Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Io, Saturnalia!

O burburinho de pessoas bem-dispostas.



O grande templo de Saturno está cheio de cidadãos até às portas. As colunas do templo estão decoradas com ramos verdejantes e símbolos dourados do Sol Invictus.

Ao centro, um sacerdote de Saturno sacrifica o grande touro em honra do Deus da Agricultura e da Abundância. As pessoas que apinham o templo parecem não conseguir conter o riso perante a visão da careca do sacerdote, com apenas alguns cabelos desgrenhados.
O próprio sacerdote não se parece importar. A cor das suas bochecas e o facto de já se ter enganado três vezes nos rituais indicam que terá começado as celebrações mais cedo do que toda a gente.


Aléria sai do templo no fim do ritual sagrado.
Agradece a Saturno a sua boa fortuna de ter sido trazida para a grande cidade romana, e não enviada para os campos, onde seria sujeita ao trabalho árduo da agricultura.

Por todo o lado, nas ruas da cidade, grupos de homens e, surpreendentemente, mulheres, passeiam de barraca em barraca, bebendo vinho quente, rindo de forma livre e gritando "Io Saturnalia!" uns aos outros.
Até as suas togas brancas e austeras foram substituídas pelos synthesis, roupas garridamente coloridas, guardadas para épocas de celebração.



Aléria passa em frente ao Senado, de onde ouve vozes masculinas a cantarem desafinadamente em coro. O cheiro de vários javalis assados atravessa as portas, e por esta altura os Senadores já estarão no seu quinto ou sexto brinde ao Deus Saturno, cuja estátua certamente está sentada entre eles.

"Io Saturnalia!" grita um grupo de nobres romanos ao passarem por Aléria.

Aléria tem um breve momento de pânico, e só consegue responder "Io Saturnalia" já depois dos nobres terem passado.
Não está habituada a que os nobres reparem nela, sendo uma escrava.
Mas hoje, nesta noite do ano, Aléria tem direito a usar o pilleus, o chapéu cónico usado pelos cidadãos livres.
Todos as pessoas usam o pilleus, e Aléria sente um entusiasmo quase assustador por poder andar na rua como uma mulher livre, indistinguível de qualquer outro cidadão.



Todo o dia foi um de festa. As escolas fecharam, os tribunais não trabalharam. Por uma vez não foi declarada guerra a ninguém. Aléria pensa, não pela primeira vez, que os romanos são excelentes a construir banhos públicos e aquedutos e estradas, mas não conseguem passar mais do que 10 minutos sem declararem guerra a alguém.

Aléria aproxima-se da casa do seu Mestre. A árvore no pátio interior está decorada com fitas púrpura, e um sol dourado está pendurado no topo. As crianças rodeiam a árvore, excitadas, à procura de moedas penduradas nos ramos.

Os outros escravos já estão sentados à grande mesa, lado a lado com a família do mestre. Aquila, a esposa do Mestre, serve a comida alegremente a todos, membros da família e escravos de igual forma.
O grande salão está iluminado por centenas de velas, criando um ambiente etéreo. Coroas de folhas verdes estão penduradas sobre todas as janelas e portas. O riso das crianças mistura-se com as gargalhadas fartas dos adultos, aquecidas pelo vinho.


Aléria come um pouco do porco assado, frutos secos e queijos. No fim da refeição deleita-se com biscoitos de especiarias, e repara no seu Mestre embrulhado num casaco de peles, sentado sozinho a uma mesa, a observar a sua família com um sorriso.

"Ah, Aléria..." diz o homem idoso e rotundo, com o nariz vermelho e um cálice de vinho na mão "Não te juntas a mim?" convida ele, apontando para os dados em cima da mesa.

Aléria aproxima-se da sua mesa, e senta-se ao seu lado, como igual.

"Na minha juventude livrei-me de muitos turnos de guarda durante a noite, jogando aos dados com os meus camaradas no exército" diz ele, rolando os dados sobre a mesa, e bebendo mais um gole de vinho.

"Sim, Mestre Ignatius" responde Aléria, com os olhos baixos.

"Qual 'mestre'? Não hoje, Aléria, hoje sou só Ignatius!" ri ele "Não queremos ofender os deuses, pois não? Vá, rapariga, relaxa!"

"Sim... Ignatius" diz Aléria hesitando.

"Vá, vá, faz a vontade a um velho, e joga comigo, heheh"


As crianças, cada vez mais excitadas, começam a trocar prendas entre si. Até os adultos, nobres e escravos, trocam pequenas estatuetas de barro, pentes, chapéus, perfumes, cachimbos entre si.

"Aléria, não andaste a praticar às escondidas, pois não?" pergunta Ignatius maliciosamente.

"Sorte de principiante, suponho" responde ela, com um sorriso furtivo.

"Aposto que sim, hehe" Ignatius vasculha no seu grande casaco de peles "Aléria, isto é para ti" entregando-lhe uma pequena caixa de madeira esculpida, com um fecho em bronze "Para guardares os teus ganhos aos dados".

"Mestre Ignatius, não tinha de -" começa Aléria.

"Se insistes em me chamares Mestre hoje, então tenho de insistir em que aceites a minha prenda sem queixumes! É uma ordem"

"Bem... também tenho aqui uma coisa para si..."

"Oh?"

Aléria tira de dentro das suas vestes um pequeno objecto, que lhe entrega às escondidas.

Ignatius pega no pequeno objecto e examina-o. Trata-se de um pequeno pénis erecto, forjado em latão.



"Aléria!?"

"Para lhe dar sorte!" responde Aléria com um sorriso, e olha na direcção de Aquila.

Ignatius segue o seu olhar, vê Aquila à distância, a tentar acalmar as crianças. Aquila repara nele, e sorri-lhe também à distância.
Ignatius parece não saber se há-de parecer chocado, ou embaraçado.

"Io Saturnalia, Aléria!"

"Io Saturnalia, Ignatius."

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