Recomendo vivamente que leiam a parte I, onde tínhamos concordado numa definição de consciência que era o estado mental que permite não só percepcionar subjectivamente a informação que nos chega do exterior através dos sentidos, mas também percepcionar estados internos como emoções e ideias, e integrar toda essa informação numa experiência fluida de pensamento interior caracterizada por um sentimento de "eu" que permite interpretar, aprender e interagir com o mundo.
Também ficámos a perceber que a Consciência é composta por ferramentas cognitivas, que estas ferramentas cognitivas estão dispersas por várias zonas específicas do cérebro, e compreendemos de que maneira estas várias zonas comunicam entre si quando surge um estímulo.
O próximo problema que temos de resolver é como é que isso tudo se junta para que uma coisa se torne de facto consciente.
Outra maneira de fazer a pergunta é "que vantagem evolutiva é que a consciência traz, para sequer ter evoluído em primeiro lugar?"
Temos todos a noção clara de que os animais têm instintos. Comportamentos que não precisaram de ser aprendidos e que contribuem para a sobrevivência do animal, como os bisontes bébés que sabem andar 30 minutos depois de nascerem ou os bébés que sustêm a respiração debaixo de água e parecem saber nadar sem nunca serem ensinados.
Estes comportamentos inatos nascem de programas e valores codificados (provavelmente geneticamente) no Tronco Cerebral e no Sistema Límbico.
O Tronco Cerebral e o Sistema Límbico são duas partes muito primitivas do nosso cérebro, responsáveis pela nossa sobrevivência, e que controlam coisas muito básicas como o batimento cardíaco ou emoções primárias como a agressividade.
Por outro lado temos o sistema Córtico-Talâmico, que, como já vimos, é responsável por receber e interpretar todas as informações sensoriais que chegam do exterior. É também uma estrutura muito mais moderna evolutivamente falando.
Tronco Cerebral e Sistema Límbico |
Sabemos que o reconhecimento de caras é inato, porque um bébé com 1 mês já procura a cara da mãe.
Assumimos então que este programa de reconhecimento tem por base exemplos codificados geneticamente no seu Sistema Límbico/Tronco Cerebral, porque ainda não teve tempo de os aprender.
Quando o bébé olha em volta, essa informação sensorial é enviada ao complexo Córtico-Talâmico que interpreta a informação e correlaciona-a com os exemplos previamente codificados no Sistema Límbico-Tronco Cerebral. Se a informação nova que está a receber for suficientemente semelhante com o exemplo codificado, então fica positivamente assinalada como sendo uma cara.
Ou seja, o que está a ser percepcionado na realidade é comparado aos exemplos previamente codificados criando uma Memória Conceptual do que uma cara é.
As percepções imediatas do bébé, quando ele olha para o que está à sua volta, são então comparadas a esta Memória Conceptual previamente estabelecida. Isso permite ao bébé aperceber-se conscientemente das caras á sua volta nesse momento, e reagir a elas.
Por outras palavras, esta correlação instantânea entre a Memória Conceptual e as percepções contínuas leva a uma forma de "Presente Lembrado" ou uma Consciência Primária ou Sensorial.
É uma forma de Consciência simples, muito mais sensorial, mas finalmente uma consciência que começa a encaixar na nossa definição inicial.
Concentrem-se no ar que estão a respirar, na sensação da roupa no vosso corpo, cheirem algum odor no ar, olhem para um objecto e reparem na cor dele, lembrem-se da sensação de dor quando se picam. Estas são as coisas que se tornam reais na Consciência Primária.
O Sistema Tronco-Cerebral/Límbico toma conta do funcionamento essencial do corpo e da sua sobrevivência, enquanto que o Sistema Tálamo-Cortical recebe sinais de receptores sensoriais e envia sinais para os músculos voluntários, como os dos braços e pernas.
Estes dois sistemas desenvolveram-se em conjunto porque ao permitirem uma consciência primária, isso ajudava os organismos a planearem comportamento adaptativo num ambiente complexo e mutável, o que era uma enorme vantagem evolutiva.
Reagiam melhor a situações de perigo, tinham uma melhor avaliação dos riscos à sua volta, conseguiam decidir melhor em situações ambíguas, porque tinham ganho consciência deles.
Mas isso significa que essas sensações de alguma forma transformam-se de uma coisa neuro-química numa coisa... sensorial? Mental?
Uma coisa é toda a complexidade de reacções neuroquímicas que acontecem nos neurónios, quando informação viaja dos olhos para o córtex occipital. Isso é fácil de explicar recorrendo à neurobiologia.
O que é mais difícil é explicar porque é que essas reacções neuroquímicas, que acontecem quando olho para um morango, se traduzem em sensações subjectivas, como o vermelho.
Estas sensações subjectivas (chamadas Qualia) são o que definem a nossa experiência do mundo. O calor, uma textura, a cor vermelho, distintas umas das outras, com as suas características próprias.
O que acontece é que esses estímulos provenientes dos mecanismos neurobiológicos subjacentes (os neurónios, onde tudo isto está a acontecer) são examinados por aquele mecanismo de Presente Lembrado e entram na Consciência Primária. Quando a Consciência Primária começa a avaliá-los (e a torná-los conscientes) é obrigada a discriminá-los e distingui-los uns dos outros.
Esta riqueza sensorial em que vivemos é uma ilusão criada pela nossa consciência primária para conseguir discriminar os sinais exteriores de maneira útil.
Ou seja, os Qualia são na realidade outra ferramenta cognitiva (roda dentada) que ajuda a discriminar e a interpretar o mundo lá fora, quase da mesma maneira que o Programa de Reconhecimento de Caras nos ajuda a ver caras em torradas.
Portanto agora percebemos a ideia de que a consciência é composta por ferramentas cognitivas, estas estão localizadas em estruturas específicas do cérebro, percebemos como é que surge uma Consciência Primária a partir da interação do Tronco/Límbico-Tálamo/Cortical, e até percebemos que estas sensações subjectivas, como o calor ou o vermelho, que nos vêm de fora são ilusões cognitivas para discriminar sinais neuroquímicos.
Restam duas perguntas muito importantes: como é que estas rodas dentadas todas se unem para fazer isto que experienciamos todos os dias como consciência? e de onde vem esta noção de "EU"?
Estamos quase a chegar ao fim desta salganhada de meta-pensamento. Não pergam a terceira e última parte!
Não, a sério, já pensaram? Estão a pensar sobre pensar. É a vossa consciência a questionar-se como é que funciona.
É quase melhor do que a ideia de que quando pensamos no Universo isso é o Universo a pensar sobre si mesmo. Porque isso significa que a Consciência é o Universo e está a pensar sobre como funciona a Consciência que também é o Universo, o que significa que é o Universo sob a forma de Consciência a tentar compreender-se a si mesmo por intermédio de compreender a sua própria Consciência...
Trippy.
O universo tem coisas melhores para fazer do que tentar perceber a consciencia. Tem que desenhar jesus cristo no pao torrado, por exemplo.
ResponderEliminarNão deve ser fácil andar a desenhar Cristos em torradas e manchas de humidade.
EliminarAposto que existe de facto algures uma torrada que tinha não só a cara chapada do Cristo mas também uma mensagem escrita em aramaico (tudo queimado na torrada) a dizer algo como "O Salvador está de volta nesta fatia de pão abençoada, isto é um milagre genuíno", mas depois alguém comeu a torrada.
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