Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 21 de abril de 2015

Alone in the dark

37 tiros e uma explosão depois, ele estava a correr, sem se lembrar de ter dado ordem às pernas para se mexerem.

Engolia o ar frio às golfadas enquanto saltava por cima das ruínas metálicas da fábrica velha, ainda sem consciência que a explosão lhe tinha substituído os tímpanos por campainhas. Entrou num corredor escuro e continuou até uma pancada incrível na cabeça o deixar deitado de costas, a contorcer-se em pânico, agarrado à cabeça com as mãos ensopadas em sangue.

O pânico transformou-se em confusão, porque um tiro na cabeça não leva a muito pânico, ou sequer confusão. Quando conseguiu, olhou em todas as direções por entre os dedos.
A dor excruciante na têmpora direita só apareceu quando viu a conduta de ar pendente, suja de sangue. Depois de se levantar, entrou na primeira sala que que se ofereceu. Tinha corrido sem olhar para trás, e escondeu-se ofegante, sem saber onde.

Quanto tempo tinha passado? 2 minutos? Meia hora? Teria sido suficiente?
Claro que não. Ele próprio já tinha perseguido e morto vários desgraçados que tinham tentado fugir. Não se lembrava de algum ter escapado. ‘’Eles vêm aí…’’

Tinha imaginado o que sentiria se isto acontecesse, em fantasias tiradas de filmes de samurais. Gritos de guerra e cargas cegas, desesperadas, com o fogo na barriga da cavalaria britânica na batalha da balaclava.

‘’Half a league, half a league,
Half a league onward…’’

Estranho não sentir a raiva gloriosa dos últimos minutos de quem viveu com a honra ou a morte como únicas certezas. O fogo na barriga que sentia era a azia de quem não tinha comido hoje, que o fazia arrotar ácido de maneira não muito gloriosa. Vomitou o mais silenciosamente que conseguiu, até que uma irregularidade no silvo contínuo que tinha nos ouvidos desde a explosão que muito provavelmente tinha morto o irmão dele, retesou-lhe os músculos. Qualquer coisa a sussurrar nas sombras… O vento?

Estava frio. Outra vez. As memórias que ele tinha de estar quente e confortável estavam esbatidas. Mantinha a vaga ideia que algures, um dia, o mundo tinha sido um lugar seguro. Agora, sozinho no escuro, alerta, abraçado às pernas dormentes, encostado a uma viga gelada de aço cinzento, escutava. Apesar das náuseas e suores frios, a opressão do silêncio na sala ajudava um pouco a estancar o pânico.

‘’Eles vêm aí…. ‘’

O bater do coração precipitado, fez com que começasse a beber o ar em golos pequenos e irregulares.
‘’Calma… calma, calma….’’ Murmurou para si próprio, numa voz rouca pela garganta arranhada pelos vómitos. Não podia deixar o medo afogá-lo. Não agora.
Tinha treinado durante anos. Tinha morto pelo menos 3 deles no último quarto de hora…. Porque é que as mãos dele insistiam em tremer? Porque é que tinha aço nas mandíbulas?

Havia calor a espalhar-se pelo colo dele, que pingou numa poça pequena.

O desfecho provável dos próximos minutos deixavam-no aterrado, ao mesmo tempo que o último cartucho de munições na semiautomática tornava-o consciente da faca de mato no tornozelo.
’’Porque é que estão a demorar tanto tempo?’’… ‘’Será que passou assim tanto tempo?’’

Tornou a mostrar um olho cauteloso à paisagem. As sombras ondulavam por cima de um cadáver encostado à ombreira de outra porta que dava acesso aos fornos da fábrica. O sangue que lhe tinha brotado abundante do orifício supraciliar, estava agora reduzido a um fio rosado que nascia de um coágulo preto. ‘’Que sítio estúpido para morrer…’’

Finalmente ouviu qualquer coisa. Nada de especial, mas o suficiente. Eles estavam na sala, provavelmente atrás da primeira fornalha.
2… não 3, pelos passos. Ouviu uma troca de palavras sussurradas.
Pareciam assustados... Um deles recomendava extremo cuidado ao outro.
Será que tinham ouvido falar da reputação dele?

Talvez o desespero dele tenha sido prematuro. Um princípio de coragem parecia querer levantá-lo, disparam, matá-los, fugir para casa. Um cartucho era mais que suficiente, porra.

Para casa....

O efeito surpresa estava do seu lado. ‘’Os filhos da puta nem vão perceber…’’

‘’Forward, the light brigade!
Was there a man dismay’d?
Theirs not to make reply,
Their’s not to reason why,
Their’s but to do and die…’’

‘’FIlhos da putaaa….’’ Quando se levantou, o sangue ainda lhe pingava da testa, cheirava a vómito, tinha as pernas dormentes e a começar a ficar geladas do mijo… mas a mão…. A mão dele sempre foi rápida como um relâmpago.

Alguma coisa arrancou-lhe o ar dos pulmões, antes de ouvir a Mark 2 Lancer Assault Rifle trovejar em todo o esplendor do seu calibre 0.5. Pelo que sentiu, podia ter sido uma locomotiva.

 ‘’Into the valley of death,
Rode the sixhundred…’’

Deitado de costas viu que no tecto estava a moldura de uma conduta de ar, com uma escada que levava à superfície, ao alcance de um pequeno salto. Duas estrelas mortiças cintilavam lá em cima, cada vez mais desfocadas…
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As estrelas desfocadas foram obliteradas pela zona pélvica do primeiro locust que mal se aproximou começou imediatamente a baixar-se e a levantar-se por cima da cabeça dele, a despropósito e várias vezes, antes de se ler no ecrã: ‘’N00b!!! N00balhão!’’

‘’Carlos, a comida está na mesa! Vai ficar fria!’’
‘’Cala-te, já vou! Fizeste-me perder, mãe! Já disse que já vou!’’

‘’Deixa-te de parvoíces e despacha-te.’’

5 comentários:

  1. Espectacular!
    Exijo, o mais veementemente possível, uma versão Skyrim disto!

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    1. Vamos pensar nisso! Ao Carlos!

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    2. Ah... O Carlos... Nunca gostou de perder...
      Lembro-me bem que até no último suspiro se esforçou com tamanha bravura... http://youtu.be/7hE5Pk8F4Uo
      A toast to his memory

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    3. http://youtu.be/7hE5Pk8F4Uo - ''aí vai uma dica, se tu desenhar um caralho na parede, o tempo vai passar mais rápido... ''
      muito bom!

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