Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Sorri!

Pressão social para sorrir? Experiências perigosas com cadeiras? A ansiedade como mecanismo de protecção? Bitter, much?

Vamos falar sobre isso!



Toda a minha vida ouvi frases como "Sorrir não custa!"

Ou "Ser simpático não custa nada!"

Ou ainda "Não olhes para os pés, sorri às pessoas".

Também vemos uma data de frases inspiradoras por cima de imagens bonitas a pulular o Facebook, a apelar ao sorriso.

Peço desculpa por vos expôr a esta pirosice nauseante
>suspiro<

Primeiro vamos falar da dor.

Não da dor que sentimos quando olhamos para aquela imagem ali em cima, mas sim dor como sensação física, como quando nos picamos numa agulha ou nos queimamos no fogão.

Quando uma bactéria é exposta a estímulos que lhe são nocivos, como oxigénio, ou calor, ou um glóbulo branco gigante a tentar comê-la, foge desses estímulos.


Agora, uma bactéria, como já vimos, é pouco mais do que um robot molecular. Não é mais do que rodas dentadas e engrenagens proteicas a rodarem umas sobre as outras.
Podemos todos concordar que uma bactéria não sente dor.

Mas apesar disso tem mecanismos que lhe permitem fugir de estímulos que estão correlacionados com a sua própria destruição. A bactéria tem percepção de estímulos nocivos.

A nocicepção (a percepção de estímulos nocivos) é das coisas mais basais à sobrevivência e dos aspectos mais importantemente seleccionados na evolução.

Por isso é que quando nos queimamos no fogão puxamos a mão à bruta. É um mecanismo reflexo do nosso corpo para nos proteger dos danos aos tecidos da nossa mão.

A dor é um alarme. Serve para nos avisar que alguma coisa não está bem e para nos protegermos do que quer que nos esteja fazer mal.

Felizmente temos cérebros muito grandes com uma consciência muito complexa que nos permite sofrer e aprender com esses estímulos nocivos.

A dor existe para nos ensinar a não metermos a mão no fogo.


Agora faça comigo uma experiência, caro leitor:

Sente-se (se não estiver já sentado).

Incline-se para trás na sua cadeira, levantando os pés da frente da cadeira.

Mais um bocadinho.

Mais um bocadinho.

Ainda mais um bocadinho.

Maaaaaaaaais - já está


Sabe essa sensação que teve? Um medo súbito de cair, o coração a acelerar de repente, o calafrio pelas costas abaixo, se calhar até começou a transpirar?

Isso é ansiedade.

Você não chegou a cair, não se magoou. Mas o medo de cair, a antecipação de se magoar, provocaram-lhe sensações desagradáveis. Mesmo que não tenha acontecido nada.

Mas de uma forma muito simplista, o que você sentiu foi ansiedade.



Agora imaginem um macaco, que no seu passeio diário em busca de bagas e frutos, se cruza com um tigre.

O macaco estúpido pensa "Olha, que coisa tão grande e fofinha, acho que lhe vou fazer festinhas".
Esse macaco estúpido não vive tempo suficiente para passar os seus genes da estupidez à geração seguinte.

Por outro lado macacos espertos que pensaram "Olha, está ali uma coisa enorme com dentes, é melhor fugir" sobreviveram.

Sobreviveram porque essa cognição que tiveram acerca do seu ambiente lhes causou ansiedade.

A ansiedade é um mecanismo neuroquímico que transforma percepções cognitivas em reacções físicas.

O cérebro daquele macaco esperto, quando viu o tigre e o entendeu como uma ameaça, libertou uma data de neurotransmissores que fizeram com que a sua tensão arterial subisse, com que o seu coração batesse mais depressa, com que os seus músculos se contraíssem, para ele poder fugir dali o mais depressa possível.


A ansiedade, à semelhança da dor, é um mecanismo de alarme fisiológico que nos protege de coisas que nos podem fazer mal.

Há um estudo de 2012 que demonstra que a ansiedade é processada pelas mesmas zonas do cérebro que lidam com a dor física.

Portanto a ansiedade é equivalente à dor do ponto de vista neurológico, e ambas servem para condicionar comportamentos.

Por exemplo, para o ensinar a não se inclinar para trás na cadeira como um macaco estúpido.


Muito à semelhança das alergias que não são mais do que um exagero do nosso sistema imunitário a estímulos que não são nocivos, também a Ansiedade, que é um mecanismo protector do nosso organismo, pode reagir exageradamente a estímulos que não são nocivos.

É normalíssimo sentirmos ansiedade quando damos de caras com um tigre.

Não é normal sentirmos ansiedade quando vemos um botão.

As Perturbações Associadas à Ansiedade são muitas, passando pela ansiedade generalizadafobias, perturbação obsessivo-compulsivaperturbação de pânico, entre outras, e são muito comuns, com uma prevalência de 18,1% na população adulta Americana e de 23,3% na população adulta Portuguesa.

A maior parte das pessoas não reconhece a ansiedade como uma doença.


A Ansiedade Social é particularmente tramada.

Define-se como uma sensação significativa de ansiedade ou medo provocados por interacções sociais ou pela atenção real ou percepcionada de outros, provocando habitualmente sintomas como corar, transpirar, tremer, palpitações, náuseas, gaguejar ou até ataques de pânico.

Não é assim tão descabido acreditar que o simples facto de alguém olhar para nós possa provocar ansiedade se soubermos que com muitos animais o contacto visual é entendido como um acto de agressão.

Não devem nunca fazer contacto visual com um gorila, por exemplo.


Agora,

Imagine que sempre que alguém interage consigo o seu cérebro interpreta isso como um estímulo nocivo, semelhante à dor física.

Imagine que sempre que alguém fala consigo você sente subitamente o coração a palpitar, os seus músculos contraem-se, fica sem fôlego, a transpirar, a gaguejar, não muito longe do pânico.

Imagine que sempre que alguém lhe diz "Bom dia!" você sente um pico de ansiedade, como o que sentiu lá em cima quando se inclinou para trás na cadeira.

....

"Sorri!"


2 comentários:

  1. Conheço quem tenha ansiedade social a tal nível que seja muito muito difícil, ou praticamente improvável que essa pessoa saia de casa ou até da cama se não for mesmo mesmo precisol. O mesmo mesmo preciso não inclui razões de saúde (mais vale morrer aqui do que ir comprar benurons para a febre) nem alimentares (porque enquando houver coca cola é suficiente para encher o estômago), mas apenas o ir trabalhar, e mesmo assim a saída da cama é adiada até à última.

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    1. Socialmente esse tipo de ansiedade acaba por ser entendida como preguiça ou desmazelo, o que só contribui para o estigma associado à doença.

      Em casos extremos as perturbações de ansiedade e pânico podem fazer com que a pessoa não saia de casa nunca por medo de ter ataques de pânico em situações não controlada, e nesse caso estabelece-se uma Agorafobia que é difícil de tratar.

      O mais importante sempre é o reconhecimento precoce destes problemas como uma doença que pode se tratada.

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