Pataniscas Satânicas

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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Quando o Papão vem visitar

Temos de lidar com o Papão quase diariamente, mas a verdade é que se formos seguindo as regras  dele, passamos despercebidos.

Isto é importante.

Afinal, um dos preceitos nos quais o Papão se baseia é "mantém-te dentro das linhas", e é razoavelmente coerente a recompensar ou a punir de acordo com a obediência a essa ideia.

A maior parte das pessoas nem se apercebe bem da existência das linhas, porque foram criadas de maneira a aceitar as linhas como leis da natureza.

Para os de nós que conseguem ver as linhas, não é difícil perceber onde é que estão, e que são largamente arbitrárias.
Isto pode ser irritante, porque ser capaz de ver as linhas costuma correlacionar-se com não gostar da imposição de andar dentro das linhas.

Há duas maneiras de lidar com isto.

Podem tornar-se no Herói Trágico.



O Herói Trágico revolta-se contra a existência das linhas, e é incapaz de viver em paz com o facto de as outras pessoas todas terem de andar dentro delas, recusa-se a andar dentro das linhas e então decide lutar contra o Papão.

Isto é um erro.

Não se ganha contra o Papão.

Na maior parte das vezes os Heróis Trágicos que lutam contra o Papão fazem-no porque albergam alguma forma de idealismo moral, crenças de coerência e rigor ideológico, altruísmo ou de valor do sacrifício-em-prol-do-bem-comum, que os faz acreditar que têm uma hipótese, por remota que seja, de vencer contra o Papão.

Essas crenças morais ou ideológicas, invariavelmente idealistas que promovem o auto-sacrifício foram lá postas em primeiro lugar pelo próprio Papão. Os heróis que por vezes surgem, inflamados por essas crenças, são um efeito secundário perfeitamente previsível, esperado e facilmente resolvido.

O Papão inventou o jogo, escreveu as regras, e previu não só o surgimento de Heróis Trágicos, como pôs em prática ferramentas para lidar com eles à medida que surgem.


O único acto de resistência contra o Papão que pode trazer algum tipo de ganho é enganá-lo.

Porque, apesar de todo o seu poder, o Papão nem é muito esperto, e muito menos é omnisciente.
Aqui surge a segunda maneira de lidar com as linhas do Papão.

Podem tornar-se no Espertalhão Preguiçoso.



O Espertalhão Preguiçoso vê as linhas do Papão, mas aceita-as como um facto inescapável da vida, decidindo não lutar contra elas, mas sim arranjar estratagemas para esconder o facto de que nem sempre anda dentro delas.

Se o Papão não reparar em nós, conseguimo-nos safar com uma data de coisas. Desde que não demos muito nas vistas, se não fizermos muito barulho, sobretudo se não falarmos muito do Papão, ele deixa-nos sozinhos para fazermos mais ou menos o que quisermos.

Não é particularmente difícil enganar o Papão, desde que não se seja muito óbvio. É preciso escolher os logros, investir apenas naqueles com boa probabilidade de sucesso e poucas consequências se falharem.

Enganar o Papão é entusiasmante. Dissimular uma transgressão dá uma sensação de liberdade que é intoxicante, e cria a ilusão de que há controlo sobre o Papão e as suas linhas.

Esta sensação de liberdade intoxicante pode fazer com que o Espertalhão Preguiçoso se comece a esticar nas suas transgressões. A ganância é o maior erro do Espertalhão Preguiçoso. É preciso saber muito bem onde é que estão as linhas, e quais nunca podem ser ultrapassadas.

Obviamente que se começarmos a fazer ondas, a dizer palavras de que o Papão não gosta, a picar o papão com um pau, ou, pior que tudo, chamar a atenção para o facto de o Papão existir, aí o Papão repara em nós e a nossa vida piora significativamente.

Chatear o Papão é mau, porque depois ele vem em toda a sua fúria, fogo, e burocracia e torna a nossa vida num inferno kafkiano que nos vai fazer desejar não ter nascido.



Mas se formos espertos, não tivermos complexos de heroísmo ou martírio, e soubermos dizer as coisas evitando as palavras proibidas, até é possível safarmo-nos durante a maior parte do tempo.

Infelizmente o Papão também previu a existência do Espertalhão Preguiçoso.

Contrariamente ao Herói Trágico que anuncia a sua existência e que vai ter com o Papão para ser sumariamente esmagado, o Espertalhão Preguiçoso é mais difícil de apanhar.

Portanto o Papão vem visitar uma vez por ano, quase como o Pai Natal.

É a altura do ano em que o Papão vem espreitar por cima do ombro do Espertalhão Preguiçoso para ver se ele se está a manter dentro das linhas.
Vem fiscalizar, auditar, avaliar, examinar, ver se as contas estão pagas, se os requerimentos foram todos preenchidos em triplicado, ver se os feijões foram todos adequadamente contados.

Esta é a pior altura para o Espertalhão Preguiçoso, porque contrariamente ao que se poderia pensar, custa mais ao Espertalhão Preguiçoso andar dentro das linhas do que ao Herói Trágico.

Mas quando o Papão vem visitar, o Espertalhão Preguiçoso tem de baixar a cabeça, contar os feijõezinhos todos, andar certinho dentro das linhas.


Não dura muito tempo, habitualmente, mas as consequências de falhar à visita do Papão são grandes, e é difícil esconder os atalhos às linhas. 
Como a maioria das coisas que o Papão exige, nem é sequer extremamente difícil sobreviver à visita do Papão, mas exige trabalho árduo, auto-sacrifício e abnegação. Tudo coisas que o Preguiçoso Espertalhão detesta.
A visita do Papão serve mais para meter medo ao  Espertalhão Preguiçoso, e para o relembrar que o Papão não desapareceu. Para lhe relembrar que as linhas estão lá e que ele não se pode esticar nos atalhos.

Sobretudo para o o Espertalhão Preguiçoso não começar a dar ideias às outras pessoas, fazendo-as reparar nas linhas pela maneira como não as segue.

É uma forma de controlo.

Porque no fim de contas, os Espertalhões Preguiçosos são muito mais perigosos para o Papão do que os Heróis Trágicos.

4 comentários:

  1. Este texto é um manual sobre estilos de vida. O espertalhão preguiçoso tem que fingir que acredita nas mentiras e regras do papão, durante a auditoria anual de que é alvo. Não é fácil. Mas mal o papão vira as costas, pode recomeçar a prevaricar sorrateiramente.
    O herói trágico levanta-se armado com a moral do lado dele, e apontar os buracos na cartola do papão. Sugere que devíamos mandar o papão abaixo, e substituí-lo por uma coisa diferente e melhor.
    O que o herói trágico se esquece, é que são precisos muitos heróis, durante décadas, para chatear o papão o suficiente para ele mudar um milimetro do seu comportamento.
    O papão ainda é praticamente o mesmo desde o princípio dos calhau, o que é uma longevidade invejável. Acho que vem de uma dieta com um pequeno almoço rico em heróis trágicos.

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    1. O problema do Herói Trágico é que confunde os representantes do Papão com o próprio Papão.

      Quando, raramente, consegue derrubar os representantes do Papão, esquece-se que rapidamente eles são substituídos por outros habitualmente ainda mais determinados a fazer valer a vontade do Papão.

      O exemplo mais óbvio disto é a revolução francesa. Eles realmente conseguiram derrubar a monarquia obscena dos Louis que estava a matar milhões à fome, mas depois foi para lá o Napoleão que andou a matar milhões nas guerras.

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    2. Certo, concordo. Mas tens que admitir que o Napoleão era de longe mais fixe a invadir toda a gente, e a explicar com canhões que agora o teu país faz parte de frança. Curiosamente, chamava a isto ''libertar'' as populações oprimidas das monarquias tirânicas. E isto fazia sentido para eles na altura.

      O napoleão vendeu-se durante muito tempo como inimigo do papão.

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    3. Tens de escrever qualquer coisa acerca do Napoleão e dos seus canhões.

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