entre muitas, mas esta foi a única que eu consegui compreender) demonstrou que quando uma sensação ou pedaço de informação se torna consciente o Tálamo e várias zonas do Córtex activam-se todas simultâneamente.

Ou seja, e pegando no exemplo da Pareidolia, quando olhamos para um padrão aleatório e o nosso programazinho de reconhecimento de caras dá o alerta de que alguma coisa ali se parece com uma cara, essa informação sensorial vai para o Tálamo e é distribuída a todas as outras zonas do Córtex responsáveis por interpretar essa informação.
Nas palavras dos autores, o cérebro aparenta estar a recrutar várias zonas para "pensar" sobre o estímulo que lhe foi apresentado.

A experiência demonstra que o Tálamo e estas zonas do Córtex não só se activam todas ao mesmo tempo, como essas activações acontecem de maneira sincronizada nestas áreas do cérebro distantes entre si, num fenómeno chamado Ressonância Córtico-Talâmica Recorrente.

A consciência, ou pelo menos as suas partes constituintes, parece estar a acontecer especificamente em várias zonas do cérebro diferentes que se activam de maneira sincronizada.

Qualia, uma das dores de cabeça das neurociências

Portanto agora percebemos que a Consciência é composta por ferramentas cognitivas, que estas ferramentas cognitivas estão dispersas por várias zonas específicas do cérebro, e compreendemos de que maneira estas várias zonas comunicam entre si quando surge um estímulo.

Mas de que maneira é que uma coisa de facto se torna consciente?

Ou melhor como é que estímulos externos, como tocar numa coisa quente ou olhar para o céu, se transformam em sensações conscientes e subjectivas, como o calor ou o azul?

Nestas discussões, estas sensações subjectivas recebem o nome de "Qualia" e esta pergunta é habitualmente considerada o problema difícil da consciência.

Não percam a Parte II onde tento responder a esta e a outras perguntas sobre a consciência!

3 comentários:

  1. Se eu beliscar alguém enquanto está a dormir, o corpo dessa pessoa sabe que foi beliscada, mas não é consciente...
    quero dizer, quando é que começa a consciência?
    É importante a questão do beliscão! É directamente relevante, para saber se posso colocar a mão dessa pessoa num recipiente com água morna...
    You know... for science...

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  2. Há limiares a partir dos quais os estimulos ganham relevância suficiente para serem atirados para a consciência.
    Claro que muito antes disso existem comportamentos instintivos que são protectores e que não precisam de consciência para funcionar.
    É esses que tens de evitar nesse tipo de experiências científicas!

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  3. Gostaria de saber qual a referencia das figuras coloridas do cérebro. Agradeço muito.

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