Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

domingo, 17 de janeiro de 2016

Marvel v DC

 A diferença fundamental entre a Marvel e a DC? O humor como ferramenta de escrita? Fazer hijack de um comentário para escrever um artigo?

Vamos falar sobre isso.



Já antes analisei a fundo a história da competição cinematográfica entre a Marvel e a DC, mas mesmo assim nunca entrei especificamente sobre as diferenças fundamentais entre os dois universos.

A Marvel e a DC competem uma com a outra desde sempre, e continuam a par e passo a lançar obras paralelas.

Não é por acaso que neste ano saem o Batman v Superman (2016), que é sobre os dois principais heróis da DC a lutarem um contra o outro, e o Captain America: Civil War (2016) que é sobre os dois principais heróis do MCU, o Captain America e o Iron Man, a lutarem um contra o outro.


Os paralelismos entre o universo da Marvel e da DC são imensos. A maior parte dos heróis de uma e da outra são equivalentes entre si, e por vezes são mesmo cópias descaradas uns dos outros.

Mas apesar de podermos estabelecer paralelos tão claros como o Superman e o Captain America serem o The Leader para o The Lancer que são o Batman e o Iron Man, há diferenças fundamentais nestes heróis que tornam o mundo da Marvel um bicho muito diferente do mundo da DC.

Já há muito tempo que eu queria escrever sobre este tema, mas nunca soube exactamente por onde pegar.
Curiosamente foi o comentário do Ricardo no meu último post sobre o Avengers: Age of Ultron, que me deu a ponta perfeita por onde começar.

Ele diz assim, acerca do Age of Ultron:

"Acho que o tom leve e o humor excessivo são das melhores qualidades do filme!"

E tem toda a razão!



Nos últimos anos, à medida que a Marvel e a DC começam a construir os seus universos partilhados, nota-se uma diferença clara no tom dos seus filmes.

Enquanto que a DC constrói filmes com um tom sério e pesado, a Marvel vai sempre para um tom leve e cómico.
Isto não significa que os filmes da DC não tenham piadas ou que os filmes da Marvel não tenham momentos dramáticos, mas no geral o tom dos filmes têm-se mantido consistente.

O cerne disto tudo está no conteúdo: são filmes sobre super-heróis.

Filmes cujas personagens conseguem voar, disparar raios das mãos, e serem estupendamente inteligentes ou fortes, e lutarem contra palhaços assassinos, alienígenas genocidas ou exércitos de robots.

São histórias de aventura épicas, que funcionam tanto melhor quanto mais crescerem, quanto maior forem, quanto mais impossível parecer a tarefa e quanto menor forem as probabilidades de sucesso.
É um tipo de narrativa no qual os exageros são necessários para construir tensão e resoluções satisfatórias.

Ninguém se importa se o Herói salvar um gatinho de uma árvore, por muito realista que isso seja!

Mas se o Herói tiver de salvar New York de um gatinho gigante vindo do espaço com lasers na cabeça, subitamente temos uma história épica de aventura!


O problema reside no facto de que se se tentar contar a história ridícula do gatinho gigante vindo do espaço com lasers na cabeça que vai destruir New York com um tom sério e maduro, gera-se dissonância cognitiva e o ridículo da situação torna-se flagrante e desconcertante.

Se tentares contar a mesma história mas com um tom leve e cómico, o ridículo da situação está suportado por esse tom, não há dissonância cognitiva e os exageros não parecem descabidos.

O Man of Steel (2013) da DC leva-se muito a sério e cai no ridículo por isso.

Os Batmans também se levam a sério, e só não caem no ridículo porque têm o Christopher Nolan a fazer magia com a cinematografia. Mesmo assim a Bat-voz do Christian Bale está no limite do aceitável, e para muita gente quebra a suspensão da descrença.

A Marvel consegue ter coisas como o Guardians of the Galaxy (2014), que é o epítomo do tom leve e do humor excessivo!


Porque é que a DC não constrói então histórias com um tom leve e cómico, à semelhança da Marvel?

Devido a outra diferença fundamental entre a Marvel e a DC que está no nível de poder dos seus Heróis.

O Captain America consegue segurar um helicóptero, mas o Superman é um alienígena quase indestrutível que é capaz de destruir prédios com um murro. São ambos impressionantes à sua maneira, mas estão claramente em escalões diferentes.



E aí reside o problema.

Quando se começa com um herói que é indestrutível, imortal e tão poderoso que é frequentemente comparado com um Deus, é difícil arranjar um antagonista que crie alguma tensão.

Está bem que podem dizer que o Doomsday é AINDA mais forte que o Super Homem, mas ao nível ao qual o Super Homem é poderoso eu já não compreendo a diferença. São os dois inimaginavelmente fortes, e dizer que um é mais forte que o outro é o mesmo que dizer que existem infinitos que são maiores que outros.


São Gigantes a lutarem uns contra os outros lá em cima, e nós cá em baixo a vermos!
É espectacular, admito que sim, é impressionante! Mas não há maneira de eu me identificar com esses Gigantes.

Os Super-Heróis da Marvel, por poderosos que sejam, são pessoas normais. O Captain America era um escanzelado bem intencionado e o Iron Man era um fanfarrão irresponsável antes de ganharem poderes. É muito mais fácil identificarmo-nos com eles.

Mais importante que isso, não são todo-poderosos. Os seus poderes começam muito mais em baixo do que os Heróis da DC.

E como os Heróis da Marvel começam num patamar muito mais baixo, é muito mais fácil os conflitos tomarem proporções épicas simplesmente porque há mais espaço para construir escala e proporção; é muito mais fácil criar vilões muito mais poderosos do que eles, situações que parecem muito mais impossíveis, exactamente porque os heróis são quase mundanos.


E isto permite uma coisa extremamente interessante:

Um Herói mundano a olhar de baixo para cima para uma situação exageradamente épica vai reconhecer o exagero ridículo dessa situação com espanto e incredulidade.

Tal como nós.

E é esse reconhecimento do exagero ridículo, essa capacidade das personagens (com quem nos identificamos) de olhar para o mundo à sua volta e dizer "Isto é bizarro", que abre portas ao humor.
O espanto das personagens é o nosso espanto, portanto quando fazem piadas, mesmo que auto-conscientes, essas piadas reflectem o que nós próprios sentimos, e não parecem descabidas.

Um Deus indestrutível não chega a ficar incrédulo o suficiente com nada para que as piadas vindas da sua boca pareçam sinceras.

Mas desde que haja um tipo, que é pai-de-família, que diga:
"The city is flying and we're fighting an army of robots. And I have a bow and arrow. Nothing makes sense." 
fazendo um bocadinho de Lampshading e mostrar-nos que eles também estão por dentro da piada, que nós embarcamos alegremente em qualquer história estapafurdiamente épica que eles queiram vender!


De forma quase paradoxal, o facto de os Heróis da Marvel serem muito menos poderosos do que os Heróis da DC permite que se riam do seu mundo, e esse humor por sua vez abre portas a aventuras muito mais épicas do que as que a DC, com o seu tom sério, alguma vez conseguiria fazer sem cair no ridículo.

Portanto, sim, definitivamente, o tom leve e o humor excessivo destes filmes são uma das suas melhores qualidades.
São simultâneamente um sintoma de quão relacionáveis são as suas personagens, e uma ferramenta que permite que os filmes cresçam tanto quanto crescem.

Eu estou TÃO entusiasmado com isto tudo!!!!!!!


2 comentários:

  1. tenho que concordar, e tu explicas uma coisa que tinha só intuído. Se estamos a narrar acontecimentos aparentemente espatafúrdios porque isso gera entretenimento, não vale a pena dar um tom sério ao filme. como dizes, gera dissonância cognitiva. o humor ligeiro acrescenta ao entretenimento, e mais do que isso: diria que passa por uma mostra de respeito pela inteligência do público, um incluir o espectador ''in the joke'' num género de filme do ''pontapé na boca'', que tradicionalmente tem um espectador médio estereotipadamente estulto. digo estulto para eles não perceberem... :P
    chamar a atenção para para a improbabilidade do enredo, diminui o sentimento de abuso do ''willing suspension of disbelief'' do espectador. fazê-lo com humor, uma reacção humana típica a situações absurdas, que acontece quando estamos divertidos/entretidos, 'clinches it'.
    Não me parece que os filmes sejam uma revolução cinematográfica. Mas quem está por trás mistura os ingredientes com mestria raramente vista...

    na continuidade, mal posso esperar pelo deadpool. se pegar acho que será mais uma confirmação do sucesso desta estratégia!

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    1. Apesar de tudo o público alvo destes filmes já vai sendo menos néscio do que o habitual.
      É possível que haja alguma sobreposição com o público alvo, por exemplo, dos Velocidades Furiosas, mas á uma coisa incidental e só por causa das explosões.

      O grande público destes filmes, ou pelo menos o público que vai para a internet gerar discussão e hits e hype e fazer publicidade word-of-mouth, é o público que leu as bandas-desenhadas, que pelo menos tem a seu favor saber ler, algo que não é garantido com o público dos Velocidades Furiosas (BUUUUUUURN!)

      É um público muito mais atento a esse tipo de humor auto-consciente e que, como tu disseste, sente o seu fandom e empenho de anos a ser valorizado quando os filmes reconhecem isso.

      Concordo inteiramente contigo quando falas da mestria destes tipos.
      Estes filmes tem pouco de inovador, não saem de dentro da caixa, mas os tipos que os fazem conhecem a caixa como ninguém.

      Também tenho grandes expectativas em relação ao Deadpool, que é, mesmo dentro da banda-desenhada, o expoente máximo da auto-consciência do género.

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