Pataniscas Satânicas

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domingo, 20 de setembro de 2015

Star Lord, ou a Construção de um Herói

Sim, sim, sim. Eu sei! Estou sempre a escrever sobre o Guardians of the Galaxy! Habituem-se!

- btw, este post contém SPOILERS -

Vi o filme pela sétima vez recentemente e pela primeira vez notei num pormenor que já me andava a arranhar o subconsciente há algum tempo:

O Peter Quill não aceita a mão da mãe em despedida antes de ela morrer.

Por pormenor que fosse, foi ao seguir esse fio narrativo que fez com que eu me apercebesse conscientemente de toda a construção de personagem do Peter Quill no filme.

Sim, eu às vezes sou lento a reparar neste tipo de coisas, mas com toda a música dos anos '80 e efeitos especiais fabulosos, é perdoável não reparar no percurso que faz a personagem principal.


Lembram-se logo na sequência inicial, que eu já desmontei ao pormenor, a interacção que o jovem Peter Quill tem com a mãe?

Temos uma criança que é apresentada como sendo altruísta, corajosa e heróica, lutando contra uma data de miúdos porque estavam a maltratar um animal indefeso.
A criança recebe um último presente da mãe que está a morrer e de seguida não consegue aceitar a sua mão em despedida, não conseguindo lidar com essas emoções.


O acto de rejeitar a mão da mãe atira esta personagem num percurso completamente diferente do que o que o esperava. Para começar é raptado por alienígenas!

Confrontar-se com a morte da mãe, rejeitar as emoções associadas, e ser violentamente removido do seu mundo, tudo num espaço de 10 minutos é uma experiência compreensívelmente traumática e é razoável assumir que seja o tipo de coisa que deixa marcas na personalidade de uma pessoa.

Mais importante do que isso, é o tipo de coisa que faz com que o percurso de vida desta criança seja radicalmente alterado, deixando-a perdida.

O desenvolvimento conturbado dessa criança e adolescente é aludido de forma cómica na maneira como é capturado pelo Corpsman Dey, dos Nova Corps (uma espécie de força policial).


Corpsman Dey: I picked this guy up a while back for petty theft. He’s got a code name.
Peter Quill: Come on, man. It’s a…it’s an outlaw name.
Corpsman Dey: Just relax, pal. It’s cool to have a code name. It’s not that weird.

O Corpsman Dey trata o Star lord como se ele fosse um adolescente delinquente que está sempre a ser preso por vandalismo e pequenos furtos, porque é isso que ele provavelmente foi durante imenso tempo. Um adolescente desenquadrado e perdido que recorreu às mentiras e ao crime para sobreviver.

Claramente o facto de ter sido criado sem pais, no seio de piratas do espaço que o queriam comer, tornou-o num adulto egoísta e em quem não se pode confiar.

Não é um herói!
Muito menos é o herói que o jovem Peter Quill mostrava o potencial de vir a ser.

O Star Lord que nos é apresentado, é um bandido! É um ladrão, mentiroso, arrogante! É um "honourless thief", um "A-Hole".



O Star Lord mantém essa atitude de mentiroso, arrogante e egoísta durante a maior parte do filme.

O único momento em que vemos emoções genuínas é quando lhe é confiscado o Walkman.
Nesse momento, perante a perspectiva de perder a música que era a única coisa que lhe restava da sua casa e da sua mãe, Star Lord fica enraivecido. É dos poucos momentos do filme em que o vemos verdadeiramente transtornado.


Outro momento importante, quando o Rocket diz que vai guardar uma bomba numa caixa, é quando percebemos que o Peter Quill ainda guarda o presente que a sua mãe lhe deu ao início do filme.

É notório que o presente é importante para Peter, que não está simplesmente esquecido. Mais importante que isso é o facto de o presente nunca ter sido aberto.
Será que Peter Quill continua a sentir culpa por não ter aceite a mão da mãe? Será que sente que não merece o último presente da sua mãe porque se desviou do heroísmo e altruísmo que ficaram para trás no planeta Terra?



Claro que pelo meio há um MacGuffin que ele rouba, o Big Bad é apresentado, ele tenta vender o MacGuffin e as outras personagens tentam roubá-lo, são todos presos, fim do primeiro acto, fogem, tentam vender o MacGuffin outra vez, descobrem que o MacGuffin é ultra-poderoso, chega o Big Bad que bate em toda a gente e leva o MacGuffin consigo, fim do segundo acto.

Imediatamente antes do fim do segundo acto, o Peter Quill tem um dos seus primeiros actos altruístas do filme com a Action Girl Gamora, por quem aparentemente começa a nutrir sentimentos genuínos.
Star Lord dá-lhe o seu capacete para salvar a Gamora do vácuo do espaço.
Apesar de tudo é um acto calculado porque ele sabe que os Piratas o vão salvar muito rapidamente.


Por todos estes problemas e complicações, a perspectiva do Peter Quill muda, e ao passo que antes só se importava consigo mesmo e com o quanto podia ganhar ao vender o MacGuffin, agora já quer salvar a Galáxia, e até convence os outros a ajudarem-no.


Claro que depois há mais lutas de naves espaciais, explosões, confrontam o Big Bad, despenham a nave espacial gigante e voltam a confrontar o Big Bad.

No momento final, no derradeiro confronto entre Star Lord e o Big Bad, o Star Lord decide agarrar o MacGuffin, sabendo que isso o vai destruir.


É o derradeiro acto altruísta, o auto-sacrifício para proteger todos os outros.
Este é o acto da criança que levava porrada dos outros meninos porque queria proteger um sapinho que não tinha feito mal a ninguém.


Por estar à beira da morte, ou pelos poderes mágicos do MacGuffin, Star Lord volta a ter uma visão da sua mãe com a mão estendida. Na realidade a mão que Star Lord está a ver é a de Gamora, que também se sacrifica para o ajudar.

Desta vez, em mais um momento de vida e morte, Peter Quill consegue aceitar a mão que lhe é oferecida, fechando assim o arco que tinha sido aberto no início do filme.



Juntamente com Gamora, também Drax e Rocket se juntam e, com o Poder da Amizade, conseguem controlar o MacGuffin e derrotar o Big Bad.


É neste momento que o Star Lord se transforma no Herói que sempre deveria ter sido.
O Peter Quill encontra-se de novo, a criança que estava perdida volta a encontrar o seu rumo.

No fim do seu desenvolvimento, após ter aceite a morte da mãe e de se ter transformado no herói que sempre deveria ter sido, Peter Quill consegue sentir que merece o presente que a mãe lhe tinha oferecido ao início do filme, e finalmente abre-o.



Habitualmente os filmes focam-se mais no enredo ou nas personagens. Filmes cheios de acção e efeitos especiais tendem a focar-se mais no enredo (porque é à custa dele que as coisas explodem) e filme mais lentos, mais introspectivos, tendem a focar-se mais no desenvolvimento das suas personagens (porque é à custa das emoções e dos pensamentos que isso acontece).

Para mim foi surpreendente que num filme que tem em primeiro plano um excelente enredo, e excelente acção com efeitos especiais, houvesse toda uma narrativa visual de desenvolvimento de personagem a acontecer em segundo plano, de forma quase despercebida.

Cada vez mais encontro motivos para gostar deste filme.


Eu gostava muito de dizer que isto é tudo da minha cabeça, mas foi parcialmente inspirado por esta thread no reddit, onde há gente a discutir e a analisar estas coisas até ao fim dos tempos.

2 comentários:

  1. toda a gente gosta de loveable rascal, um tipo desenrascado com um coração de ouro.

    Afinalm, queremos todos ser macacões espertalhões!

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    1. A melhor descrição que eu já encontrei para a personagem do Star-Lord é que ele é um Bardo convencido que é um Rogue.

      Tipicamente a virtude mais prevalente nos heróis é a coragem, menos frequentemente tens a astúcia.
      A astúcia ou inteligência fica frequentemente relegada para o side-kick ou até para o vilão.

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