Pataniscas Satânicas

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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que é a Consciência - Parte III

Bem vindos à terceira e última parte da nossa viagem pela toca do coelho que é a consciência humana!

Sugiro que leiam a Parte I e a Parte II uma vez que lá introduzo muitos dos conceitos necessários para compreender a Parte III.

Se forem preguiçosos, algo com que eu me identifico muito, basicamente na Parte I concordamos em definir a Consciência como o estado mental que permite não só percepcionar subjectivamente a informação que nos chega do exterior através dos sentidos, mas também percepcionar estados internos como emoções e ideias, e integrar toda essa informação numa experiência fluida de pensamento interior caracterizada por um sentimento de "eu" que permite interpretar, aprender e interagir com o mundo.

Ainda na Parte I compreendemos que a consciência é composta por ferramentas cognitivas, onde é que essas ferramentas se localizam no cérebro e como interagem entre si; na Parte II compreendemos de que maneira essas interacções dão origem a uma Consciência Primária, e de que maneria os estímulos externos ganham estas qualidades subjectivas que lhes atribuímos, como o vermelho e o calor.

No entanto, até agora estamos só a falar de sensações e percepções subjectivas. Elementos que, apesar de complexos, continuam a ser bastante distintos uns dos outros, e que mesmo unidos levam apenas a uma consciência episódica, momentânea, sensorial e Primária.

Como é que todas estas ferramentas cognitivas, percepções sensoriais e sensações subjectivas se organizam para criar isto que parece ser o filme fluido que vemos e sentimos e pensamos sempre que estamos acordados?

Imaginem a seguinte metáfora:

No "Teatro da Consciência" há um foco de luz que ilumina uma zona no palco. Essa zona iluminada revela os conteúdos da consciência, os actores a entrarem e a saírem, a fazerem discursos ou a interagirem uns com os outros.
Os espectadores deste teatro não estão iluminados - estão no escuro (inconscientes) a ver a peça.
Atrás do cenário, também no escuro, estão os encenadores, escritores, carpinteiros, maquilhadores, etc. Eles ajudam a construir as actividades visíveis na zona iluminada, mas são eles próprios invisíveis.


Por outras palavras, o foco da nossa atenção/consciência é reduzido e limitado a uma porção muito pequena do que realmente é percepcionado. Há inúmeras ferramentas cognitivas inconscientes que constantemente ajudam a construir/interpretar essas percepções que são o foco da atenção.

O foco da atenção muda constantemente de lugar, as coisas que se tornam conscientes vão sendo diferentes à medida que aspectos entram e saem da nossa consciência (sem no entanto deixarem de existir - simplesmente vão para a zona escurecida).

Esta Teoria do Global Workspace é muito adequadamente suportada pela Teoria do Núcleo Dinâmico (complexo Córtico-Talâmico) de que falámos na Parte I.
Quando dirigimos a nossa atenção para determinado aspecto da realidade, inúmeras zonas do cérebro, responsáveis por codificarem ferramentas cognitivas, são todas activadas em conjunto para interpretarem o que está a ser percepcionado em determinado momento.
No momento seguinte, quando a atenção mudar o seu foco, outras zonas do cérebro com outras ferramentas cognitivas serão activadas para tornar consciente o que quer que seja que esteja no foco da atenção.



Este processo acontece constantemente, muito rapidamente, com integração de sinais dentro do Núcleo Dinâmico a ocorrer com uma frequência de 10Hz.
A utilização de diferentes ferramentas cognitivas inconscientes de forma sequencial e muito rápida, para traduzir conscientemente uma pequena porção do que se passa à nossa volta, cria este Fluxo de Consciência que é a nossa experiência do mundo.


Portanto já conseguimos explicar de que maneira as estruturas do cérebro, contendo ferramentas cognitivas, interagem para produzir este fluxo de consciência que é a base do que entendemos como consciência.

Mas quem é que está a percepcionar este fluxo de consciência? Exactamente "quem" é que está a sentir os qualia num determinado corpo?
Melhor ainda, o que é o "eu"? (self)

Como temos estado a dizer até agora, a Consciência evoluiu de maneira a permitir aos organismos terem respostas mais adaptadas ao seu ambiente.
A diferenciação do "eu" desta sopa de sensações, emerge das respostas cerebrais aos sinais sensoriomotores do corpo.
Ou seja, as ordens motoras que o cérebro envia aos músculos em resposta ao que está a ser percepcionado servem para distinguir o próprio do ambiente. Esta capacidade de agir, e os modelos internos que comparam essa vontade de acção com os movimentos do corpo, geram a noção de individualidade, de "eu sou diferente do mundo", "eu existo".

O "eu" nasce da experiência de que o corpo consegue agir de forma independente do meio, sobre o meio e em resposta ao meio.


Esta noção de que a vontade consciente, o "eu", possa surgir DEPOIS de as acções acontecerem parece estranha. Parece ser um caso de pôr a carroça à frente dos bois, as acções antes da vontade de as fazer.

No entanto está perfeitamente de acordo com a teoria do Global Workspace, na qual a nossa consciência é de facto uma coisa razoavelmente limitada, com imensos processos a acontecerem inconscientemente.
Existe até um Modelo de Consciência que põe em causa grande parte da nossa capacidade de tomada de decisão, remetendo-a para estes processos que acontecem atrás das cortinas.

Esta capacidade de avaliar e reavaliar as acções, mesmo depois de elas terem acontecido tem por base o mecanismo dos Neurónios Espelho.
Neurónios espelho são neurónios que se activam quando uma acção é tomada mas também quando a mesma acção é meramente observada, mesmo que o observador esteja a observar a acção a acontecer noutra pessoa.
Ao permitirem um playback dos processos mentais mesmo depois de estes acontecerem. permitem um fenómeno de introspecção e de "pensar sobre pensar" ou aquilo que sentimos como auto-consciência.


Acredita-se que estes Neurónios Espelho são igualmente importantes no desenvolvimento da linguagem.

É a organização do pensamento sob a forma de linguagem que permitiu aos humanos atingir um grau mais elevado de consciência.
Recorrendo à semântica e a unidades linguísticas, a consciência humana é capaz de organizar o pensamento de uma forma narrativa, interpretando experiências passadas e planeando para o futuro, bem como a abilidade de se tornar consciente de ser consciente (mais uma vez o fenómeno da auto-consciência).
É através da linguagem e da auto-consciência que a Consciência Humana se liberta das Presente Lembrado da Consciência Primária, e consegue começar a fazer coisas muito mais complexas.

Desta forma atingimos aquilo a que se pode chamar uma Consciência Secundária, que finalmente é aquilo que reconhecemos como sendo a nossa Consciência Humana, e que corresponde à nossa definição inicial de Consciência.


Resumindo e concluindo:

A Consciência Humana é composta por ferramentas cognitivas individuais que estão presentes em zonas distintas do cérebro.
Quando somos expostos a um estímulo novo, essas ferramentas cognitivas são usadas para interpretar o estímulo. Isso é possível porque as zonas distintas do cérebro, onde estão essas ferramentas cognitivas, são todas activadas de forma síncrona, tendo por base a estrutura do Núcleo Dinâmico, composto pelo Córtex-Tálamo.
Os estímulos tornam-se conscientes em tempo real devido à interação entre o Córtex-Tálamo e o Límbico-Tronco Cerebral, gerando uma forma de Presente Lembrado.
As características subjectivas desses estímulos (como o azul do céu, ou o calor do quente, chamados qualia) não são mais do que uma forma da Consciência discriminar entre os vários estímulos que lhe são apresentados.
Esta Consciência Primária, sensorial e emocional, é toda unificada através da Teoria do Global Workspace, de acordo com a qual existem imensas ferramentas cognitivas inconsciente todas a trabalharem em conjunto para tornar apenas uma pequenina porção de todos os estímulos consciente e facilmente interpretáveis.
Isto é possível porque, em tempo real, várias zonas diferentes do cérebro vão sendo recrutadas sequencialmente, através do Núcleo Dinâmico, para gerarem um único Fluxo de Consciência fluido e coerente.
O "Eu" que experiencia este Fluxo de Consciência emerge a partir da capacidade que a Consciência tem de actuar sobre o meio, criando a distinção entre o próprio e o resto do mundo.
Este "Eu", ou sensação de auto-consciência, têm por base o fenómeno do Neurónios Espelho, que permitem uma espécie de "pensar sobre pensar" que por sua vez facilita a aprendizagem da Linguagem.
O código semântico da linguagem permite por sua vez organizar o pensamento de forma lógica e assim fugir ao Presente Lembrado da Consciência Primária, permitindo uma Consciência Secundária muito mais complexa, que é a que conhecemos.


Whew!!!

Conseguimos explicar a Consciência Humana!

Obviamente que cada um destes mecanismos de que estivemos imenso tempo a falar é extremamente interessante por si mesmo, e espero que daqui tenham conseguido pelo menos ficar com a ideia de como a Consciência Humana surge.

Para mim, pessoalmente, o mais enriquecedor disto tudo foi ter percebido que a minha própria consciência não era uma coisa impenetrável, mas que em vez disso é sim composta por uma data de ferramentas pequeninas todas a interagirem, e que isto que eu sinto como uma experiência fluida é na realidade composta por muitas pecinhas pequeninas.

A vasta maioria das coisas que eu escrevi são baseadas em teorias de Gerald Edelman que desenvolveu a Teoria do Núcleo Dinâmico, e Bernard Baars que desenvolveu a Teoria do Global Workspace.
Em 2011 juntaram-se e escreveram um artigo que une ambas as teorias, e no qual eu me baseei fortemente para escrever isto que acabaram de ler.

Se tiverem dúvidas não hesitem em escrever nos comentários e farei o meu melhor por tentar responder!

Obrigado!




Ps: no meio disto tudo li ainda imensas coisas sobre Consciência Animal e Consciência Artificial, sobre as quais hei-de escrever quando me conseguir recompor deste empreendimento épico!

2 comentários:

  1. Lembro-me de ler em algum lado que os neurónios espelho estão ligados À empatia. Suponho que faz sentido que a estrutura que me permita pensar sobre pensar, permita-me também pensar sobre como os outros pensam. Mas corrige-me se estiver enganado.

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    1. Houve estudos que demonstram que pessoas que se auto-reportam como tendo mais empatia têm mais actividade nos neurónios-espelho associados às emoções (faz sentido) e aos neurónios-espelho associados aos movimentos das mãos!
      É o que poderá estar na base de que para facilitar a empatia é útil mimicar os movimentos da ourta pessoa.

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