Pataniscas Satânicas

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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Guardians of the Galaxy - a Análise Definitiva

Tenho sempre muito mais dificuldade em escrever acerca de coisas de que gosto muito, do que em escrever coisas de que gosto menos. Isto acontece porque tenho sempre tanta coisa a dizer acerca do que gosto, que se torna difícil escolher o que dizer.

Mas com a aproximação a passos largos do Avengers: Age of Ultron, senti que finalmente tinha de meter mãos à obra e escrever a minha análise definitiva ao Guardians of the Galaxy.



O Guardians of the Galaxy (GotG) foi o meu filme preferido de 2014 (não o melhor, mas o meu preferido), e representa até agora o melhor que a Marvel consegue fazer, usando todas as melhores ferramentas que tem ao seu dispôr.

Em primeiro lugar há algo a ser dito acerca de como a Marvel decidiu ir buscar personagens obscuras (mesmo dentro do universo da banda desenhada) de que ninguém tinha ouvido falar, referentes a storylines pouco populares.
Foi um risco, e haveria todo um artigo sobre porque é que a Marvel decidiu correr esse risco.

Essencialmente a Marvel tem um grande plano de diversificação do seu universo cinemático para além dos super-heróis clássicos que conta com o GotG para abrir as portas para o seu universo Cósmico, e que vai passar pela Espionagem (Agents of Shield) Retro (Agent Carter) e Horror (Doctor Strange).


É uma enorme responsabilidade para um filme.
Quando ainda estávamos em 2008 e o primeiro Iron Man estava a estrear não havia tanto em jogo. O Marvel Cinematic Universe não estava tão cheio, não havia tanta personagens, tantos plotlines, nem tanto dinheiro apostado nesta franchise. 

O GotG propõe-se então a introduzir um universo completamente novo a um público saturado, que já tem dificuldade em manter-se a par de todos os nomes de heróis, vilões, mundos e plotlines, e fazê-lo com personagens de que ninguém ouviu falar.
O GotG carrega em cima de si a responsabilidade de iniciar a plotline que vai terminar com o Avengers: Infinity War em 2018.

É um ponto de partida difícil. Tem tudo para falhar.

Um dos aspectos mais importantes que determinou o sucesso do filme foi a escolha do realizador James Gunn. Com esta escolha, o presidente dos Estúdios Marvel, Kevin Feige, prova mais uma vez o seu génio a escolher talentos improváveis para liderar os projectos do MCU.



James Gunn, um aprendiz de Lloyd Kaufman e da Troma Pictures, começou por realizar filmes gore, passou para os filmes indie, mas sempre dentro do género dos super-heróis. Super é uma desconstrução do género dos super-heróis, e demonstra o quão bem James Gunn compreende o género.
A criatividade, humor e estética invulgar de Gunn seriam fundamentais para a génese de GotG.

Agora, porque é que GotG é tão bom?

Em primeiro lugar, as personagens, de que já falei uma outra vez, encaixam-se perfeitamente na Five-Man Band, o que significa que são imediatamente compreensíveis, o que compensa o facto de serem desconhecidas. Ou seja a novidade e invulgaridade refrescante das personagens está encapsulada em ferramentas de escrita muito familiares e compreensíveis. 


A personagem do Peter Quill, aka Star Lord, é carismática, muito divertida e foge ao estereótipo do super-herói moral e bonzinho. Como explicarei mais à frente, a personagem do Star Lord é uma mistura de Han Solo e Indiana Jones. 
É também significativamente mais velha do que a maioria dos heróis púberes de outros filmes de aventuras que por aí andam (Hunger Games, Divergent, Twilight, etc), apelando a um público mais velho, que é o que cresceu com as referências do filme. 
A escolha de Chris Pratt é perfeita, e consegue trazer uma tolice natural à personagem que a torna extremamente relacionável. Pratt faz a personagem com uma perna às costas, sendo essencialmente o Burt Macklin in SPAAACE.


As outras personagens centrais são excelentes, cada uma com as suas idiossincrasias engraçadas, e extremamente memoráveis.

O Rocket Raccon é a subversão do Plucky Comic Relief Empathy Pet típico da Disney, transformando-se em vez disso no Snarky Non-Human Sidekick com More Dakka, e funciona TÃO bem! É impossível não o adorar.


O Groot é o Groot, e só o facto de se ter tornado uma das personagens mais adoradas do filme devia dizer tudo o que é preciso acerca de como o filme consegue vender o seu mundo e personagens tão bem.

O Drax é talvez a personagem mais simples do grupo, mas nem isso impede que seja muito interessante. Consegue vender muito bem não só a ideia do Big Guy mas ainda misturá-la com Blunt Metaphors Trauma.


Uma das poucas coisas negativas que tenho a dizer acerca do filme tem a ver com a personagem da Gamora. É uma personagem extremamente fixe, uma Assassina Badass, de quem eu quereria saber muito mais. E é isso que o filme não nos dá. Mais informação e construção desta personagem, que poderia facilmente ser uma das melhores.
Poder-se-ia fazer o argumento de que o filme já tem imensa coisa e que não havia espaço, mas ainda assim é uma pena.


A dinâmica entre estas personagens é extremamente divertida e interessante, com alguns diálogos extremamente naturais e divertidos. O tipo de humor quase parvo é invulgar para este tipo de filmes, que habitualmente se levam muito a sério.
Já tenho visto interpretações muito engraçadas sobre o grupo de personagens que o compara a um grupo de personagens de RPG a tentarem resolver problemas, e de facto os diálogos e interacções que surgem têm esse tipo de energia e humor.



Outra crítica que tenho ouvido e que acho que é sobre-valorizada é a superficialidade aparente do vilão, o Ronan.
Eu comparo o Ronan ao Mandarin, o vilão do Iron Man 3. Ambos são terroristas sanguinários, com a intenção de destruírem uma super potência que consideram culpada de crimes contra uma população indefesa e injustiçada.
Até são ambos dados a Badass Boasts e tudo.
No Iron Man 3 isso é suficiente durante cerca de 2/3 do filme, altura em que o vilão é subvertido. No GotG não existe essa subversão, e o vilão é levado a sério durante o resto do filme.
Isso torna necessariamente o vilão mais unidimensional, mas não há nada de necessariamente errado nisso. É só mais uma ferramenta de escrita que faz sentido num mundo já tão rico e preenchido. 



O conflito do filme é simples e directo, e as acções das personagens são razoavelmente racionais, pondo-as em rota de colisão inevitável com os interesses do vilão. 
A história do filme não é a mais complexa ou profunda ou sequer original, mas está construída de modo a ser rápida, cheia de ritmo e com espaço para as personagens esticarem as pernas e para haver worldbuilding de sobra. 
Aliás, já com tanta coisa a acontecer uma história demasiado complexa tornaria o filme sobrecarregado e incompreensível.

Porque o foco deste filme não poderia ser nunca a história, ou os conflitos. 
Como introdução a todo um universo Cósmico extremamente rico e extenso, com mais filmes para vir, este filme teria necessariamente de se focar na apresentação das personagens e do mundo. Se tentasse fazer tudo ao mesmo tempo, falharia a todos os níveis.
Ou seja, estas aparentes faltas do filme não são erros, mas sim decisões propositadas de um realizador experiente que sabe como construir um filme!


E é essencialmente essa mestria de James Gunn que pega num filme que teria imenso contra si, e tudo para falhar, e o torna tão bom. O que faz o GotG tão bom é a aliança perfeita entre conteúdo arriscado, invulgar e desafiante carregado por ferramentas narrativas extremamente eficientes e que garantem divertimento.


Deixem-me exemplificar o que quero dizer explicando a genialidade da abertura do filme.



O filme abre de forma inesperadamente dramática (sobretudo para um filme de super-heróis) com o muito jovem Peter Quill numa sala de espera do hospital, indo visitar a mãe que está a morrer de cancro. Toda a cena, a decoração do hospital, as roupas, a luz, a música (I'm not in Love, 10cc) , colocam-nos claramente no fim dos anos 70, inicio dos anos 80.
Descobrimos que o jovem Peter se meteu numa briga na escola porque os outros miúdos estavam a maltratar um sapinho! 
Empatia Instantânea! É impossível não adorarmos o miúdo e querer dar-lhe um abraço, dizer-lhe que vai correr tudo bem. E a perda pessoal é algo por que todos nós já passámos, sobretudo durante a nossa idade mais jovem, portanto esta é uma empatia carregada de auto-identificação. Gostamos desta personagem e identificamo-nos com ela!

A mãe morre, o miúdo não sabe lidar com isso e foge para a rua e, num momento de dor emocional e confusão, é raptado por alienígenas que parecem saídos do Encontros Imediatos do 3º Grau!




Saltamos de uma cena que é simultâneamente familiar mas dolorosa, para uma que é desconhecida, mas excitante, que é o espaço!
Vemos um planeta abandonado, uma nave espacial a aterrrar e uma personagem com um Badass Longcoat e uma Máscara com olhos brilhantes que parece extremamente fixe!
A personagem está a explorar um planeta abandonado, a usar gadgets tecnológicos para procurar ruínas de uma civilização que bizarramente parece extremamente avançada. A música é ominosa e cheia de suspense.



Portanto não só a personagem é extremamente fixe, tem uma nave espacial, gadgets, e agora transformou-se no Indiana Jones? À procura de ruínas no espaço?
Que se lixe tudo o resto, eu quero SER esta pessoa.
Esta é a personagem pela qual o filme quer que eu esteja a torcer! Está construída para ser o herói que eu quero a admirar.

A personagem agora entra no que parecem ser as ruínas de um templo abandonado. Neste momento o espectador está assoberbado de tantas coisas novas e estranhas e difíceis de integrar.



O que é que acontece?.
A máscara abre-se e vemos a cara da personagem, e instintivamente percebemos que é o jovem Peter Quill!
Portanto a personagem com quem eu inicialmente senti tanta empatia, e com quem me identificava tanto, afinal transformou-se nesta personagem que é uma amálgama de todas as coisas fixes que eu consigo imaginar e que eu quero ser? Isto é ouro! O meu investimento por esta personagem aumentou exponencialmente!



E o que é que acontece a seguir?
A personagem puxa de um Walkman, põe a tocar Come and Get your Love e começa a dançar.


O Walkman e a música puxam o mundo bizarro de ficção científica para um lugar reconhecível e familiar e a personagem distantemente fixe voltou a tornar-se próxima e relacionável e infinitamente mais adorável. 
Toda a fantasia e desconhecimento subitamente transformaram-se numa coisa casual, que o protagonista (com quem nos identificamos) simplesmente trata com a maior das casualidades e do divertimento.
A música dos anos '70 e '80 é transversal a todo o filme e ajuda sistematicamente a manter o filme firmemente familiar e reconhecível, mesmo quando as coisas são mais fantásticas.

Até o facto de ele ao dançar dar pontapés aos ratos estranhos, agarrar num deles e usá-lo como microfone, torna os efeitos de CGI muito mais físicos e realistas, ajudando a integrar toda a estranheza do mundo.

Sobretudo, esta abertura estabelece todo o tom do filme e cria as expectativas e ambiente emocional que melhor levam a que o resto do filme seja fácil de apreciar.

A partir desse momento, com esta abertura, com o trabalho de preparação do tom e do ambiente, o filme consegue fazer tudo o que quiser!

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